PGR mandou arquivar inquérito depois de ficar cinco meses sentado sobre o relatório da Polícia Federal. Agentes apontaram rachadinhas e outros esquemas ilegais de financiamento dos atos antidemocráticos
Depois de cinco meses sentado em cima do relatório da Polícia Federal que investiga a atuação de grupos nazi-fascistas que pretendiam fechar o Congresso Nacinal e o Supremo Tribunal Federal e reimplantar o AI-5 no país, a Procuradoria Geral da República (PGR), sem pedir nenhum esclarecimento e não recomendar nenhuma diligência, pediu o arquivamento do caso.
O documento é assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, mas não sairia sem o aval de Augusto Aras, procurador-geral.
A Polícia Federal havia apontado uma série de crimes e pediu à PGR autorização para realizar diversas diligências. Ao longo do relatório, a PF indica várias linhas para o aprofundamento das investigações. Uma delas aponta a necessidade de aprofundar investigações sobre uma possível “rachadinha” em gabinetes de deputados governistas na Câmara dos Deputados, com o redirecionamento das verbas para o financiamento dos atos antidemocráticos. A técnica, todos sabem, já é de amplo domínio e largamente utilizada pela família Bolsonaro.
As organizações fascistas, grupos de fanáticos terraplanistas e milícias armadas, lideradas por Bolsonaro, organizaram manifestações antidemocráticas contra o Congresso e o STF em abril do ano passado. Seu objetivo era fechar as duas casas e implantar uma ditadura. A abertura do inquérito foi pedida pela PGR e autorizada pelo STF. A PF seguiu o rastro do dinheiro usado para financiar os atos antidemocráticos. Parlamentares e blogueiros são investigados no inquérito.
Um dos principais suspeitos de receber financiamento ilegal para organizar os atos fascistas é o bloqueiro bolsonarista Allan dos Santos, que teve forte atuação na campanha eleitoral que levou Bolsonaro o Planalto. O investigadores queriam saber, por exemplo, por que Allan dos Santos recebeu altos valores em dinheiro repassados por servidores do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Queriam também desvendar a articulação para evitar que um sócio de Allan dos Santos fosse chamado para depor à CPI das Fake News.
Ainda de acordo com a PF, esses “objetivos antidemocráticos externados em manuscritos apreendidos na residência de Allan dos Santos têm de ser interpretados em conjunto com o interesse demonstrado (e ratificado nos relatórios em análise) em obter espaço junto à área de comunicação do governo federal”. Os investigadores citam que, em 2020, Allan dos Santos enviou mensagens ao tenente-coronel Mauro Cesar Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, tentando influenciar e provocar o rompimento institucional com os atos antidemocráticos.
A troca de mensagens aparece no depoimento de Mauro Cesar Cid à PF. O blogueiro diz: “As FFAA [Forças Armadas] precisam entrar urgentemente”.
Duas outras linhas de investigação era conferir se houve direcionamento de verbas do governo federal para sites e canais bolsonaristas. A PF queria investigar a existência de um braço estrangeiro de financiamento dos grupos fascistas, contando com um acordo de cooperação internacional com o Canadá. A outra linha era investigar repasses a uma empresa de tecnologia ligada à publicidade do Aliança pelo Brasil (partido que Jair Bolsonaro não conseguiu fundar) e que também prestou serviço para os parlamentares envolvidos nos atos antidemocráticos.
A PF queria fazer investigações adicionais sobre essa empresa. A Inclutech Tecnologia, do empresário Sérgio Lima, foi responsável pela marca do partido Aliança pelo Brasil, que Bolsonaro pretendia criar. A firma recebeu R$ 1,7 milhão de reais pelo projeto, mas também recebeu valores da cota parlamentar de deputados bolsonaristas do PSL. Segundo o relatório, os deputados Aline Sleutjes, Elieser Girão, José Negrão Peixoto e Bia Kicis fizeram repasses para a empresa. A Inclutech já havia sido citada pela PGR em junho do ano passado, por ligação com o financiamento dos atos antidemocráticos.
O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, em seu relatório, feito cinco meses depois de recebido, apontou a falta de aprofundamento nas investigações da Polícia Federal. O cinismo desta argumentação está exatamente em que a Polícia Federal solicitou, sem sucesso, as diligências para aprofundar as investigações e o que aponta agora pela PGR é de que faltou aprofundamento nas investigações.
A PGR disse, por exemplo, que os policiais não seguiram o rastro do dinheiro usado para organizar e financiar os atos e que não haveria mais prazo razoável para fazer isso após um ano de inquérito. Mais cinismo, impossível.
A PF estava utilizando a empresa Atlantic Council, uma organização que tem parceria com o Facebook para analisar grupos responsáveis por disseminar desinformações em eleições democráticas. A corporação obteve dados externos para checar a consistência dessa investigação e identificou dois acessos de Eduardo Bolsonaro a uma das contas apontadas.
A PF diz, no entanto, que o cenário é provisório em razão de pendências em dados de órgãos públicos, incluindo a Presidência da República e o Senado Federal. Toda essa investigação se perderá se o ministro Alexandre de Moraes aceitar a posição do PGR.