Pintou um clima na Casa Branca:
O presidente da França, Emmanuel Macron, que saiu do Velho Continente representando a posição europeia pela manutenção do acordo nuclear com o Irã para ‘visita de Estado’ à Casa Branca, passou a concordar com o belicismo de Trump, após inebriantes cenas que correram mundo, em que foi visto aos beijos, mãos dadas, drink e afagos com o presidente norte-americano.
Antes de viajar, em entrevista que foi ao ar no domingo pela Fox News, ele havia dito que “não havia plano B” para o acordo com o Irã. Do tapete vermelho ao Salão Oval, não faltou o que foi descrito pela mídia como ‘bromance’ – ou, diríamos nós, pintou um clima. O lendário presidente Charles De Gaulle deve estar, inconsolável, se mexendo em seu túmulo em Colombey-les-deux Eglises. E todos os diálogos no melhor idioma inglês, falado com impecável sotaque pelo ex-banqueiro Macron.
Já na chegada na segunda-feira, acompanhado pela esposa Brigitte, Macron tomou a iniciativa de cumprimentar Trump com dois beijos no rosto. Dali em diante, a troca de afagos e gentilezas não cessou. Na terça-feira, antes de posarem para as fotos, Trump limpou delicadamente o ombro de Macron: “na verdade, vou tirar um pedacinho de caspa daqui. Só um pedacinho. Temos que deixá-lo perfeito. Ele é perfeito. É realmente ótimo estar com você, e você é um amigo especial. Obrigado”.
Encantamento também ao caminharem para o Salão Oval, com Trump conduzindo pela mão a Macron. Viralizou nas redes sociais. Mais tarde, foi a vez de Macron dar vários tapinhas no braço de Trump enquanto conversavam, e ao deixar o local, saiu meio pendurado no ombro do norte-americano.
Empatia que começou no encontro da Otan no ano passado, em que os dois protagonizaram a “batalha das mãos”. Há quem diga que, naquela oportunidade, Trump chegou a tentar por duas vezes escapar do aperto de mão. Macron asseverou na época que “não queria demonstrar debilidade”. No 14 de Julho, Trump foi convidado de honra de Macron, e o aperto de mão durou 29 segundos.
Ao ser questionado sobre sua mudança quanto a “não existir Plano B” de acordo nuclear com o Irã, Macron afirmou que não havia sido bem entendido, que o que ele dissera era que “não havia planeta B”, o que era principalmente em relação ao Tratado do Clima de Paris e não ao Irã.
Além da simpatia que exala, Macron também tem outros atrativos: fez questão de se tornar coadjuvante do ataque com mísseis de Trump à Síria sob o pretexto do “ataque químico em Douma”. Ao que se diz, seu grande projeto de vida é ser a Thatcher da França e o lulu de Trump.
Em sua meia volta, volver, Macron disse que ele e Trump haviam tido “uma discussão muito franca, apenas nós dois”. E acrescentou, relatando o diálogo: “você considera o acordo com o Irã negociado em 2015 um mau acordo … nós desejamos portanto, de agora em diante, trabalhar para um novo acordo com o Irã”. Sabujice desdobrada no dia seguinte, diante do Congresso dos EUA, com a formulação de “manter o atual acordo” e “suplementá-lo” para impor que o Irã se renda e não ajude a Síria ou o Iêmen.
“Eu sempre disse que não deveríamos rasgar o acordo e não ter mais nada – não seria uma boa solução”, disse Macron. “Não é sobre rasgar o acordo, mas sobre construir algo novo que cubra todas as preocupações [de Trump]”.
Como disse a Carta dos 500 deputados europeus, o acordo com o Irã foi um grande avanço, depois de 13 anos de discussões. Desde aquela famosa entrevista do ex-comandante da Otan, general Wesley Clark, de que, logo após o 11 de Setembro, soube no Pentágono que os EUA iam “invadir sete países” islâmicos (e casualmente com petróleo), a ameaça ao Irã vai e volta à pauta internacional.
Com a ajuda da Rússia e da China, foi possível fechar o acordo, que permitiu limitar o programa de enriquecimento de urânio iraniano e estabelecer inspeções pela Agência Internacional de Energia Atômica, em troca do fim das sanções brutais que baniram a venda de petróleo iraniano para os países ocidentais e impediram Teerã de usar o sistema de pagamentos internacional SWIFT. Países, companhias e bancos que faziam negócios com o Irã, legais sob as leis dos países de origem, eram ilegalmente multados ou sancionados por Washington.
Mas como após os desastres no Iraque e no Afeganistão não havia clima nos EUA para sustentar uma guerra contra o Irã e o crash de 2008 havia deixado um rastro de devastação interna, o governo Obama acabou aceitando o acordo, que vai até 2025.
O Irã rebateu com dureza a proposição de Macron de ser conivente com Trump, ao qual chamou de “mercador sem embasamento sobre a lei internacional e os tratados”. Dizem que têm apoio de um líder de um país europeu e anunciam que vão redefinir o que foi assinado por sete partes. “Com que direito, e para quê?”, questionou o presidente Hassan Rouhani. O acordo – advertiu o chanceler iraniano Javad Zarif – “é tudo ou nada”. Ele também exigiu que os países europeus signatários cobrem dos EUA que comecem “a cumprir com o acordo”.
NÃO-PROLIFERAÇÃO
Teerã anunciou estar pronta para qualquer hipótese, inclusive se retirar do Tratado de Não-Proliferação e religar centrífugas. Rússia e China já reiteraram que bloquearão qualquer tentativa de sabotar o acordo. Em janeiro, Washington impôs à Alemanha, França e Inglaterra a formação de um grupo (UE-3) para discutir modificações no acordo.
Até o momento, a Inglaterra segue a favor da manutenção do acordo com o Irã, conforme declaração do chanceler Boris Johnson. O ministro das Relações Exteriores alemão Heiko Maas advertiu sobre as consequências de rasgar o tratado com o Irã, cuja manutenção considerou “extremamente importante”. “Se [o acordo] falhar ou os EUA caírem fora, não teríamos nada comparável a ele e nós tememos que a situação [na região] se deterioraria significativamente, com tudo que vem com isso”.
Sobre o intento de revogar o acordo, a pretexto de suplementá-lo nos “três pilares que faltam”, um diplomata russo resumiu a questão: “qual pode ser a importância do resultado dessa tertúlia se os três co-autores-chave do acordo nuclear, Rússia, China e Irã, não tiveram nada ver com tal ‘trabalho’? Quanto ao papelão de Mister Macron, com a palavra o L’Humanité: “a França não aceita ser rebaixada a este ponto. Se Macron quiser, que fique com suas amizades proibidas, mas deixe-nos fora disso”.
ANTONIO PIMENTA