Sindicalista aponta que negligência com a rede elétrica, redução de investimentos e quadro de funcionários insuficiente são causas estruturais para a demora no restabelecimento de energia após ciclone
O apagão que deixou milhões de paulistas sem energia elétrica após a passagem de um ciclone extratropical na última semana não foi um acidente imprevisível, mas sim um “desastre anunciado”. É o que afirma o presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, Eduardo Annunciato, o Chicão, em artigo no qual analisa as causas estruturais da fragilidade do sistema. Para ele, o fenômeno climático foi apenas o gatilho que expôs anos de negligência com a manutenção preventiva da rede, cortes drásticos no quadro de funcionários e um modelo regulatório que prioriza lucros em detrimento da resiliência do serviço.
Entre os dias 9 e 11 de dezembro, cerca de 2.2 milhões de imóveis ficaram sem energia na Região Metropolitana de São Paulo. Até esta terça-feira (16), ao menos 30 mil clientes da Enel, concessionária que atende a capital e parte do interior, ainda aguardavam o retorno da luz. Bairros inteiros ficaram paralisados, com prejuízos ao comércio, serviços essenciais e à rotina das famílias.
“A rede elétrica precisa de cerca de 18 mil intervenções urgentes para corrigir problemas graves acumulados ao longo dos anos em São Paulo”, afirma Annunciato. Ele soma a este cenário uma fila recorrente de milhares de árvores sem poda adequada – um dos principais fatores de queda de energia em tempestades. “A conta não fecha. O que vivemos é a materialização de um sistema que opera no limite, sem margem de segurança”, critica.
Segundo o sindicalista, os gastos com manutenção pela Enel caíram de R$ 419 milhões no primeiro semestre de 2023 para R$ 315 milhões no mesmo período de 2024 – uma redução de quase 25%. Nos bastidores, a situação é descrita como crítica: falta de equipamentos básicos, almoxarifados vazios e demora na entrega de equipamentos de proteção individual (EPIs), o que chega a impedir a atuação dos técnicos.
A redução no quadro de trabalhadores é apontada como outro fator central. A antiga Eletropaulo, estadual, chegou a ter mais de 10 mil funcionários. Atualmente, a Enel opera com menos da metade desse contingente. “Parte expressiva do serviço foi terceirizada, inclusive áreas estratégicas e de emergência, comprometendo a memória técnica, a integração das equipes e a rapidez na resposta”, explica.
Para Chicão e entidades do setor, a solução não se resume a debater a cassação da concessão da Enel. “Mudar o nome da empresa, sem mudar o modelo de gestão, pouco resolve”, argumenta.
É necessário, segundo ele, um conjunto de medidas:
- Retomada urgente da manutenção preventiva contínua;
- Recomposição real do quadro de trabalhadores, com valorização dos profissionais;
- Revisão dos indicadores de qualidade e dos contratos de concessão;
- Fiscalização rigorosa, independente e transparente pela Aneel.
“Os eletricitários que sobem em postes, entram em túneis superaquecidos e trabalham sob chuva e vento não podem ser transformados em alvo da revolta popular. Eles são parte da solução, não do problema”, defende.
“O verdadeiro apagão está na falta de planejamento, de investimento e de compromisso com um serviço essencial”, completou.











