Já para a pobre mulher, que furtou água para saciar a sede de seu filho, a decisão é o rigor frio das leis
Há escândalos que falam por si mesmos. Este, da Procuradoria-Geral da República (PGR) arquivar a apuração sobre a fortuna escondida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em paraísos fiscais, passou de todos os limites. E isto ocorreu na mesma semana em que se noticiou que uma mulher do povo passou 100 dias na cadeia por ter furtado água para matar a sede de seu filho.
Guedes escondeu R$ 50 milhões nas Ilhas Virgens Britânicas, numa arapuca chamada ‘Dreadnoughts International Grouppara’, de sua propriedade, segundo ele, para não pagar impostos. Ele se beneficiou com a alta do dólar, enquanto o povo sofria com a alta dos preços. Retirou o artigo do projeto de reforma tributária que instituía cobrança de imposto de quem “aplica” recursos no exterior e ganhou milhões. Mais escandaloso que isso, impossível.
Mas, a PGR, sob o comando de Augusto Aras, arquivou as investigações sobre a falcatrua de Guedes e Campos.
No documento, a PGR informa que é natural se perguntar as razões que levam uma pessoa a constituir entidades fora do seu país de domicílio e, portanto, não sujeitas ao regime legal e fiscal vigente no Brasil. Porém, “a insistência nesse indiscreto propósito pode, não obstante, resvalar para uma intervenção informacional carecedora de específico fundamento autorizativo legal e implicar, ao final, um devassamento violador do princípio do processo equitativo, bem como de uma série de garantias processuais” (?).
Em outubro, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou pedidos de investigação contra Guedes e Campos Neto no caso das empresas mantidas em paraísos fiscais. Toffoli extinguiu notícias-crime que solicitavam ao STF que pedisse à PGR a apuração do caso. Como justificativa, o ministro afirmou que cabe exclusivamente ao procurador-geral da República o pedido de abertura de inquérito contra autoridades com foro por prerrogativa de função. Ou seja, Toffoli jogou para Aras que, por sua vez, jogou para dentro da gaveta.
O ministro da Economia do Brasil simplesmente recomendou às pessoas que escondam dinheiro no exterior para não pagar imposto. Disse isso sem a menor cerimônia na Câmara dos Deputados há alguns dias. Justificou porque faz isso. O sonegador, responsável pela economia do país, não aplica o seu dinheiro dentro do país porque é ele quem administra – ou deveria administrar – a economia do país.
Ele esconde em dólar numa offshore, enquanto toma decisões que fazem o dólar disparar. Melhor negócio, impossível. Calcula-se que ele ganhou R$ 14 mil por dia desde que assumiu o governo só com a variação cambial.
Mas, para a pobre mulher que queria matar a sede de seu filho, os tribunais aplicam o rigor da lei, ou seja, 100 dias na cadeia por ela ter furtado uma garrafa de água. Para os dois ladrões de alto coturno, e “altos milhões”, o que ocorre é o arquivamento puro e simples do caso.
Sob que alegação Augusto Aras tomou essa decisão absurda? “Não há razão para levar adiante uma investigação porque não ficou demonstrada nem a infração penal nem qualquer indicativo de sua existência”, disse o parecer da PGR, assinado por Aldo Campos Costa, um preposto de Aras.
Ironicamente, Guedes afirmou, quando questionado pelos deputados, na audiência das Câmara, que não tinha mais nada a ver com a offshore das Ilhas Britânicas, mas, pressionado, acabou admitindo que sua mulher e filha administravam a fortuna escondida. Devia sair algemado do Congresso. A informação de que Guedes esteve à frente da administração da offshore de 2014 até dezembro de 2018 foi confirmada pela gestora de ativos Trident Trust. Depois, mulher e filha assumiram o controle.
Guedes ganhou muito dinheiro com as altas do dólar e escondeu o seu roubo dos brasileiros e das autoridades responsáveis pelo controle desse tipo de operação fraudulenta.
O escândalo só foi descoberto pela investigação jornalística que ficou conhecida como “Pandora Papers”. Flagrado, o ministro alegou que esconder dinheiro fora do país não é ilegal. Mas, não é verdade. Pode não estar tipificado na lei, mas o Código de Conduta de Altos Servidores Públicos é explícito ao proibir esse tipo de operação para qualquer servidor público do alto escalão.
Mas, a PGR concordou com o criminoso e achou tudo normal.
Já furtar uma simples garrafa d´água, aí a coisa é muito mais séria, muito mais lesiva ao país e à economia. A decisão não podia ser outra. Cadeia para quem roubou uma garrafa d’água e loas e elogios a Guedes e Campos Neto.
É para isso que Bolsonaro indicou Augusto Aras à PGR. Para abafar os escândalos, os assaltos, as rachadinhas, as vendas superfaturadas de vacinas, os dólares escondidos, etc, e sair repetindo que não há corrupção em seu governo.
O ex-juiz Sérgio Moro tem razão quando diz que toda a máquina de combate à corrupção está sendo sistematicamente desmontada no governo Bolsonaro. O “mito” perseguiu o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) desde o primeiro dia de governo porque este órgão revelou o assalto perpetrado por seu filho no caso das rachadinhas. Não deu sossego à Receita Federal, aparelhou a PGR e tentou interferir na Polícia Federal.
O governo pode até ir colocando escândalos como estes de Paulo Guedes e Roberto Campos Neto, para debaixo do tapete, mas a população está assistindo a tudo isto. E não está gostando nada do que está vendo. Não é à toa que a última pesquisa de opinião pública (Atlas) desta semana mostrou o mais baixo índice de aprovação do governo Bolsonaro. Apenas 19% aprovam o seu governo e 60% o desaprovam. Eles pensam que o cinismo de quem se elegeu dizendo que ia acabar com a corrupção e faz o contrário, poderia perdurar. Estão redondamente enganados.
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