Ao final do dia 23, chamado “Dia D”, com choques entre ‘manifestantes’ e Guarda Venezuelana na fronteira com Brasil tendo causado um ferido, a nota do chanceler falava em “várias vítimas fatais e dezenas de feridos”.
Depois do fracasso da participação na tentativa de forçar a entrada na Venezuela de uma suposta “ajuda humanitária” sem qualquer coordenação com o governo do país vizinho, no dia 23 e, ao contrário, dizendo desconhecer o governo do país vizinho, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, lançou uma nota falaciosa onde diz que “O governo do Brasil expressa sua condenação mais veemente aos atos de violência perpetrados pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro, no dia 23 de fevereiro, nas fronteiras da Venezuela com o Brasil e com a Colômbia, que causaram várias vítimas fatais e dezenas de feridos”.
Diz ainda que “O uso da força contra o povo venezuelano, que anseia por receber a ajuda humanitária internacional, caracteriza, de forma definitiva, o caráter criminoso do regime Maduro”.
O desesnrolar dos fatos, no entanto, não atestam as afimações de Araújo, longe disso.
No dia 23, pomposamente denominado de “Dia D”, algumas dezenas de provocadores, nitidamente a serviço de criar um clima de insegurança, partiu do território brasileiro para atirar pedras e coquetéis molotov sobre os membros da Guarda da Venezuela que cuidavam do outro lado da fronteira e que garantiam o cumprimento do seu fechamento decretado pelo seu governo.
Um posto de fronteira pertencente às forças venezuelanas foi incendiado. A bandeira da Venezuela que fica ao lado da brasileira na fronteira, foi arrancada do mastro. Os policiais venezuelanos se limitaram a devolver as pedradas recebidas e lançar algumas bombas de gás lacrimogêneo.
Portantol do “crime” mencionado na invectiva do chanceler, resultou um ferido após os confrontos de todo o dia. Quer dizer, o que os acontecimentos na fronteira brasileiro-venezuelana, deixam claro é que o que houve foi um nível de contenção – por parte das forças de segurança do país vizinho – que seria surpreendente em qualquer confronto resultante da repressão policial a qualquer manifestação por aqui, seja na Avenida Paulista, ou em qualquer lugar, do país ou mesmo raro em qualquer ponto do planeta.
Araújo cita também os conflitos na fronteira entre Venezuela e Colômbia (neste caso, caminhões com mantimentos foram incendiados do lado colombiano para que se colocasse a culpa na Guarda da Venezuela). Também houve na Colômbia um grupo de desertores da forças venezuelanas que tentaram com um blindado romper um dos containers que fechavam ponte na fronteira.
Além disso, no interior da Venezuela, na cidade de Santa Elena de Uairen, cujo prefeito é opositor (e que depois fugiu para o Brasil) a destruição causada por “guarimberos” (como são chamados os provocadores pelos venezuelanos) foi mais generalizada. Em vídeo divulgado pelo portal G1, na cidade distante 70 quilômetros da fronteira, uma moradora mostra a destruição com diversos ônibus e veículos incendiados.
Há infomações de que desta conflagração resultaram 4 mortos e 25 feridos. Mas os próprios denunciantes falam em “milicianos de Maduro” que agiram para defender a cidade.
O que se pode concluir é que de fato houve violência no dia 23. Mas ela partiu de elementos instigados pela oposição, enquanto que, ao contrário do que tenta passar Araújo, os militares venezuelanos em todos os episódios que se pode acompanhar daqui do Brasil, agiram de forma contida, evitando assim cair em uma provocação orquestrada pelos autoproclamado “presidente interino” Juan Gaudió e aqueles que o cercam.
Na continuação da nota, o chanceler brasileiro se estriba nas tais denúncias de “violência do regime contra o povo venezuelano”, para incitar outros governos que estão decididos a reconhecer a soberania da Venezuela e que entendem que cabe aos venezuelanos resolver suas questões internas, a deixarem de fazê-lo e a se juntarem ao Brasil na aventura, que parte de Washington, de “libertação da Venezuela”.
Aventura que, diante das ações e declarações do Ministério da Defesa ou das palavras do vice-presidente Hamilton Mourão, na reunião do dia 25, em Bogotá está bastante esvaziada.
Domingo: confrontos seguidos de entendimentos
O desenrolar dos acontecimentos de domingo demonstram de forma ainda mais clara de onde foram direcionados os distúrbios pois, quando houve interesse de agir por parte das Forças Armadas do Brasil, contendo os venezuelanos do lado brasileiro da fronteira, houve recíproca do lado venezuelano. A partir da ação conjunta, a calma se estabeleceu na região de fronteira.
O dia 24 começou com novos confrontos entre “manifestantes” que jogaram pedras contra militares venezuelanos. Estes responderam com bombas de gás lacrimogêneo.
O entrevero só cessou depois que contingentes da Força Nacional e da Polícia Rodoviária Federal (por volta das três da tarde) formaram uma barreira de contenção evitando que as provocações a partir do território brasileiro prosseguissem.
O coronel José Jacaúna informou que a barreira vai permanecer até que cesse a tensão. “A contenção é para evitar confrontos e assim garantir a integridade física de todo mundo que está aqui”, afirmou o coronel.
