Associação dos Juízes Federais cobra punição exemplar para a espionagem promovida “por um órgão de governo”. Durante gestão Bolsonaro, agência bisbilhotou ministros de tribunais superiores, jornalistas e servidores públicos
Continua a repercussão negativa da arapongagem praticada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) classificou-a como “atentado à independência entre os Poderes da República” e “violação às prerrogativas da magistratura”, o monitoramento clandestino de agentes públicos feito pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) durante o governo bolsonarista.
O caso veio à tona, na última sexta-feira (20), com a deflagração da Operação Última Milha pela PF (Polícia Federal). Segundo as investigações, a Abin espionou, durante do ex-chefe do Executivo, desafetos do ex-presidente — como ministros de tribunais superiores, juízes, jornalistas e servidores públicos.
Segundo a nota da entidade, “a Ajufe recebe com bastante preocupação os relatos sobre uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar clandestinamente agentes públicos, especialmente no âmbito do Poder Judiciário, durante quase quatro anos. Se confirmadas as informações, trata-se de grave atentado à independência entre os Poderes da República e uma violação às prerrogativas da magistratura. Agrava o fato, ainda, o monitoramento ter sido promovido por um órgão de governo”.
INVESTIGAÇÃO RIGOROSA
A entidade, que congrega os juízes federais, observa, ainda, que as investigações devem ser “conduzidas com o máximo rigor e atenção que um caso de tamanha gravidade exige”. Está escrito ainda na nota que a Ajufe “vai acompanhar a apuração e espera que os responsáveis sejam exemplarmente punidos.”
Durante o governo Bolsonaro, a Abin foi dirigida pelo delegado federal Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL-RJ.
Ele esteve à frente da agência entre 2019 e 2022, período no qual o software First Mile — que tem capacidade de rastrear até 10 mil celulares a cada 12 meses com base na localização de aparelhos que usam as redes 2G, 3G e 4G — foi utilizado na espionagem.
“EXPLICAÇÃO” QUE NÃO ESCLARECE
Pelas redes sociais, Ramagem se manifestou e escreveu que “o referido sistema [First Mile] não fazia interceptação, mas demonstrava fazer localização. Mesmo tendo passado por prova de conceito técnico e parecer favorável da AGU para aquisição (2018), nossa gestão resolveu encaminhar à corregedoria para instaurar correção”.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, saiu em defesa de Ramagem também pelas redes sociais e escreveu que a investigação da PF sobre a espionagem feita pela Abin tem por objetivo prejudicar o deputado.
“Foi só o nome do delegado Ramagem ser cogitado para a prefeitura do Rio de Janeiro que, sem motivo, o governo Lula começa a usar a máquina pública para persegui-lo”, publicou.
OPERAÇÃO ÚLTIMA MILHA
A Operação Última Milha prendeu os servidores Eduardo Arthur Izycki, que exercia a função de oficial de inteligência, e Rodrigo Colli, que trabalhava na área de Contrainteligência Cibernética da Abin.
Ambos foram exonerados. Também foi afastado o número 3 da agência, Paulo Maurício Fortunato Pinto.
O programa First Mile, de origem israelense, foi comprado no governo do ex-presidente Michel Temer, sem licitação, por R$ 6 milhões.
Leia a íntegra da nota da Ajufe:
NOTA PÚBLICA
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) recebe com bastante preocupação os relatos sobre uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar clandestinamente agentes públicos, especialmente no âmbito do Poder Judiciário, durante quase quatro anos.
Se confirmadas as informações, trata-se de grave atentado à independência entre os Poderes da República e uma violação às prerrogativas da magistratura. Agrava ao fato, ainda, o monitoramento ter sido promovido por um órgão de governo.
A Ajufe confia que as investigações serão conduzidas com o máximo rigor e atenção que um caso de tamanha gravidade exige. A entidade vai acompanhar a apuração e espera que os responsáveis sejam exemplarmente punidos.
Brasília, 20 de outubro de 2023.
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)