Com a Argentina submetida a um pacotaço do FMI, que é parte da herança maldita do anterior desgoverno Macri, o ministro da economia, Sergio Massa, anunciou no domingo (27) uma série de medidas emergenciais de alívio a trabalhadores e aposentados, pequenas e médias empresas e ao setor agrícola atingido pela seca, no intuito de fortalecer o consumo, contrabalançar em parte a desvalorização cambial de 20% do peso imposta pelo Fundo – que exigia 100% – e a inflação recorde.
“O objetivo central é que cada um dos setores da economia tenha, de alguma forma, o apoio do Estado”, afirmou o ministro Massa. “A Argentina tem um empréstimo junto ao Fundo Monetário Internacional desde 2018, que forçou uma desvalorização da nossa moeda nos últimos dias, e a pior seca da nossa história, que prejudicou nossas reservas e contas, mas que também atingiu a economia de muitas famílias”.
Sindicatos, entidades populares e os setores mais comprometidos do peronismo vinham clamando por essas medidas, enquanto setores monopolistas e seus porta-vozes, como o jornal Clarín, não escondem sua aposta no agravamento da crise e, de preferência, volta do macrismo ao poder.
O arrocho do FMI – e a impotência do governo Fernández diante disso – já levaram 40% da população à pobreza e ao desespero. A ponto de Javier Milei, um autodenominado “anarcocapitalista”, um clone de Bolsonaro que diz falar com seu cão já morto, que prega a compra e venda de órgãos humanos, o fim da escola e saúde públicas e até a dolarização, ter ficado em primeiro lugar nas primárias do mês passado, um pouco à frente da candidata macrista, Patrícia Bullrich, e do candidato peronista, o próprio Massa.
BÔNUS DE 60.000 PESOS
Os trabalhadores do setor privado e do setor publico receberão um bônus fixo, que será pago em setembro e outubro, no total de 60.000 pesos, para quem ganha até 400.000 pesos, anunciou Massa. Os aposentados, estimados em 7,5 milhões, receberão um acréscimo de 37.000 pesos argentinos em setembro, outubro e novembro, elevando a pensão mínima para 124.000 pesos. Além disso, se comprarem com cartão, serão reembolsados do IVA até 18.000 pesos.
Serão oferecidos 400 bilhões de pesos em empréstimos para trabalhadores a taxas subsidiadas, enquanto os trabalhadores autônomos terão seis meses de redução de impostos. As medidas visam “cuidar das famílias argentinas” e proteger “os mais vulneráveis”, sublinhou Massa, ao anunciar ainda que será reforçado o Cartão Alimentação para as mães.
No setor agrícola, serão financiados fertilizantes para produtores dos setores declarados em “emergência” devido à seca e será apoiado o processo de plantação. O plano inclui a eliminação de taxas de exportação para economias regionais com valor agregado, como vinho, arroz e tabaco.
Serão destinados 770 milhões de dólares de pré-financiamento às exportações com o objetivo “que as empresas que vendem trabalho argentino ao mundo tenham todas as ferramentas para continuar aumentando o volume e acumulando reservas”.
Dias antes do plano emergencial, houve saques em cidades argentinas, que as centrais sindicais argentinas acusaram bandos ligados a Milei de cometer.
APOIO DO BRASIL
Em busca de apoio para manter o intercâmbio econômico Brasil-Argentina operando no atual quadro, o ministro Massa foi à Brasília, onde se reuniu com o presidente Lula, aliás, o grande padrinho do vitorioso convite à Argentina para ingressar no BRICS.
A Lula, o ministro argentino informou do acordo alcançado com o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), que será a contra-garantidora do financiamento das exportações do Brasil para a Argentina por 600 milhões de dólares.
O que permitirá ao país manter ativo o fluxo de exportações e importações entre Argentina e Brasil sem tocar nas reservas do Banco Central ou no yuan. “Presidente, depois de nove meses encontramos a solução para o problema”, disse-lhe Massa.
No encontro, Lula exortou Massa e seus companheiros a vencer “pela integridade do Mercosul” – contra o qual Milei já se posicionou contra, assim como contra o BRICS. “Pare de arrecadar dólares e arrecade votos”, exortou o presidente brasileiro, que quis do argentino a confirmação de que todos estavam “trabalhando”, “todos sabem a importância do que vem pela frente” – a vice Christina Kirchner, o presidente Fernandez, os governadores, as centrais.
Sobre Milei, o líder brasileiro observou que ele “é mais louco que Bolsonaro”, diagnosticando que o triunfo da extrema direita na Argentina significaria “um retrocesso de 40 anos na América Latina”. Massa, que ouvia atentamente, segundo o Página 12, prometeu a Lula que lutaria “até a última gota de sangue”.