O Ministério da Defesa esclareceu em nota que “intercedeu para que novos incidentes na linha da fronteira, envolvendo venezuelanos e a Guarda Nacional Bolivariana, não voltem a se repetir”.
“Os veículos antidistúrbios, que estavam na barreira montada no país vizinho, recuaram imediatamente”, afirma ainda a nota.
O Ministério da Defesa esclarece, também, que para que os distúrbios cessassem houve entendimentos entre militares dos dois países: “Militares brasileiros e venezuelanos negociaram, no local, e foi entendida a inconveniência da presença desse tipo de aparato militar”.
Em contraste com a declaração e a ação do Ministério da Defesa, a nota do ministro é uma continuação de suas atitudes anteriores de jogar o Brasil contra o país vizinho. Tais invectivas mentirosas do dia 23 foram precedidas por atitudes que não condizem com a função e muito menos com as tradições do Itamaraty ao lidar com as relações com os países que nos fazem fronteira.
Uma desastrosa pantomima
Vamos, portanto, à ação do ministro durante o dia 23, assim como na véspera do chamado “Dia D” da “ajuda humanitária”.
O primeiro ato da pantomima foi na noite do dia 22, quando o ministro foi até o show patrocinado pelo bilionário inglês, Richard Branson, diretor da gravadora Virgin, em Cúcuta, perto da fronteira venezuelano-colombiana, para abraçar o autoproclamado “presidente interino”, Juan Guaidó, que, de forma coordenada com a Casa Branca, pretendia fazer entrar à força duas centenas de toneladas de mantimentos a partir daquela cidade no dia seguinte.
Uma jogada de marketing a serviço da operação, a qual nem a Cruz Vermelha, nem a ONU aceitaram participar declarando que tal “ajuda” não atendia minimamente aos princípios fundamentais dos processos internacionais de socorro humanitário pois peca por falta de “independência, imparcialidade e neutralidade”.
No dia seguinte, 23, ladeado pelo chefe do Escritório de Negócios dos Estados Unidos no Brasil, William Popp, e a enviada de Guaidó ao Brasil, Maria Belandria, o chanceler – além de falar da emoção de estar com Guaidó no dia anterior – inventa, às 14:45, que “o primeiro caminhão com ajuda humanitária brasileira e americana cruzou a fronteira e entrou no território venezuelano”. E, adiante, que “agora está se vendo como vai ser o descarregamento”.
O que acontecia, de fato, é que à falta dos esperados 20 caminhões que viriam pegar 200 toneladas de mantimentos estocadas em uma base militar em Pacaraima, duas caminhonetes foram lotadas de carga, das quais uma apenas chegou até o limite do lado brasileiro da fronteira, ao raiar do dia de sábado, e a outra se atrasou porque “furou um pneu”.
A caminhonete foi conduzida até a linha de fronteira e lá ficou pois, seguindo ordens do governo venezuelano, as forças de segurança impediram a sua entrada no país vizinho. Portanto, o tal “caminhão”, ao contrário do “informe” do ministro, nunca entrou em território venezuelano e muito menos havia alguém “vendo” como seria seu “descarregamento”. O ministro verberou ainda que “esperava”, de um suprimento, que nem entrara no país vizinho, que chegasse às pessoas de lá: “Esperamos que essa ajuda chegue efetivamente ao povo venezuelano”.
No local, o que acontecia era que a caminhonete que estava ainda no território brasileiro foi cercada por venezuelanos ligados à oposição e que logo começaram a agredir com pedras e paus a guarda venezuelana que estava do lado do país vizinho.
Guaidó insiste em pedir intervenção militar estrangeira
Por outro lado, a declaração de Guaidó, no final do dia, serve apenas para esclarecer – além da sensação do autoproclamado de fracasso do crico que montou – a intenção que está por trás do fomento de tais incidentes de fronteira:
“Vocês não devem lealdade a quem queima comida na frente de famintos”, disse dirigindo-se, aos mesmos militares venezuelanos a quem acusa (em contradição com as fotos que revelam a verdade sobre os incendiários que subiram nos caminhões munidos de galões de gasolina), de terem posto fogo aos mantimentos que estavam no lado colombiano da fronteira.
Além disso, Gauidó – a quem Araújo clama por apoio internacional – voltou a navegar nas águas turvas favoritas tanto de Bolton, assessor de Segurança dos EUA, assim como do próprio Trump. Estes, alguns dias antes, perguntados sobre a “opção militar”, disseram que “todas as possibilidades estavam na mesa”.
Agora, ele repete exatamente as mesmas palavras destiladas a partir de Washington: no discurso de sábado noite, dirigiu-se à “comunidade internacional” para pedir que “mantenha todas as cartas sobre a mesa”. Depois disso, ele fez questão de reiterar o absurdo. Em entrevista por telefone para o jornal Folha de São Paulo, neste domingo (24), sobre se estava fazendo referência a uma intervenção militar, Guaidó respondeu: “Eu quis dizer exatamente isso, que devemos considerar todas as opções”.
Como se vê, o que as declarações e os acontecimentos do dia 23 e seus detonadores deixaram patente foi a intensão do governo norte-americano, e dos que se perfilam a seu serviço: criar tensão e hostilidade entre a Venezuela e seus países vizinhos, no caso do Brasil, com a participação do chanceler.