Nesta terça-feira (26), o Grupo Carrefour Global pediu desculpas ao governo brasileiro e afirmou que reconhece a “grande qualidade” das carnes dos frigoríficos brasileiros. A retratação ocorreu seis dias após seu CEO global, Alexandre Bompard, ter publicado uma carta em suas redes sociais afirmando que o grupo tinha assumido o compromisso “de não comercializar nenhuma carne proveniente do Mercosul”.
A carta tinha sido direcionada a um sindicato agrícola francês, em meio a protestos de produtores rurais contrários ao acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.
A fala de Bompard, na semana passada, desencadeou uma série de boicotes de frigoríficos brasileiros à rede Carrefour, e ao Atacadão e Sam’s Club, que também fazem parte do grupo. Um dia depois da declaração do CEO, grandes empresas, como a JBS e Minerva, além da Masterboi, boicotaram o fornecimento de carne à empresa.
O movimento recebeu apoio do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que explicou que o incômodo derivou-se do fato de Bompard ter questionado “qualidade sanitária das carnes brasileiras”.
Isso porque, em sua primeira carta, o CEO disse que havia um “risco” de a França ser inundada “com carne que não atende às suas exigências e normas”.
“Não é pelo boicote econômico. O problema é a forma com que o CEO do Carrefour tratou, o primeiro parágrafo da carta, da manifestação dele, que fala com relação à qualidade sanitária das carnes brasileiras, que é inadmissível falar”, afirmou o ministro, em entrevista.
Na nota publicada nesta terça, o Carrefour Global reforçou que essa política será mantida na França. “A decisão do Carrefour França não tem como objetivo mudar as regras de um mercado francês já amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais. Ela visa garantir legitimamente aos agricultores franceses, que enfrentam uma grave crise, a continuidade do nosso apoio e de nossas compras locais”, disse.
“Do outro lado do Atlântico, compramos quase toda a nossa carne brasileira no Brasil e continuaremos a fazê-lo”, afirmou. “Lamentamos que nossa comunicação tenha sido percebida como uma contestação de nossa parceria com a agricultura brasileira e uma crítica a ela”.
A nota do Carrefour nesta terça reforçou que o grupo conhece “melhor do que ninguém os padrões que a carne brasileira atende, sua alta qualidade e seu sabor”.
O Carrefour afirmou, também, que nunca opôs a agricultura francesa à agricultura brasileira. “Os nossos dois países do coração têm em comum o amor à terra, à sua cultura e à boa comida”.
VITÓRIA DO BRASIL
Após o pedido de desculpas, Fávaro disse ao blog do Valdo Cruz, do portal G1, que classificou a retratação como uma “vitória” do Brasil. Frisou que o país sai “fortalecido para negociações como a do acordo Mercosul e União Europeia”. “Agora, tudo volta ao normal”, disse.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) espera que, com isso, as operações da rede francesa sejam reestabelecidas.
“A agroindústria no Brasil recebe com satisfação o pedido de desculpas e o reconhecimento da excelência do produto e do produtor brasileiro por parte do CEO Global do Carrefour, Alexandre Bompard”, disse a Abiec, em nota.
O mercado brasileiro representa cerca de 25% do faturamento global do Carrefour, sendo o segundo maior mercado da empresa, atrás apenas da França. A marca cravou uma receita de R$ 115 bilhões no país em 2023.
A expansão é superior aos 14% do setor, registrado pelo IBGE. O faturamento bruto foi de R$ 1,046 trilhão, um crescimento de R$ 153,6 bilhões sobre o ano anterior.
Veja a carta na íntegra de Bompard:
“Ao Excelentíssimo Ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Senhor Carlos Fávaro,
A declaração de apoio do Carrefour França aos produtores agrícolas franceses causou discordâncias no Brasil. Como Diretor-Presidente do Grupo Carrefour e amigo de longa data do país, venho, respeitosamente, esclarecê-la.
O Carrefour é um grupo descentralizado e enraizado em cada país onde está presente, francês na França e brasileiro no Brasil.
Na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e assim seguiremos fazendo. A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes. Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais.
Do outro lado do Atlântico, no Brasil, compramos dos produtores brasileiros quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim. São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à terra e produtores conhecemos.
O Grupo Carrefour Brasil é profundamente brasileiro, com mais de 130.000 colaboradores, se desenvolveu e continua se desenvolvendo sob minha presidência em parceria com produtores e fornecedores do Brasil, valorizando o trabalho do setor produtivo e sempre em benefício de nossos clientes. Nos últimos anos, o Grupo Carrefour Brasil acelerou seu desenvolvimento, dobrando tanto o volume de seus investimentos no país quanto suas compras da agricultura brasileira. Mais amplamente, o Brasil é o país em que o Carrefour mais investiu sob minha presidência, o que confirma nossa ambição e nosso comprometimento com o país. Assim seguiremos prestigiando a produção e os atores locais e fomentando a economia do Brasil.
Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas.
O Carrefour está empenhado em trabalhar, na França e no Brasil, em prol de uma agricultura próspera, seguindo nosso propósito pela transição alimentar para todos. Asseguro, Senhor Ministro, nosso compromisso de longo prazo ao lado da agricultura e dos produtores brasileiros.
Aproveito a oportunidade para renovar os protestos de estima e consideração.
Atenciosamente, Alexandre Bompard, Diretor-Presidente do Grupo Carrefour”