Uma multidão de 800 mil pessoas – pela definição incontestada dos organizadores – se mobilizou até a Basílica de Nossa Senhora de Luján, padroeira da Argentina, para uma cerimônia com a consigna de “Paz, Pão e Trabalho”. A concentração não foi apenas de caráter religioso. A convocatória conjunta da Frente Sindical para o Modelo Nacional e de mais de setenta organizações sindicais, políticas e sociais marcou o rechaço à recessão imposta pelo governo de Mauricio Macri, e a exigência de mudanças na política econômica.
O único “orador” foi o arcebispo de Luján, Agustín Radrizzani, que pronunciou a homilia na missa ecumênica. O documento unitário lido desde o cenário do evento frisou: “Enquanto se deterioram os hospitais e se ataca a saúde e a escola pública, confiamos em um Deus que cura e ensina para uma vida digna”.
“Nosso povo deve ser artífice de seu próprio destino e não quer tutela, nem ingerências onde o mais forte subordina o mais débil. Quer que sua cultura, seus processos sociais e tradições religiosas sejam sempre respeitados”, afirmou monsenhor Radrizzani, em alusão ao acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que Macri se empenha em fazer.
“Diante da falta de trabalho, das demissões massivas e a flexibilização trabalhista, de um sistema econômico egoísta, que prioriza a especulação financeira em detrimento do trabalho, rezamos para que os que governam mudem este modelo econômico que põe em risco a vida e a paz social”, concluiu a oração, que foi interrompida em várias ocasiões pelos aplausos da multidão, no sábado, 20.
“É um formigueiro de gente, dizem que somos cerca de 800 mil pessoas, chegamos quase ao milhão”, comemorou o religioso.
O enorme e representativo ato, que uniu a Igreja argentina com um amplo conglomerado opositor, fortaleceu a versão de que o Papa Francisco, que não tem se omitido em relação aos problemas sociais de seu país, teria incentivado o protesto. O sindicalista Pablo Moyano avalizou essa hipótese: “Temos uma boa relação com o Papa Francisco. Sem dúvidas, não poderia ter sido feita essa mobilização na Basílica de Luján sem a vênia dele”. “O Papa está preocupado por essa desgraça que temos como modelo econômico que soma cada vez mais pobres e desempregados, além da inflação descontrolada”, assegurou o dirigente caminhoneiro.
O secretário geral da Associação Bancária, Sergio Palazzo, declarou ao jornal PáginaI12 que “com esta oração ecumênica que nucleia todos os credos e pensamentos, viemos exigir que o governo olhe para a sociedade e não somente para o que os mercados e o FMI lhe reclamam”.
“Diante da tentativa dos meios hegemônicos e do governo de instalar a violência e a divisão no movimento sindical, esta é uma prova de que nós reivindicamos em paz e com muitíssima firmeza em cada ato que vejamos que o governo prejudica a classe trabalhadora”, disse o bancário.
Palazzo foi um dos tantos que estiveram no setor reservado para os dirigentes sindicais, sociais e políticos. Assistiram, entre outros, Hugo Yasky (Central de Trabalhadores da Argentina, CTA), Víctor Santa María (Suterh, trabalhadores de edifícios), Hugo e Pablo Moyano (Federação dos Caminhoneiros), Plaini (Jornaleiros), Esteban Castro (Confederação de Trabalhadores da Economia Popular, CTEP), Ricardo Pignanelli (Sindicato de Mecânicos e Afins do Transporte Automotor, Smata), Néstor Segovia (Metrô), o ex-embaixador no Vaticano Eduardo Valdés, o Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel e os deputados e ex-governadores de Buenos Aires, Felipe Solá e Daniel Scioli. Também houve prefeitos de importantes cidades como Verónica Magario (La Matanza), Gustavo Menéndez (Merlo), Alberto Descalzo (Ituzaingó), Ariel Sujarchuk (Escobar), Walter Festa (Moreno), Gabriel Katopodis (San Martín) e Santiago Maggiotti (Navarro).
Hugo Moyano assinalou que “a convocatória realizada desde as igrejas de todas as religiões para este encontro é um sinal de unidade para exigir ao governo que ponha um freio às políticas que geram cada vez mais necessidades, fundamentalmente às pessoas mais humildes”.
Um amplo leque de organizações políticas, sociais e sindicais convocou uma manifestação no Congresso Nacional na quarta-feira, 24, no momento em que se discutirá, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei do Orçamento 2019.
A Confederação de Trabalhadores da Educação da República Argentina (Ctera), maior entidade sindical do país, convocou uma greve nacional docente com mobilização para esse dia. Os professores denunciam que o Orçamento 2019 prevê “um ajuste feroz nos recursos destinados a Educação”. Ctera organizará mobilizações em cada uma das 23 províncias do país, além da cidade autônoma de Buenos Aires.
“Exigimos do Poder Executivo e do Congresso da Nação um Orçamento orientado para a reativação da economia nacional, a garantia de trabalho e vida digna para todos os argentinos, responsabilidade tributária daqueles que mais têm, o fortalecimento do Banco de la Nación e da Banca Pública em função dos citados objetivos”, assinalou a Associação Bancária que convocou paralisação das agências a partir das 11 horas do dia 24 para marchar ao Congresso.
SUSANA LISCHINSKY