Multidão tomou conta da Praça de Maio, obrigando o governo a retirar da pauta o projeto “escrito e redigido maliciosamente em favor das grandes corporações”
Exigindo “respeito à Pátria e aos trabalhadores”, milhares de manifestantes convocados pelas centrais sindicais, movimentos sociais e organizações de direitos humanos ocuparam nesta quinta-feira (18) a Praça de Maio, em Buenos Aires, fazendo com que os parlamentares infligissem uma “retumbante derrota à reforma entreguista de Milei”.
Foi uma expressiva demonstração de força e unidade, apesar das restrições e da gigantesca operação policial de contenção, que tentou impedir a chegada de delegações e colunas da região metropolitana de Buenos Aires e cidades vizinhas, manobra destinada a dificultar o exercício do direito constitucional ao protesto.
A resposta veio horas depois da Câmara dos Deputados ter dado aprovação preliminar ao orçamento de 2026, marcado pela fome e pelo arrocho – que inclui o desfinanciamento e o desmantelamento de áreas-chave como educação, saúde, habitação, infraestrutura, ciência e tecnologia.
“Cuidado com o que fazem, porque o povo e a pátria se defenderão. Se não nos ouvirem, teremos uma greve nacional”, alertou o líder caminhoneiro Octavio Argüello, um dos dirigentes do triunvirato da Confederação Geral do Trabalho (CGT), fortemente aplaudido pela multidão presente sob um sol de 34 graus. “Estamos aqui para dizer um sonoro não a qualquer reforma trabalhista que sacrifique os direitos dos trabalhadores”, enfatizou Argüello, assinalando que a sociedade se mobilizaria em todas as esferas para fazer valer a justiça social, seja nos tribunais, no Congresso ou nas ruas.
“TENTARÃO AMEDRONTAR O MOVIMENTO SINDICAL”
“O projeto de lei foi escrito maliciosamente em favor de grandes corporações e empresas”, apontou Cristian Jerónimo, do Sindicato dos Empregados do Vidro (Seivara), que teve sua sede depredada na segunda-feira (15). “Mais do que um simples delito policial”, esclareceu, foi uma “tentativa de amedrontar a todo o movimento sindical às vésperas da mobilização”.
“Discordamos completamente desta reforma retrógrada que querem implementar para retirar os direitos dos trabalhadores”, frisou Jerónimo, membro do triunvirato, enfatizando que nada impediria a mobilização e a rejeição do criminoso ataque às conquistas trabalhistas, “nem o calor, nem a polícia”.
Jerónimo destacou que com Milei há 20 mil pequenas e médias empresas a menos no país, que tiveram que fechar as portas, o que resultou em centenas de milhares de desempregados a mais. “Eles não têm coração quando atacam os deficientes, os aposentados, quando cortam o financiamento de nossas universidades públicas e da saúde pública. Onde está a enxurrada de dólares que nos prometeram? As pessoas estão sofrendo, estamos dizendo isso ao presidente. Este modelo econômico já fracassou”, asseverou.
Conforme Jerónimo, os entreguistas “querem criar um fundo de indenização para que demitir pessoas seja de graça”, alertando que esse tal fundo seria financiado “com o dinheiro das contribuições dos aposentados”.
O último membro do triunvirato a tomar o microfone foi Jorge Sola, do Sindicato dos Seguradores da República Argentina, que reiterou: “se o governo continuar sem nos escutar, encontrará a resposta em uma grande greve nacional”. Sola recordou que esse tipo de “reforma trabalhista” não é novidade. Remonta a meio século, quando a última ditadura tentou implementá-lo, e novamente na era neoliberal de Menem, na década de 1990, citando também as tentativas fracassadas do governo Macri e agora de Milei.
“ATAQUE POR GRANDES GRUPOS EMPRESARIAIS, PELO GOVERNO DOS EUA E POR MILEI”
Na avaliação de Hugo Yasky, secretário-Geral da Central dos Trabalhadores da Argentina (CTA-T), “o movimento sindical, juntamente com os movimentos sociais, está indo às ruas para deixar claro que esta reforma é um ataque patrocinado por grandes grupos empresariais, pelo governo dos Estados Unidos e pelo presidente Milei”. “Eles querem destruir o movimento sindical argentino, o movimento nacional e popular; querem amarrar as mãos dos trabalhadores, eliminar o direito à greve, cortar o financiamento dos sindicatos e falir seus programas de assistência social. Continuaremos nas ruas: esta é a primeira ação, outras virão, e faremos tudo o que for necessário para impedir que esta violação de direitos seja levada adiante”, arrematou.
Para o secretário-geral da Central dos Trabalhadores da Argentina – Autônoma (CTA-A), “o dia nacional de luta transbordou as ruas e praças de todo o país, e a Praça de Maio”. “O estado de mobilização e o uso da força são constantes; somos milhões trabalhando para construir um país diferente, que não seja esta colônia que Milei quer impor. A rejeição desta lei de reforma trabalhista pela maioria do povo argentino é evidente. Esta mobilização não cessará até que impeçamos a aprovação desta lei no Congresso”, sublinhou.
O fato, lembrou o jornal Página12, é que “até às vésperas, o governo se sentia invencível”, mas o enorme revés sofrido durante o debate sobre o Orçamento de 2026 na Câmara dos Deputados, com parlamentares aliados se somando às fileiras que rejeitaram o artigo que revogava o auxílio emergencial para pessoas com deficiência e o financiamento universitário, fez soar o sinal de alerta.
“Isso se tornou um alerta contundente que a Casa Rosada demorou a compreender. Patricia Bullrich, a senadora pró-governo que circulava a galope pelos corredores do Senado, zombou da mobilização da CGT sem perceber que a multidão na Praça de Maio, assim como em outras praças, crescia devido à recusa de alguns governadores em apoiar as crueldades legislativas de Milei”, assinalou o Página12.
Espremido, o governo foi obrigado a adiar o debate no Senado sobre a reforma trabalhista para 10 de fevereiro, com os argentinos comemorando a vitória arrancada.











