Alexandre Saraiva, Superintendente da Polícia Federal no Estado do Amazonas, disse que as “empresas” investigadas na ação não podem nem ser chamadas de empresas, como afirma o ministro do Meio Ambiente. “Trata-se de uma organização criminosa”, afirmou
O chefe da Polícia Federal do Amazonas, Alexandre Saraiva, Superintendente da Polícia Federal no Estado do Amazonas desde 2017, afirmou, nesta segunda-feira (5), em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, que é a primeira vez que vê um ministro do Meio Ambiente se manifestar de maneira contrária a uma ação que visa proteger a floresta amazônica.
“É o mesmo que um ministro do Trabalho se manifestar contrariamente a uma operação contra o trabalho escravo”, afirmou, acrescentando que “é como se um carro fosse parado na estrada, a polícia pedisse o documento, e o condutor não tivesse em mãos ou entregasse um sobre um Fusca, quando estava dirigindo um Chevette. Se a documentação estiver dentro da lei, liberaremos a madeira na hora. A possibilidade disso acontecer, na minha opinião, é perto de zero”, argumentou.
Saraiva, que é doutor em ciências ambientais e sustentabilidade da Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas, se referia à reação de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, à operação da PF que reprimiu madeireiros ilegais na região e fez a maior apreensão de madeira da história do Brasil. “Na Polícia Federal não vai passar boiada”, disse ele, usando a expressão de Salles na reunião ministerial que se tornou pública do ano passado. Ele diz que as “empresas” investigadas na ação não podem nem ser chamadas de empresas. “Trata-se de uma organização criminosa”, afirmou.
“Temos 10 ou 12 laudos atestando de forma inequívoca a ilegalidade de exploração. As empresas têm mais de duas dezenas de autuações no Ibama. É uma organização criminosa. Não merecem nem a denominação de empresas. Têm a vida dedicada ao crime, ao furto de bens públicos, à fraude, à corrupção de servidores públicos”, explicou Saraiva. A reação do ministro Ricardo Salles “é um fato inédito e que me surpreendeu”.
O delegado contestou as afirmações de Salles que questionou a ação da PF e disse que inspecionou a origem de duas toras de madeira apreendidas e que elas estavam regulares. “Aquela madeira é produto de crime. Estamos falando de aproximadamente 40 mil toras. Se ele olhou duas, chegou a uma conclusão dessas, é no mínimo precipitado”, apontou.
Citando entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, onde Ricardo Salles diz que a PF está criando uma situação de instabilidade jurídica e que as madeireiras vão quebrar, Alexandre Saraiva responde: “ou a gente faz um país baseado na lei ou faz baseado no crime. Se não está dentro da lei, não tem que funcionar mesmo. Se a lei está incomodando, muda-se a lei. Mas a lei que está valendo hoje é essa, e nós estamos cumprindo”.
Sobre a declaração dos meliantes autuados, apoiada pelo ministro, de que as madeiras saíram do local informado por eles, Saraiva disse que “a questão é se essa exploração poderia ter ocorrido. Onde está o processo administrativo que autorizou essa exploração? É claro que o criminoso sabe onde ele cometeu o crime. Isso é incontroverso. Existe um plano de manejo legal?”
Ele disse isso explicando que não foi apenas a questão da origem que levou à apreensão. O motivo da apreensão foi “irregularidade no plano de manejo, no Cadastro Ambiental Rural da área (CAR). São irregularidades gravíssimas. Por exemplo, as áreas de preservação permanente (APP), ao que parece, foram ignoradas”.
O delegado questionou por que o ministério não mandou uma equipe do Ibama para um trabalho técnico e, inclusive, se fosse o caso, autuar as madeireiras? Isso sim seria uma atuação institucional e muito bem-vinda. [O Ibama estava presente na visita, mas ainda não fez um relatório final sobre o caso.] “Eles atuam no aspecto administrativo e a PF como órgão de persecução penal. Mas uma coisa não tem relação com a outra, lição básica que aluno de segundo ano do direito sabe”, afirmou.
Alexandre Saraiva desabafou sobre os percalços na luta contra o crime. “Estou há dez anos na Amazônia. Na minha opinião, a exploração, nesses moldes, inviabiliza a exploração legal da madeira, sufocada por uma organização criminosa. É por isso que a madeira brasileira de alta qualidade está sendo vendida nos EUA a um preço de compensado, de pinus, e, na Europa, a preço de eucalipto”, disse.
“O ministro disse que eu recuei sobre a questão da responsabilidade dos países europeus [no desmatamento]. Jamais. Nunca recuei. Não significa dizer com isso que o Brasil não tem responsabilidade sobre a preservação da Amazônia. De forma alguma. Mas é claro que o consumo incentiva o crime”, avaliou.