Depois de sucessivos atrasos para a conclusão das obras e postergações das entregas dos hospitais de campanha no Rio de Janeiro, O governador Wilson Witzel (PSC) assinou, no final da noite da terça-feira (2), um decreto afastando a Organização Social (OS) Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (IABAS) da construção e gestão dos sete hospitais de campanha do estado.
A medida foi tomada por atrasos na montagem dos hospitais e por deficiências na gestão da organização social. As inaugurações das sete unidades, inicialmente previstas para o fim de abril, foram adiadas várias vezes. Apenas o hospital do Maracanã foi entregue.
Na última semana, a OS já tinha sido afastado da administração dos hospitais de campanha de São Gonçalo, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Nova Friburgo, Campos dos Goytacazes e Casimiro de Abreu. Mas continuaria com a construção dessas unidades e com a gestão do hospital do Maracanã.
Segundo o decreto publicado por Witzel, o contrato e os termos aditivos realizados com o instituto serão anulados e o governo vai requisitar todo o equipamento e mão de obra no combate à pandemia, assim como a conclusão das obras.
A Fundação Estadual de Saúde ficará responsável por administrar os sete hospitais de campanha. Outros dois hospitais de campanha estaduais não estavam sendo administrados pelo instituto e já estão funcionando: Parque dos Atletas e Lagoa-Barra, geridos pela Rede D’Or.
O governo do Rio de Janeiro havia anunciado R$ 1 bilhão para o combate à Covid-19 no estado. A maior parte desse orçamento (R$ 836 milhões) foi destinada para o IABAS em contratos emergenciais, sem licitação, para hospitais de campanha.
A empresa é investigada pela Polícia Federal por possíveis fraudes nos contratos envolvendo os hospitais de campanha. A Operação Placebo, deflagrada no último dia 26, cumpriu 12 mandados de busca e apreensão, um deles no Palácio Laranjeiras, residência oficial de Witzel, e outro na casa dele no Grajaú. No dia 27, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) suspendeu todos os pagamentos da Secretaria de Estado de Saúde para a IABAS.
GOTA D’ÁGUA
O secretário estadual de Saúde do Rio, Fernando Ferry, disse nesta quarta-feira que a gota d’água para o afastamento da OS da construção e da gestão dos hospitais de campanha foi a compra de 500 carrinhos de anestesia no lugar de respiradores. Em entrevista ao “Bom Dia Rio”, da TV Globo, ele informou ainda que foram pagos 20 mil dólares por equipamento.
“A gota d’água foi a seguinte: ontem (terça-feira), às sete e meia da noite, é que eu fui informado que os respiradores que estavam no aeroporto na verdade não eram respiradores, eram carrinhos de anestesia. Entrei em contato com as anestesistas que falaram que aquilo ali não era adequado para servir como respirador. Compraram 500 respiradores a 20 mil dólares cada um. Então, a minha preocupação é ver se realmente houve superfaturamento em relação a isso, se não houve. E para a gente poder investigar. Porque é um desperdício. Eles (os equipamentos) não são adequados para funcionar como respiradores para os pacientes”, disse o secretário, que foi além: “Isso é uma brincadeira com o dinheiro público. Eu não tenho nem palavras para falar”.
Pedido de impeachment avança na Alerj
Deputados estaduais sinalizaram de forma positiva à instauração do processo de impeachment de Wilson Witzel, em reunião do colégio de líderes na terça-feira (2). Deputados como o presidente da Assembleia Legislativa (Alerj), André Ceciliano (PT), Luiz Paulo (PSDB) e até mesmo Márcio Pacheco (PSC), que até a semana passada liderava o governo de Wilson Witzel no parlamento, são favoráveis ao processo de impedimento.
Witzel já enfrenta 10 pedidos de impeachment na Alerj, após denúncias de corrupção em menos de dois anos de gestão. Na mesma terça, dois deputados do PSDB protocolaram denúncia na Mesa Diretora para afastar Lucas Tristão, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais.
Tristão é amigo e ex-advogado do empresário Mário Peixoto, preso na Operação Favorito. Segundo a força-tarefa da Lava-Jato, Peixoto participou de contratos fraudulentos sem licitação no governo.
“De quinta até o dia de ontem, o governo fez um movimento de tentar nos enfraquecer aqui no Legislativo. Jogou toda a estrutura do governo em oferecimento de todo o tipo de secretarias, só não ouvi a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e o próprio Governo. O resto ofereceu. Ofereceu liderança, ofereceu de Secretaria de Segurança, da Polícia Civil, de Esporte, de Governo, de todo o jeito. O comentário que faziam no Palácio é que deputado é igual jujuba, em qualquer esquina pode se comprar”, disparou André Ceciliano.
“Não posso permitir que, no meu mandato, tenha o registro de que não respeitei o parlamento, não respeitei a Casa. Então me afasto em um momento em que algumas ações (de Witzel) demonstraram profundo desrespeito ao parlamento, aos líderes (de partidos). Não tenho condições de não defender o parlamento neste momento”, disse Márcio Pacheco justificando o real motivo de sua saída, uma vez que, na sexta, o deputado havia afirmado apenas que estava “cansado” de exercer a função.
O deputado Thiago Pampolha (PDT) disse que o governo perdeu a legitimidade e chamou Tristão de “governador em exercício”. “Tristeza ver o governador perder a capacidade de liderar. Ele abraçou Lucas Tristão e virou as costas para o parlamento e a população”.
O deputado Luiz Paulo é autor de três dos 10 pedidos de impeachment de Wilson Witzel. Na terça também, o deputado federal Otoni de Paula (PSC), outro aliado de Bolsonaro, também protocolou um pedido de afastamento – o primeiro incluindo o vice-governador Cláudio Castro (PSC). “Os dois se mostraram sem legitimidade para comandar o estado. Depois de tudo que está sendo revelado de irregularidade em meio a uma pandemia, é preciso que nos livremos dessa quadrilha instalada no Palácio Guanabara”, atacou.
AMEAÇA
Após receber nesta quarta-feira (3) um pedido de um apoiador sobre uma medida no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro disse que não vai conversar com o governador Wilson Witzel. Em seguida, insinuou que Witzel será “brevemente” preso.
O apoiador, que falou com Bolsonaro na saída da residência oficial do Palácio da Alvorada, se apresentou como policial militar reformado. Ele pediu ajuda contra o pagamento de uma taxa previdenciária, cobrada da categoria pelo governo do Rio.
“Eu não vou conversar com o Witzel. Até porque, brevemente, já sabe onde ele deve estar, né?”, respondeu Bolsonaro.
Bolsonaro e Witzel foram aliados durante as eleições de 2018. Witzel chegou a ter como um dos principais apoiadores na campanha um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro.
Mas a relação entre o governador e o presidente se deteriorou nos últimos meses e eles se tornaram rivais políticos. Bolsonaro acusa Witzel de criticá-lo com objetivo eleitoral. O desgaste entre os dois se intensificou com as medidas de isolamento social, tomadas pela maioria dos governos estaduais, inclusive o do Rio, para a contenção do coronavírus. Bolsonaro é contra as medidas.
Na reunião ministerial de 22 de abril, cuja gravação foi divulgada por decisão judicial, Bolsonaro chamou Witzel de “estrume”, em um momento em que criticava as ações tomadas contra a pandemia. Quando o conteúdo da reunião se tornou público, Witzel respondeu: “Que num futuro breve o povo brasileiro entenda que, do que ele me chama, é essencialmente como ele (Bolsonaro) próprio se vê”.