
Johan, o bebê que virou símbolo da insanidade da ‘tolerância zero’ com imigrantes, já está com Adalicia e Rolando. Ficou sozinho nos EUA após a deportação do seu pai; passou o 1º aniversário no cativeiro e foi ao tribunal com sua mamadeira
O bebê hondurenho Johan, que se tornou símbolo no mundo inteiro da insanidade e truculência da política de “tolerância zero” do governo Trump com as famílias imigrantes, ao ser levado a uma audiência em um tribunal dos EUA no início do mês para ser deportado, após ter sido separado à força de seu pai, já expulso do país, enfim se reuniu à família neste sexta-feira (20), em San Pedro de Sula, Honduras, depois de uma separação de cinco meses e enorme dor e aflição dos pais, Adalicia Montecinos, que está grávida, e Rolando Antonio Bueso Castilho.
Johan agora está com um ano e cinco meses. No início, a criança não os reconheceu, relatou Adalicia, sem conseguir esconder o choro. Afinal, o bebê abriu um sorriso, enquanto recebia beijos e afagos. A mãe contou como nos cinco meses, quando podia falar com ele, ficava chamando “Johan, Johan”, e então “ele começava a chorar”.
Adalicia disse que não poderia “estar mais feliz” por ter seu filho de volta, mas que estava com muita raiva por ele ser tirado dela por meses, enquanto só podia vê-lo crescer por meio de vídeo. “Eu nunca vou ver meu filho caminhar pela primeira vez ou comemorar seu primeiro aniversário. Isso é o que eu perdi, aquelas memórias que toda mãe adora e conta a seus filhos anos depois.”
O juiz federal que decidiu pela deportação de Johan, em uma corte no Arizona, se disse “envergonhado” de ter que indagar a um bebê se entendia que estava em um tribunal de imigração – um procedimento absurdo instaurado por Obama e agora turbinado por Trump.
Conforme a matéria da AP sobre a “insólita presença do bebê no tribunal”, o sistema de tribunais de imigração dos EUA é tão iníquo que “exige que crianças – algumas ainda em fraldas – tenham de comparecer perante juízes e passem por processos de deportação enquanto estão separados dos pais”. Sequer têm direito a um advogado nomeado pelo tribunal.
Rolando, o pai de Johan, disse que jamais pensou que eles [as autoridades norte-americanas] “poderiam ser tão cruéis”. Honduras é um dos países aonde a política dos EUA de frear as transformações sociais a ferro e fogo na América Central, na década de 1980, deixou cicatrizes mais fundas, como a miséria e as gangues que substituíram os esquadrões da morte treinados pelos ianques, e o tacão do FMI. O golpe de 2009, abençoado pela secretária de Estado Hillary, só fez piorar o quadro.
Rolando, que se vira como motorista de ônibus, ganhando US$ 10 por dia, decidiu tentar uma nova vida nos EUA, onde seu irmão já estava, na expectativa de que os filhos viessem a ter uma sorte melhor. Outra razão foi que o irmão mais velho foi morto em um tiroteio em San Pedro de Sula.
O irmão mais novo, que está nos EUA há sete anos, em Maryland, com a esposa e filhos, ajudou no projeto, com US$ 6 mil, necessários para pagar os coyotes, os guias até a fronteira, caminho já feito também pela irmã de Rolando, que mora nos EUA. Pelo plano, Adalicia, no primeiro trimestre de gravidez, ficaria para trás, trabalhando em uma banca de venda de bonés de beisebol e se juntaria a eles assim que possível.
Rolando e o bebê foram até o México, em Tampicos, de onde seriam conduzidos até a fronteira. Ele levava cinco macacões de bebê, três jaquetas, um cobertor de bebê, fraldas e mamadeiras para a perigosa viagem. Em um trailer, lotado de outras famílias latino-americanas, percorreram o percurso durante três dias, até Reynosa, onde cruzaram o Rio Grande, em uma jangada improvisada, para os EUA, Texas.
Depois de se arrastarem pelo mato, acabaram sendo percebidos e detidos por uma patrulha da fronteira. “Viemos procurar o sonho americano”, explicou Rolando ao vigilante. Como se soube depois, era a quarta tentativa de Rolando de entrar nos EUA.
Pai e filho foram levados para um centro de detenção de imigrantes, para uma jaula de arame, onde dormiram em um cochonete com aquele cobertor que mais parece uma folha de alumínio. Ele pensou que o pior que podia acontecer era ambos serem deportados. Enganou-se. No quinto dia, foi levado para interrogatório, onde teve seu filho tirado de seus braços, na última vez que se veriam por cinco meses.
A via crucis de Rolando incluiu 22 dias trancafiado em diferentes centros de detenção ao longo da fronteira com o Texas. Não sabia nada sobre o que havia acontecido com o filho, não sabia para onde ele tinha sido levado, não tinha dinheiro para ligar para Adalicia e contar o que acontecera.
Quando foi deportado, asseveraram a ele que seu filho o seguiria em duas semanas. Mais uma mentira: se passaram meses. Sobre o que passou ao ser separado do filho, o hondurenho relatou: “eles quebraram algo em mim lá. Isso nunca foi culpa do meu filho. Por que ele teve que ser punido?”
O caso do bebê Johan só começou a se resolver quando estourou o escândalo da separação à força das crianças de seus familiares detidos na fronteira e, ainda pior, de casos como o dos dois, pai expulso e filho mantido nos EUA, ou seja, virtualmente sequestrado.
Sob condenação interna e internacional, inclusive da ONU, Trump teve que recuar, mas grande parte das crianças ainda está separada dos pais, o que deverá ocorrer por ordem judicial – mas é difícil que se resolva inteiramente – até o dia 26. Conforme o Intercept, mães nos centros de detenção precisaram fazer greve de fome para terem notícias do paradeiro dos filhos. Mães que tiveram seus filhos afinal devolvidos viveram a dolorosa experiência de verem que seus filhos já não as reconheciam.
ANTONIO PIMENTA