(HP 28/04/2017)
Um intenso debate na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ocorrido na quarta-feira (26), sobre a nova lei de abuso de autoridade, terminou num grande consenso, após o recuo do senador Roberto Requião (PMDB-PR) em manter trechos polêmicos de seu relatório. A principal mudança, defendida pelo juiz Sérgio Moro, e sugerida pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede- AP), foi a que modificou o trecho que dizia: “A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade”. O termo razoável era considerado muito vago pelos procuradores. Foi retirada do texto a expressão “necessariamente razoável”.
Para o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, se esse trecho entrasse em vigor, o juiz ficaria com “medo de proferir decisões”. O problema, segundo Veloso, residia na expressão “necessariamente razoável”. A manutenção do trecho inicial restabeleceria no Brasil o chamado “crime de hermenêutica”, em que juízes podiam ser punidos por decisões tomadas em juízo. Esse tipo de punição já havia sido abolido da justiça brasileira no início do século XX, em ação defendida por Rui Barbosa contra a tentativa, pelo então governador do estado, de punição de um juiz do Rio Grande do Sul.
Na semana passada o senador Randolfe Rodrigues tinha alertado o país sobre os riscos da aprovação do relatório original de Requião, considerado por muitos contrário à Lava Jato. “Se for aprovado o substitutivo do senador Requião, estão comprometidas as ações futuras da magistratura, do Ministério Público, do próprio futuro de Operações como a Lava Jato que tem sido um marco no combate à corrupção neste País”, afirmou Randolfe.
Requião também aceitou outras ponderações e modificou outro ponto que era muito criticado por procuradores. Trata-se do artigo que fala sobre o início de um processo investigatório. O trecho previa detenção para a autoridade que desse início à persecução penal, civil, ou administrativa “com abuso”. No novo relatório, Requião trocou a expressão “com abuso” por “sem justa causa fundamentada”. Um outro trecho ainda, que também era criticado por representantes do Ministério Público, permitiria a investigados processar privadamente as autoridades que os investigam. Este trecho também foi modificado, admitindo-se a ação privada apenas se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva”. O argumento era de que essa medida tolheria a ação dos magistrados.
Dois senadores do PT, Humberto Costa, de Pernambuco e Jorge Viana, do Acre, ambos citados na Lava Jato, insistiram na aprovação do relatório original de Requião. “Hoje há um maniqueísmo. Qualquer coisa ou é a favor ou é contra a Lava Jato […]. Mas nós estamos aprofundando, estamos pensando nas pessoas mais pobres da sociedade que são vítimas de abuso”, declarou Costa. Na mesma linha, Jorge Viana (PT-AC) disse que a legislação em vigor sobre abuso de autoridade é de 1965, “da época da ditadura”. “Quem é contra o projeto é a favor do abuso de autoridade?”, questionou. Foram votos vencidos. Na nota do juiz Sérgio Moro, ele ressalta o retorno ao bom senso na discussão e afirma que prevaleceram as opiniões “mais moderadas” do Senado.