Do lado argentino participaram, além de Massa e do embaixador Daniel Scioli, os secretários da Indústria, José Ignacio de Mendiguren; Agricultura, Juan José Bahillo; e Energia, Flavia Royón. Do lado brasileiro, também o ministro da Economia, Fernando Haddad; o assessor especial de Lula, Celso Amorim; o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e um representante do Banco do Brasil.
“RECUPERAR O PODER DE COMPRA”
“É imperativo recuperar e proteger o poder de compra da população, fortalecendo a procura no mercado interno e, portanto, as vendas das MPME”, afirmou a Apyme, entidade de pequenas e médias empresas intimamente dependentes do progresso do mercado interno. A entidade comemorou que “está contemplada a situação diferenciada das empresas no pagamento dos valores fixos previstos tanto para os trabalhadores privados como para os trabalhadores do Estado, financiando 50 por cento para as PME e 100 por cento para as micro, através do desconto das contribuições patronais”.
Também Daniel Rosato, presidente da entidade das pequenas e médias indústrias (IPA), disse que estes são “anúncios importantes num momento difícil, onde as pessoas precisam melhorar seus salários. Isto equivale a uma recomposição, dado que tinha que ser feito agora e o acordo de preços que o governo está fazendo com os combustíveis até novembro é fundamental”.
Já outra entidade empresarial, a Câmara de Comércio e Serviços Argentina (CAC), manifestou a sua “profunda preocupação” com a decretação do bônus, advertindo que “tem plena consciência da deterioração que o poder de compra dos salários sofre mês após mês devido à inflação persistente e elevada, mas boa parte das empresas do país encontra-se numa situação delicada”.
A iniciativa da missão do FMI de se reunir com os candidatos oposicionistas Javier Milei (fascista) e Patrícia Bullrich (macrista) chamou a atenção para a interferência do FMI, assumidamente ou não, no processo eleitoral.
Enquanto no Página 12 o economista Alfredo Zaiat alertava que se o governo Fernandez houvesse se dobrado à exigência do FMI de “desvalorização cambial de 100%”, a economia argentina teria sido “lançada na hiperinflação”, o Clarín alardeava “o rigor do ‘relatório do corpo técnico’ do FMI”, que descreveu como “duro, nítido e sem adoçantes”, citando “especialistas de Washington”, depois identificado como Brad Setser, do notório Concil of Foreign Relations.
“SEM ADOÇANTE”
Acrescenta o Clarín, citando o relatório do FMI, que as autoridades “estão agora implementando um pacote de medidas para colocar o programa de volta nos trilhos”, observando que em setembro “haverá aumentos de eletricidade para todos os níveis, incluindo os segmentos da classe média e de rendimentos mais baixos, que deverá ser seguido de outro ajuste entre novembro e janeiro”. Ainda segundo o porta-voz dos setores financeiros portenhos, o Fundo aguarda “maiores esforços” para cumprir a meta de reduzir os subsídios à energia de 2,3 para 2% do PIB em 2023. Consta ainda a formalização “de uma resolução que atualiza o custo da energia elétrica com aumentos de até 53% para todos os consumidores residenciais, e 22% para grandes e pequenos usuários comerciais, e municipais”. Informa também o Clarín que está mantida a meta do FMI de “reduzir este ano o déficit primário de 2,4 para 1,9% do PIB” embora haja “suavizado algumas projeções”.
Também alardeia a exigência de que o governo deverá cortar a despesa pública “em 11% em termos reais entre agosto e dezembro” para atingir a prometida queda de 0,8% do PIB em 2023. E, acrescenta, fortalecer através de auditorias contínuas “as restrições do programa Potenciar Trabajo, com 1,3 milhão de titulares”. Para o Clarín, não há nada no relatório que amarre até novembro o câmbio fixo em 350 pesos por dólar. Aliás, o jornal exibe com destaque a cotação do dólar paralelo (“azul”, segundo o Clarín): 745 na compra e 755 na venda.
Também acusa Massa de dar 14.000 pesos “a cada eleitor”. Uma correspondente do jornal nos EUA se apraz em reproduzir uma ameaça de um antigo representante dos EUA no FMI, Mark Sobel, de que o desembolso recém feito [US$ 7,5 bi, que não deve passar nem perto de Buenos Aires] seja o “último” e que, após as eleições, deva-se “exigir um programa rigoroso de estabilização e reforma”.
“Se a Argentina resistir, o FMI deveria desligar a tomada, mesmo que isso signifique atrasos nos pagamentos”, arremata o sacripanta. Segundo ele, o coração do FMI é mole demais: “O FMI há muito que atenua a sua exposição, evitando olhar para práticas econômicas horríveis”.