Ex-ajudante de ordem já havia relatado reunião onde os comandantes foram pressionados a apoiar o golpe. Depois dos detalhes dados pelo general Freire Gomes e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, a PF decidiu ouvir Mauro Cid outra vez
A Polícia Federal marcou para a próxima segunda-feira (11) um novo depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. Ele deverá responder sobre os novos fatos que surgiram após os depoimentos do ex-comandante do Exército Freire Gomes e do ex-comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior.
Os dois confirmaram a existência das minutas golpistas e a reunião onde Bolsonaro tentou cooptar os comandantes para o golpe. Mauro Cid fez acordo de colaboração premiada e, por isso, não poderá mentir nesse próximo depoimento. O acordo prevê que Mauro Cid volte a prestar depoimentos quantas vezes forem necessárias, dizem os investigadores.
Outro tema que deve ser abordado no depoimento de Cid será o depoimento do general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, que integrou o Alto Comando do Exército e foi comandante de Operações Terrestres entre o final de março de 2022 até o final de novembro de 2023. A unidade fica em Brasília e não tem nenhuma tropa subordinada diretamente a ela.
De acordo com as investigações, em 9 de dezembro de 2022, Theophilo se reuniu com o então presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada e consentiu com a adesão ao golpe de Estado, desde que o presidente da República assinasse a medida, conforme conversas encontradas no celular do ajudante de ordens.
Segundo os investigadores, o general Freire Gomes foi decisivo para barrar o golpe de Estado pretendido por Jair Bolsonaro. Ele confirmou a reunião descrita por Mauro Cid onde Bolsonaro teria mostrado a ele duas versões da minuta golpista com a decretação do estado de Defesa.
Na época, Freire Gomes se recusou a apoiar o golpe e chegou a ameaçar o presidente com a prisão se ele insistisse em seguir com seus planos. O depoimento do general na última sexta-feira (1) levou mais de oito horas e, segundo os investigadores, ele respondeu a todas as perguntas formuladas.
O ex-comandante do Exército repetiu que considerou mais importante agir para impedir a concretização do golpe do que fazer a denúncia de Bolsonaro ao Ministério Público, como cobram alguns juristas. Segundo ele, uma denúncia naquela altura poderia criar uma crise institucional, afastá-lo do comando e facilitar os planos de Bolsonaro.
Outra medida tomada por Freire, no mesmo sentido, foi se opor à ordem do comandante militar do Planalto, general Gustavo Henrique Dutra, de usar a força para retirar os manifestantes da frente que quartel-general do Exército na capital. Era, segundo Freire Gomes, o que eles queriam para criar uma comoção e facilitar a ação dos golpistas.
Em 29 de dezembro, Dutra ordenou o desmantelamento do acampamento no QG de Brasília. A justificativa era reduzir o risco de confronto entre apoiadores de Bolsonaro e simpatizantes de Lula, que começavam a se dirigir à capital federal para acompanhar a posse do presidente eleito. Gomes considerou que essa decisão poderia gerar violência, criar uma comoção e contribuir com o plano dos golpistas.
A confirmação dos dois ex-comandantes de que Bolsonaro estava de posse da minuta do golpe, coloca o ex-presidente como o principal articulador do ação criminosa contra o país. No relato de Mauro Cid à PF, os dois militares se recusaram a apoiar o golpe e somente o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria concordado em participar da aventura.
Bolsonaro tentava convencer os comandantes a respaldar as medidas que ele pretendia tomar, entre elas intervir no Tribunal Superior Eleitoral, anular a eleição e prender Alexandre de Moraes e líderes da oposição.
Além da confirmação da minuta pelos comandantes, a PF está de posse de um vídeo que foi encontrado na casa de Mauro Cid, onde os golpistas estão reunidos tramando todas as medidas para anular a eleição presidencial. O vídeo foi gravado pelo ajudante de ordem Mauro Cid em que Bolsonaro aparece dizendo que era necessário virar a mesa antes das eleições porque depois seria mais difícil.
Vários outros trechos da reunião gravada são provas de que o golpe estava em pleno andamento até que o general Freire Gomes impediu que a trama seguisse adiante. À época, Braga Neto chamou Freire Gomes de “cagão”. A prova gravada e mais os depoimentos dos dois comandantes militares são contundentes e devem levar à condenação Bolsonaro e alguns de seus auxiliares.
Mensagens obtidas pela PF durante as investigações mostram que, assim como Freire Gomes, Baptista Junior também foi atacado pelo general Walter Braga Netto — ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro nas últimas eleições — por não aderir aos planos golpistas.
Inconformados com o seu depoimento, militares golpistas e outros membros da milícia de Bolsonaro passaram todo o final de semana desacatando o general Freire Gomes, chamando-o de ‘traidor’ e fazendo ameaças ao militar. Eles não engolem o fato do general ter se recusado a apoiar o golpe e ficaram mais enfurecidos ainda com o depoimento onde ele confirmou a existência da minuta e detalhou à Polícia Federal os planos golpistas.
A jornalista Andréia Sadi, por exemplo, informou, em seu blog no Portal G1, na segunda-feira (4), que teve acesso a um dos vídeos que circulam nas redes, onde bolsonaristas afirmam que o general Freire Gomes “traiu Bolsonaro e pode se complicar’’. Eles dizem também que ele “enrolou’’ e “enganou” Bolsonaro com discussões sobre artigos da Constituição.
O objetivo do grupo é “fritar o general” e tentar arrastá-lo para a cena do crime. Isso ficou claro no depoimento do general golpista Estevam Theophilo, responsável por acionar os “kids pretos”, informando que participou de reuniões a mando do general Freire Gomes. O general negou essa versão e Theophilo também não explicou porque, diferente de Gomes, decidiu apoiar o golpe e se comprometeu até a mobilizar os “kids pretos”.
Ao contrário dele, o general Freire Gomes, ao se encontrar com Bolsonaro e receber dele a proposta de minuta do golpe, que invalidava as eleições e pretendia prender ministros do STF e líderes da oposição, recusou-se a apoiar a trama e ainda ameaçou o presidente de prisão, segundo relata o ajudante de ordem de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid. O encontro havia sido articulado por Bolsonaro, que levou a minuta do golpe, entregue a ele por seu assessor Felipe Martins, para pedir o apoio aos comandantes militares à sua empreitada criminosa contra a vitória de Lula.
A Polícia Federal espera fechar as investigações sobre o roteiro do golpe com as informações obtidas no depoimento de Freire Gomes, cruzando-as com as de Mauro Cid na segunda-feira próxima. O ajudante de ordem vai depor para confirmar as informações sobre as minutas do golpe encontradas na investigação e confirmadas pelos ex-comandantes. Se mentir ou omitir, pode perder os benefícios de sua colaboração premiada.