
Abandonou o governo e foi pescar no Guarujá. De lá continuou empenhado em espalhar e ajudar o vírus. Não está satisfeito com mais de 1.500 crianças mortas de Covid-19 desde o início da pandemia
Fazendo a única coisa que sabe fazer desde que assumiu a Presidência da República, ou seja, passear e fazer confusão, Jair Bolsonaro voltou a atacar as vacinas, falando diretamente da praia do Guarujá, onde se encontra aglomerando e espalhando o vírus. Disse, neste domingo (19) que se depender dele, as crianças não vão tomar a vacina contra a Covid-19.
“Se depender de nós, nem a tua é obrigatória, é liberdade. Criança é coisa muito séria. Não se sabe os possíveis efeitos adversos futuros. É inacreditável, desculpa aqui, o que a Anvisa fez. Inacreditável”, disse Bolsonaro para um apoiador.
Com essa sua posição negacionista, ele entrou em atrito com a direção da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que autorizou na quinta-feira (16) a vacinação de crianças de 5 a 11 anos com a vacina da Pfizer.
Inconformado com a aprovação, Bolsonaro ameaçou todos os funcionários da agência. Usou sua live da noite da mesma quinta-feira para dizer que estava pedindo o nome de todos eles para torná-los públicos. Uma ameaça aberta aos responsáveis pela vigilância sanitária do país.
Em vários países do mundo as crianças já estão sendo vacinadas, incluindo EUA e China e países da União Europeia, com resultados satisfatórios, tanto em relação à eficácia das vacinas, quanto à sua segurança. No Brasil, para aprovar o uso da vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos, a agência ouviu diversas entidades médicas – incluindo a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Imunizações.

O diretor da Anvisa Antônio Barra Torres rebateu as palavras de Bolsonaro. “Não trata-se apenas de uma decisão dos comitês técnicos da agência, com seus mais de 20 anos de experiência. As sociedades médicas (também) nos deram a segurança para promulgar a decisão que fizemos com base técnica, nada de política, nada de outras influências”, declarou Barra Torres. “E o que esperamos agora é uma análise o mais rápida possível (por parte do ministério)”, acrescentou Torres.
A própria câmara técnica do MS, acionada pelo governo para retardar o processo, se adiantou e declarou ser favorável à vacinação das crianças.
Algumas semanas antes da decisão favorável da Anvisa ao uso da vacina da Pfizer nas crianças, os diretores da agência reguladora haviam denunciado à Polícia Federal que estavam sendo ameaçados de morte por milícias digitais contra as vacinas e pediram proteção para continuar a realizar o seu trabalho. Com a ameaça pública feita por Bolsonaro em sua live, a situação agravou-se ainda mais. Agora, Bolsonaro volta à carga e revela publicamente que está orientando o ministro Marcelo Queiroga, da Saúde, a colocar empecilhos à vacinação das crianças.
“Vem da Saúde isso aí. Vacina para criança: primeiro, só autorizado pelo pai”, disse o “capitão cloroquina”, mostrando que, além de negacionista que não entende nem de vacina, ele sabe menos ainda sobre as famílias ou sobre as normas de saúde pública. Nenhuma criança vai sozinha aos postos de saúde. Elas sempre vão acompanhadas de pais ou responsáveis. Ele não sabe nada sobre isso. Certamente ele não orientou ou ajudou a orientar seus filhos sobre cuidados com a saúde. Já, por outro lado, sobre as rachadinhas, certamente as suas lições foram intensas e frutíferas.
“Se algum prefeito, governador, ditador aí quiserem impor, é outra história. Mas por parte do governo federal tem que ter autorização dos país. Tem que ter receita médica”, acrescentou ele, da praia, em entrevista para a emissora VTV, afiliada do SBT. A entrevista foi um show de ignorância sobre saúde pública.
Aliás, o desconhecimento é compreensível, vindo de um presidente que acabou de confessar não saber o que é e para que serve o Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural do país, o IPHAN. Vejam o que ele disse a respeito.
“Tomei conhecimento que uma pessoa conhecida, o (empresário bolsonarista) Luciano Hang, estava fazendo mais uma obra e apareceu um pedaço de azulejo nas escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta (Marcelo Álvaro Antônio, à época titular do Turismo) e perguntei: ‘que trem é esse?’”, contou ele.
“Porque não sou inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan?’, com ‘PH’. Explicaram para mim, tomei conhecimento, ‘ripei’ todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá”, acrescentou Bolsonaro durante uma palestra para empresários na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). É esse mesmo “entendido” que agora fala em receita para vacinar.
Exigir receita médica para uma campanha de vacinação infantil durante uma pandemia que já matou mais de 616 mil pessoas, sendo mais de 1.500 crianças, é trabalhar abertamente a favor do vírus e por mais mortes, coisa que, convenhamos, Bolsonaro vem fazendo desde o início da pandemia.
Ele defendia – e defende até hoje – que as pessoas entrem em contato com o vírus o mais amplamente possível para se infectar e atingir a chamada imunidade de rebanho. A ideia foi rechaçada no mundo inteiro pelo número de mortes que causaria.
Bolsonaro insistiu nesta tese genocida e combateu de todas as formas possíveis a compra de vacinas. Trabalhou contra todas as medidas sanitárias. Foi contra a CoronaVac e se recusou a adquirir a vacina da Pfizer. Espalhou fake news amedrontando a população, inventando que vacina faz mal. A CPI da Pandemia, instalada no Senado, denunciou para toda a sociedade não só a sabotagem criminosa do governo à compra das vacinas como revelou ainda um esquema de corrupção gigantesco no governo onde auxiliares de Bolsonaro pediam propina de um ‘dólar por dose’ de vacina comprada.
Ele e sua sabotagem foram derrotados pelo Congresso Nacional, pelo Supremo Tribunal Federal e pelos governadores. Apesar dele, e contra as artimanhas do Planalto, o país conseguiu iniciar sua campanha de vacinação e a está realizando com êxito. Agora, que chegou a vez das crianças, setor que está vulnerável por ser a única faixa etária que não se vacinou, Bolsonaro volta a fazer pressão para impedir que elas não recebam aa vacina. De novo o STF obrigou o governo a obedecer à ciência e deu 48 horas para que seja elaborado um plano de imunização das crianças.
Mesmo com a autorização da Anvisa e a ordem do STF, Bolsonaro resiste a obedecer e manipula Marcelo Queiroga, o seu ministro de estimação, para retardar ou mesmo impedir o início da vacinação das crianças. É claro que se forem exigidas receitas médicas para que se possa vacinar as crianças, como anunciou e pretende Bolsonaro, isso significará um retardo inaceitável na vacinação. Só quem agradece a essa estupidez é o vírus.
SÉRGIO CRUZ