“Não vamos permitir que fundos de investimento e órgãos estrangeiros marquem a pauta da política macroeconômica do nosso país”, afirmou em sessão do Congresso Nacional da Argentina o ministro de Economia, Martín Guzmán, na quarta-feira, 12.
Enquanto isso, milhares de pessoas convocadas por sindicatos, organizações sociais e políticas se manifestavam nas ruas com marchas, atos e refeições populares, no dia da chegada de uma delegação do Fundo Monetário Internacional (FMI), que chega com pretensão de ditar as regras e o modelo econômico que o governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner deveriam implementar.
Os representantes do FMI chegaram a Buenos Aires para começar uma renegociação da impagável dívida adquirida pelo governo anterior, de Mauricio Macri, a mais alta já acontecida em um prazo de quatro anos.
Encabeçada pela União de Trabalhadores e Trabalhadoras da Economia Popular, UTEP, pelas duas Centrais de Trabalhadores da Argentina, a Autônoma, e a dos Trabalhadores, e por vários sindicatos da Confederação Geral do Trabalho, CGT, a mobilização partiu desde o ponto zero de Buenos Aires, o Obelisco, até o Congresso. Houve outros atos menores em vários pontos da capital, todos unificados sob a consigna «Fora o FMI. A dívida é com o povo».
A população argentina não esquece a intervenção do FMI que na época do presidente Carlos Menem e depois de Fernando de La Rúa provocou a crise histórica que desembocou no estouro social em 2001, com a consequente queda do governo.
“Estamos aqui porque nos convoca a rejeição aos objetivos dessa delegação do Fundo, porque não acreditamos, nem aceitamos, que a dívida possa de pagar com arrocho e com fome. É importante que o governo consiga impulsionar uma negociação que priorize os interesses nacionais, que não prejudique os setores populares porque cada acordo anterior com o Fundo foi em detrimento do tecido social”, disse ao jornal Página 12 Gildo Onorato, diretor da UTEP e presidente da Federação de Cooperativas de Trabalho Evita.
“Também queremos dizer ao Fundo que vamos investigar a dívida que Macri contraiu. Dos 44 bilhões de dólares que o FMI emprestou, 37 bilhões saíram do país”, declarou o deputado da coalizão governamental Frente de Todos, Juan Carlos Alderete.
A visita da delegação do FMI coincidiu com a presença de Guzmán na Câmara dos Deputados para analisar a nova lei de Restauração da Sustentabilidade da Dívida Pública Externa, votada recentemente.
Guzmán avaliou o processo de reestruturação da dívida pública, que qualificou de insustentável. Deixou claro que “o FMI realizou o maior empréstimo de sua história, um empréstimo que não se utilizou em absoluto para incrementar a capacidade produtiva do país, mas para pagar dívidas de maneira insustentável e para financiar a fuga de capitais. O FMI também é responsável pela crise da dívida e a crise econômica que a Argentina está vivendo”, concluiu.
O presidente Alberto Fernández, que assumiu o governo em 10 de dezembro, observou que a dívida é impagável, enquanto o país recupera o crescimento econômico. Por isso, propôs um adiamento dos pagamentos.
A Argentina se encontra em recessão desde meados de 2018, com uma inflação anual de mais de 50%, forte desvalorização monetária e aumento da pobreza e do desemprego.
E a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, compartilhando essa visão, disse que o governo do país não pagará “sequer meio centavo” de sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) enquanto o país não sair da recessão.
“A primeira coisa que temos que fazer para poder pagar é sair da recessão”, disse Cristina em uma apresentação de seu livro “Sinceramente” na feira internacional do livro em Havana, Cuba.
“Enquanto houver uma recessão, ninguém vai pagar sequer meio centavo e a forma de sair da recessão é por meio de muito investimento estatal”, defendeu.
Para superar essa situação, a Argentina quer reestruturar 100 bilhões de dólares em dívida soberana com credores, incluindo parte de um crédito de 44 bilhões de dólares que o FMI deu ao país em 2018.
Guzmán lembrou que o programa aplicado pelo ex-presidente Macri e a ex-titular do FMI, Christine Lagarde, não cumpriu nem de perto o objetivo de trazer estabilidade econômica, porém “sim se cumpriram as premissas do programa deles: ajuste fiscal e contração monetária em um contexto de recessão”.
O ministro da Economia afirmou que, diferente disso, este governo fixou-se um horizonte, “com uma estrutura produtiva para satisfazer a inclusão social; o dinamismo, para fazer crescer a torta, e a consistência macroeconômica, condição necessária para o progresso”.
Frisou que “o programa fiscal e financeiro decidimos nós, e não há pior opção que a austeridade fiscal diante de uma recessão”.
“Há que definir de que lado se está; nós estamos do lado do povo”, assinalou muito aplaudido pelos assistentes, entre os quais havia muitos sindicalistas como Héctor Daer e Hugo Moyano, além de representantes do sector empresário como o vice-presidente da União Industrial Argentina, Juan Manuel Urtubey, e o titular da Coordenadoria das Indústrias de Produtos Alimentícios (Copal), Daniel Funes de Rioja.
SUSANA LISCHINSKY