Um novo apagão deixou 16 dos 23 Estados da Venezuela sem energia durante quase 24 horas. Esta queda no sistema de fornecimento de energia elétrica acontece depois de um prolongado apagão que deixou a Venezuela paralisada por 8 dias – de 7 a 15 de março – com mais um grande colapso no dia 25 do mesmo mês e outro em meados de abril.
Como das outras vezes, o governo culpou atos de sabotagem que seriam repetidamente perpetrados pelos Estados Unidos com cúmplices no interior do país. Desta vez, o sistema teria sido alvo – segundo o presidente Maduro e o ministro da Comunicação, Jorge Rodriguez – de “um ataque eletromagnético”. Como das outras vezes, o governo venezuelano, além da versão, não conseguiu apresentar quaisquer evidências do que afirma: nem equipamentos usados nas operações das supostas sabotagens, nem os cúmplices da ação originada nos Estados Unidos.
Além disso, assim como das outras ocorrências, desta vez, pelo menos dois engenheiros destacados já se manifestaram para contestar a versão governamental.
Dias antes do desastroso desligamento, o engenheiro elétrico Wilson Cabas, presidente da Associação Venezuelana de Engenharia Elétrica, Mecânicos e Profissões Afins, previu o novo colapso: “Nosso sistema elétrico é frágil, instável e vulnerável”.
O engenheiro enfatizou que “a crise está instalada: não temos, na Corporação Elétrica Nacional, Corpoelec, a estatal que gera e distribui energia elétrica, pessoal capacitado [mais da metade dos funcionários emigraram devido à crise econômica] e, o mais importante, não sabemos o que acontece em termos de manutenção dos equipamentos”.
“A crise do sistema só pode ser superada com medidas governamentais e não se anuncia nenhuma neste sentido”, prossegue.
Logo após o apagão, Cabas declarou que “a suspeita é que que houve queda na linha tronco de 765 kV que percorre o país”.
Assim que o engenheiro Cabas deu tais declarações, Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional Constituinte – poder madurista paralelo à Assembleia Nacional, na qual os apoiadores de Maduro perderam a maioria – pediu, através do rádio, uma “investigação” contra o engenheiro “por aparentar ser vidente, profeta”.
À ameaça de Cabello, seguiu mais intimidação: no dia 23, às 14:30 h, o filho do engenheiro Cabas, Arnaldo José Cabas Sarabia, foi detido pela polícia do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) e liberado às 23:00 h do mesmo dia.
O engenheiro José Aguilar, com trabalhos em engenharia elétrica em diversos países, também apontou a causa deste apagão: “a Corpoelec viola os limites de transmissão e expõe o país a um apagão permanente”.
Em engenharia elétrica é denominada de “limite de transmissão” a potência máxima a ser utilizada com segurança (sem distorção dos equipamentos e fiação ou risco de queda no sistema) no transporte de energia elétrica pelas linhas de transmissão (LT).
No caso da Venezuela, 80% da demanda de energia é transportada pelo principal conjunto de três linhas de transmissão que atravessam o país, a chamada Linha Troncal. Aguilar observa que essas LTs, que saem da hidrelétrica de Guri, a principal fonte de geração de energia venezuelana, têm capacidade para uma potência de 6.000 MW e estão suportando 7.000MW.
O engenheiro esclarece que o fato de estar trabalhando acima do limite, não significa que o sistema caia automaticamente, mas “o sistema está debilitado e qualquer falha pode provocar um evento como este”.
Aguilar lembrou que desde o apagão de 7 a 15 de março que o Autotransformador 1, danificado na ocasião, está em reparo e que quando estiver reinstalado vai permitir uma elevação da potência que a hidrelétrica de Guri é capaz de gerar e provisionar, mas, com essa mesma LT, “geraria mais violação dos limites de transmissão”, ou seja, mesmo com o reparo deste equipamento o sistema não está preparado para atender com segurança à demanda de energia da Venezuela.
Aliás, durante o apagão de março, o diretor da Fetraelec, Federação dos Trabalhadores em Eletricidade, Alexis Rodriguez, alertou que “98% dos transformadores do sistema elétrico nacional esgotaram sua vida útil, reduzida por falta de manutenção adequada e a inconsistência da revisão periódica destes equipamentos”. Ele denunciou ainda que “atualmente não se dispõe de peças de reposição para os mesmos equipamentos”.
Oscar Heck, cronista que já atuou nos laboratórios de astrofísica da Universidade McGill, em Montreal e nos de estudos avançados em dinâmica dos fluidos, em Ontário afirma que a história de “ataque eletromagnético” é falaciosa.
Para sustentar sua opinião, Heck destaca que os diferentes equipamentos capazes de danificar computadores ou painéis de controle, através de emissão de ondas eletromagnéticas, além de pesados e de grandes dimensões precisam estar próximos dos alvos (de 2 a no máximo 3 quilômetros de distância): “Bem, isso significa que, se é verdade que os sistemas da represa de Guri foram atacados de maneira eletromagnética (como diz Maduro e sua gente), então os equipamentos deviam estar a cerca de 2 ou 3 quilômetros”.
“Então”, prossegue, “como chegaram estes equipamentos no local? Como foram escondidos? O que fizeram com estes equipamentos depois do ataque? Com tantos postos de controle e base das FANB [Forças Armadas da Venezuela]… Ninguém viu o transporte destes equipamentos, seja por avião, helicóptero ou via marítima (cerca de 300 km pelo Delta Amacuro) ou via terrestre, por exemplo, desde o porto de Carúpanno, a 400 km da represa?”
“E porque Maduro segue falando de ataques eletromagnéticos, mas jamais nos mostra ou esclarece que tipo de equipamento podem ter sido utilizados?”, diz Heck.
E conclui, irônico: “Será que é porque as pessoas se tocariam de que estes equipamentos – muito pesados – devem ser transportados, ocultados, instalados e operados por alguém que os conhece e, em seguida, destruídos ou escondidos para não deixar evidência e que tal processo é improvável, especialmente devido ao peso destes equipamentos e à curta distância de seu alcance?”
NATHANIEL BRAIA