Enquanto a comunidade internacional aguarda que o acordo de cessar-fogo e retirada de forças sacramentado pela ONU seja plenamente acatado no porto de Hodeidah, a denúncia de que os sauditas estão utilizando crianças sudanesas como carne de canhão em sua guerra contra o Iêmen aumenta o isolamento de Riad e realça a cumplicidade dos EUA.
“Crianças pagas para matar crianças”, denunciou o presidente da Fundação Ploughshares, Joe Cirincione. “É assim que nosso ‘aliado’, Arábia Saudita, paga sua repugnante guerra no Iêmen”. “E nós ajudamos a pagar por isso”.
A Ploughshares é uma instituição que foi fundada em 1981 para lutar contra a insânia da guerra nuclear pela ativista progressista e ex-dirigente da Anistia Internacional, Sally Lilienthal, e que também se dedica à paz.
Depois de, durante quatro anos, passar olimpicamente ao largo do genocídio no Iêmen, o New York Times acaba de registrar “as crianças soldados de Darfur”, área conflagrada do Sudão, com Riad pagando até “US$ 10.000” para os meninos que fossem lutar a milhares de quilômetros de sua terra.
Um dos citados pelo NYT – Hager Shomo Ahmed – tinha 14 anos quando foi recrutado. No conflito de Darfur, que se estendeu por anos, 300 mil pessoas foram mortas e mais de 1 milhão tiveram que abandonar suas casas. “Soldados sudaneses dizem que há dezenas de milhares de sobreviventes desesperados do conflito em Darfur, muitos deles crianças”.
A devastação causada pelo conflito e a asfixiante miséria empurram famílias à beira da fome a ceder seus meninos. Os meninos soldados são estimados em pelo menos 20% de cada unidade e até tanto quanto 40%, conforme testemunhas.
A qualquer momento dos quatro anos da guerra no Iêmen “14 mil milicianos sudaneses” atuaram como mercenários. “Centenas, no mínimo, morreram ali”, conforme combatentes que retornaram e parlamentares sudaneses.
Hager relatou que sua unidade perdeu 180 pessoas em seis meses. Ele ficava aterrorizado, mas recebeu autorização para falar com a família de tempos em tempos, se recompôs e se acostumou à matança. Com o soldo de mercenário, sua família comprou uma casa e dez cabeças de gado.
Segundo relatos dos sudaneses, os mandantes sauditas e dos Emirados dão ordens de longe. “Os sauditas nos dizem o que fazer por telefone e dispositivos, eles nunca lutam conosco”, afirmou o mercenário sudanês de 28 anos, Mohamed Suleiman al Fadil. “Eles tratam os sudaneses como sua lenha”, descreveu outro mercenário apenas identificado como “Ahmed, 25”, da tribo Awlad Zeid, que lutou perto de Hodeidah.
Um ex-banqueiro sudanês ouvido pelo NYT afirmou que “estamos exportando soldados para lutar como se fossem uma mercadoria que estivéssemos trocando por moeda estrangeira”. Em última instância, ao utilizar combatentes estrangeiros a rodo, o que Riad tenta é evitar o desgaste e inevitável descontentamento de sua população em caso de mortes de sauditas.
O uso de crianças como combatentes, amplamente disseminado na África, mas não só lá, viola a lei internacional e, por isso, o porta-voz de Riad asseverou que “as alegações de que há crianças entre as fileiras das forças sudanesas são fictícias e sem fundamento”.
Em Hodeidah, de que o povo do Iêmen depende desesperadamente para evitar uma fome na escala de milhões de vítimas, já começou o reposicionamento das forças beligerantes para que o porto passe a ser administrado pelas forças locais, conforme o acordo alcançado na Suécia e consagrado pelo Conselho de Segurança da ONU.
Já chegou ao país o chefe do comitê internacional de monitoramento do cessar-fogo, o general da reserva holandês Patrick Cammaert, e a grande questão é até que medida Riad vai respeitar o acordo.