Aos 76 anos, a maior parte deles dedicados à música e à luta o pelos direitos das mulheres e da população negra nos Estados Unidos, faleceu, na última quinta-feira (16), Aretha Franklin. A cantora, denominada “a rainha do Soul” vinha, desde 2010, lutando contra um câncer no pâncreas e faleceu em Detroit.
Aretha nasceu em 1942 na cidade de Memphis, no Tenessee, mas cresceu em Detroit, no Michigan, onde seu pai, Clarence L. Franklin era pastor de uma igreja batista. Em 1956 Aretha começou sua carreira gravando um álbum para a igreja de seu pai. Clarence foi conhecido por ter realizado comícios pelos direitos civis junto a outros pastores, como Martin Luther King, o maior líder da luta contra o racismo nos Estados Unidos. Ainda jovem, viajou para se integrar a caravanas e cantar em vários comícios dirigidos por King e Al Sharpton. Contava com o sucessor de King, Jesse Jackson, na sua lista de amigos.
Aretha cresceu em uma casa frequentada por destaques como a intérprete Mahalia Jackson, a cantora e pianista Dinah Washington e a cantora litúrgica Clara Ward e muitos mais. Ela já impressionava com sua condição musical ao cantar aos 7 anos de idade.
Em 1967 interpretou pela primeira vez a música “Respect”, que se tornou uma das mais marcantes presenças nas marchas pelos direitos civis. A música original, de autoria de Otis Redding, fala de um homem trabalhador que, ao chegar em casa depois do expediente, só quer de sua esposa um pouco de respeito – na verdade, submissão. Com suas precisas alterações, Aretha e sua irmã Carolyn fizeram com que a música transmitisse a mensagem oposta: é a mulher que exige respeito (nem que seja “apenas um pouquinho”).
Outras músicas, que em sua voz ficaram mundialmente conhecidas são, entre tantas outras, “(You make me feel like a) Natural Woman”, “Think”, “Chain of Fools”e “A little prayer”.
Aretha, desde o início até o fim de sua carreira demonstrou uma capacidade inigualável para trabalhar o ritmo eletrizante das músicas que compunham seu repertório. Mas, seu sucesso não se deu somente por seu talento, e também por sua identidade com a luta que os negros travavam por igualdade e contra a discriminação. Partindo da música, Aretha pode contribuir para expressar a resistência à segregação e o orgulho das mulheres e de toda a comunidade negra nos Estados Unidos. Reconhecida por tal atuação, Franklin foi convidada para cantar no funeral de Martin Luther King, assassinado, em 1968. Assim como no da pioneira da luta pelos direitos civis, Rosa Parks.
Em 1970, Aretha Franklin emprestou o seu destaque como artista para fortalecer a campanha pela libertação da militante negra Angela Davis, filiada ao Partido Comunista Americano e presa quando levantava sua voz junto aos protestos que sucederam ao assassinato de Luther King. Já em liberdade, Davis agradeceu o fundamental apoio de Aretha que se ofereceu para pagar sua fiança (o que só não aconteceu porque a cantora estava em viagem no exterior). “O fato dela ter defendido a causa da minha liberdade teve um profundo impacto na campanha, especialmente porque sua declaração inferiu que as pessoas não deveriam temer estar associadas a um comunista [corrente política extremamente demonizada pela direita norte-americana durante a campanha macartista]. Ela demonstrou que todos devem se preocupar com a justiça, o que, no meu caso, ajudou de forma importante a consolidar a campanha internacional pela minha liberdade”, afirmou Angela Davis.
Em seu artigo Aretha Franklin: gênio musical, caixa da verdade, lutadora da liberdade, a professora de Literatura Comparada e Estudos Afro-Americanos da Universidade de Colúmbia, Farah Jasmine Griffin, destacou aspectos que determinaram seu destaque enquanto artista: “Uma voz que contém o grito espiritual, o blues gemido, o grito do evangelho e a improvisação do jazz. Sensualmente fundamentada e espiritualmente transcendente, a voz de Aretha é a América no seu melhor”.
Por tudo isso, Aretha merece figurar entre os mais destacados intérpretes da afirmação da riqueza cultural e artística que os homens e mulheres afrodescendentes têm sido capazes de produzir em um país ainda profundamente discriminador e desigual como é os Estados Unidos.
O funeral de Aretha será realizado na cidade em que cresceu e viveu, Detroit, no dia 31, mas será restrito à familiares e conhecidos. Antes de ser enterrada junto com os familiares terá seu corpo exibido publicamente nos dias 28 e 29 no Museu Charles H. Wright de História Afro-Americana, na mesma cidade.
PEDRO BIANCO