Assim que o presidente da Argentina, Mauricio Macri, comunicou, na terça-feira, 8, que iria pedir emprestado ao Fundo Monetário Internacional, FMI, 30 bilhões de dólares, já surgiam os primeiros protestos em Buenos Aires (ver foto nesta página). “Financiamento preventivo para dotar de estabilidade o mercado” foi o título que usou para explicar o retorno à desastrosa política de endividamento incondicional que tinha sido suspensa desde que, em 2006, o então presidente Néstor Kirchner tomou a decisão de quitar uma dívida de 9,8 bilhões de dólares com essa instituição e se distanciar dela.
Macri, que, no final de semana passado, sob o pretexto de controlar a inflação e baixar o preço do dólar, elevou os juros para 40%, hoje os mais altos do mundo, e anunciou corte no investimento público em mais de 1,5 bilhão de dólares, agora resolve ir mais fundo no arrocho que aprofunda a destruição da economia argentina.
O ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, viajou na terça-feira última para Washington com o objetivo de negociar o repasse. Montante total, taxas e prazos começarão a ser discutidos pelas equipes técnicas depois do representante do governo se reunir com a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde. Todos os esquemas disponíveis no menu do Fundo condicionam a entrega das divisas à implementação de “correções” na política econômica. Essa ‘contrapartida’ é sempre mais arrocho, menos proteção e direitos para os trabalhadores e privatizações em marcha batida.
A submissão ao FMI já vinha se desenhando. Lagarde esteve na Argentina em março durante a cúpula dos ministros de Finanças do G-20 e defendeu a política arrasa quarteirão de Macri. Além disso, no informe do FMI sobre o país publicado em dezembro de 2017, no artigo IV, os técnicos do órgão exigiram aprofundar os cortes nos investimentos públicos. “A redução do gasto público é essencial, especialmente nas áreas onde ele aumentou muito rapidamente nos últimos anos, em particular os salários, as pensões e as transferências sociais”, escreveram.
No bojo de uma depreciação mais geral das moedas da região como reflexo do aumento de juros nos Estados Unidos pelo Federal Reserve (banco central norte-americano), medida que visa atrair investimentos nos títulos públicos norte-americanos, o peso argentino evidenciou que a situação da economia do país é a mais crítica. Enquanto o dólar subiu 5,3% em relação ao peso argentino, a moeda da Colômbia se desvalorizou 1,4%, a do Chile caiu 1,3%, e o real perdeu 0,96.
Em comunicado, o Conselho Diretivo Nacional da Confederação Geral do Trabalho repudiou a assinatura do acordo, e advertiu que a decisão da aliança governante “trará mais pobreza, uma reforma trabalhista que anulará direitos conquistados e condições de vida que irão piorando ainda mais a qualidade, a quantidade e os direitos do trabalho, o salário e as aposentadorias”.
Para a central operária “a história tem nos manifestado” que acordos como o que se negocia com o organismo de crédito “são sinônimo de extinção das leis do trabalho e submissão política”. O texto, intitulado “No Fundo vamos de regresso às políticas de ajuste”, considera que ” o retorno ao Fundo não é um plano de contingência, é um plano em marcha desde há 2 anos” e que este “é um passo mais” da estratégia traçada pelo governo.
O destacado economista argentino Aldo Ferrer, falecido em 2016, já tinha esclarecido a origem principal do problema. “O déficit no comércio internacional de manufaturas de origem industrial é a causa dominante da insuficiência de divisas, vale dizer, a restrição externa. Este é o principal obstáculo ao crescimento do investimento, da produção e do emprego e o disparador do ciclo que alterna contenção e arranque (stop & go) da atividade econômica. Cria, ainda, expectativas negativas que impulsionam a fuga de capitais e a inflação”, assinalou, apontando importantes insuficiências que já existiam durante o governo de Cristina Kirchner. Sublinhou que “a causa fundamental da restrição externa é o Déficit do comércio internacional de Manufaturas de Origem Industrial, DMOI, e sua origem, a subindustrialização e a débil participação da indústria argentina no processo de inovação. O fato se reflete, também, nas assimetrias de produtividade entre os diversos setores industriais e a elevada participação da informalidade do mercado de trabalho”.
“SÓ TONTOS VÃO AO FMI”
Juan Domingo Perón, presidente da Argentina por três mandatos: de 1946 a 1952, de 1952 a 1955 e de 1973 a 1974, também foi direto ao ponto. “Quando em 1946 tomei posse no governo, a primeira visita que recebi foi a do presidente do Fundo Monetário Internacional que vinha nos convidar a que aderíssemos ao mesmo”, lembrou e frisou que a resposta foi negativa. “Passou o tempo, e em quase todos os países que aderiram ao famoso Fundo Monetário Internacional se sofrem as consequências e começamos a escutar as lamentações. Este fundo, criado segundo diziam para estabilizar e consolidar as moedas do ‘Mundo livre’, não tem feito nada senão envilecê-las na maior medida. Enquanto isso, os Estados Unidos se encarregavam, através de suas empresas e capitais, de se apropriar das fontes de riqueza em todos os países onde os tontos ou os capachos lhe davam espaço, à mercê de seu dólar ficticiamente valorizado em referência às envilecidas moedas dos outros”, disse em entrevista de 1967.
As políticas de Macri, apontam à minimização da participação das empresas estatais, das pequenas e medias indústrias, ao favorecimento das multinacionais e aplicam os aumentos descontrolados dos serviços públicos, os ‘tarifazos’. E este receituário tem como consequência a desindustrialização do país.
SUSANA SANTOS