Os desenvolvedores da adaptação para o português do aplicativo ‘GraphoGame’, utilizado pelo governo federal na Política Nacional de Alfabetização, afirmam que a ferramenta sozinha não é capaz de alfabetizar estudantes. O programa é apresentado por Jair Bolsonaro, como uma ferramenta quase milagrosa que, segundo ele, pode alfabetizar crianças em seis meses.
Durante o debate promovido pela Bandeirantes no último domingo (16), o candidato à reeleição pelo PL criticou o educador Paulo Freire, o patrono da educação brasileira, reconhecido e respeitado mundialmente por sua excelência no método de alfabetização. Bolsonaro defendeu uma política educacional em que a alfabetização se daria por meio do aplicativo de celular, sem ao menos saber explicar o que isso significaria.
Recorrentemente Freire é citado – e atacado – nas falas de Bolsonaro. No confronto da Band, para rebater às críticas de seu adversário Lula (PT) com relação à piora da educação durante a pandemia em decorrência do descaso do seu governo, entre outras desculpas esfarrapadas, Bolsonaro disse que “o seu Paulo Freire não deu certo”.
FERRAMENTA DE APOIO NÃO É CAPAZ DE ALFABETIZAR
Criado na Finlândia, o aplicativo ‘GraphoGame’ teve seu conteúdo adaptado para o português pelo Instituto do Cérebro (Inscer), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre.
Imediatamente, a PUC/RS por meio de nota, esclareceu o papel da ferramenta. “A universidade explica que o aplicativo pode ser uma ferramenta de apoio, mas que sozinho não é capaz de alfabetizar”, rebateu.
A universidade ressaltou ainda que a alfabetização não é o objetivo desse recurso e dos pesquisadores. A ferramenta tem o objetivo de auxiliar no desenvolvimento da consciência fonológica e fonêmica das crianças, ou seja, na relação letra e som.
“Para uma criança ser alfabetizada ela precisa de instrução sistemática e consistente, precisa de vivências e sem dúvida alguma do apoio da Escola e especialmente de educadores”, completa a nota da PUC.
Pelas redes sociais, Nelice Pompeu, professora da rede pública de ensino da prefeitura de São Paulo afirmou que é “impossível uma criança se alfabetizar em apenas seis meses”, como mencionou o candidato do PL.
“Principalmente durante o governo Bolsonaro, que há crianças que até desmaiam de fome”, ressaltou Nelice, que também é líder do movimento “Escolas em Luta”.
BOLSONARO NÃO ENTENDE NADA DE EDUCAÇÃO, DIZ APEOESP
“Bolsonaro fala isso por não entender nada de educação. Aliás, ele não entende de nada e só fala besteira”, criticou Maria Isabel Noronha, a Bebel, presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), em entrevista à Hora do Povo. “Para uma criança ser alfabetizada, ela tem que, no mínimo, desenvolver a coordenação motora, o corpo, envolve o lúdico. É um processo para a vida toda”, diz.
“Bolsonaro é um ignorante, precisa ele próprio se alfabetizar”, defende Bebel. “O que Freire faz no seu método? Ele não só alfabetiza, com o seu método, ele emancipa. Você começa a alfabetizar uma criança numa perspectiva de ela desvelar o mundo, de ela “vê” o mundo. Não é por meio de uma educação bancária – onde só se lança conteúdo.
A educação “bancária” muito criticada por Freire, significa que o professor vê o aluno como um banco, no qual deposita o conteúdo, sem que haja uma contextualização, uma mediação, em oposição à uma educação problematizadora ou libertária, em que aluno e professor atuam juntos na busca de soluções.
Para a presidente da Apeoesp, a importância da mediação professor-aluno, ficou evidente durante a pandemia. No período, com o fechamento das escolas em 2020 para conter o avanço da Covid-19, as escolas permaneceram fechadas e os estudantes tiveram aulas por meio de plataformas eletrônicas.
Atualmente , cerca de dois milhões de crianças e adolescentes de 11 a 19 anos estão fora da escola no Brasil, o equivalente a 11%, segundo levantamento do instituto Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica). A pesquisa, encomendada pela Unicef foi realizada para medir o impacto da pandemia na educação a longo prazo.
E entre os estudantes que se mantém na escola, ainda há o risco de aumento no abandono dos estudos: nos últimos três meses, 21% dos estudantes de 11 a 19 anos de escolas públicas pensaram em desistir da escola. Metade deles tem um motivo em comum: não conseguem acompanhar as explicações ou atividades passadas pelos professores.
Além do fator econômico que levou os alunos (cerca de 4% das classes AB, subindo para 17% para meninos das classes DE) a deixarem a escola, uma das razões par a dificuldade na aprendizagem pode estar diretamente relacionada ao ensino remoto.
A respeito da percepção sobre o aprendizado com as atividades escolares, 15% dos estudantes entrevistados responderam que não aprenderam nada do que deveriam ter aprendido com as atividades escolares remotas, durante a pandemia. Sobre as atividades presenciais dos últimos três meses, o índice cai para 8%.
“Bolsonaro pensa que um aplicativo pode substituir o professor. Jamais isso será possível. Pode ser um meio, um recurso a mais. A interação professor-aluno jamais poderá ser substituída por uma máquina”, reforçou Maria Isabel.