Diante de uma inflação que não para de crescer e se descontrolar, o presidente argentino, Maurício Macri, em um encenado afastamento de sua doutrina neoliberal, onde o mercado é o mais capaz regulador da economia, anunciou, na quarta-feira,17, um pacote de medidas que prevê o congelamento dos preços de 64 produtos de uma restrita cesta básica.
INÓCUA DEMAGOCIA
Amplos setores da sociedade argentina denunciaram a medida como demagógica e inócua. Entre as reações contrárias, manifestou-se o presidente da Associação de Defesa dosDireitos de Usuários e Consumidores (Adduc), Osvaldo Bassano: “O governo toma medidas sem consultar ninguém, depois pede que ajudemos a controlar os preços. É a mais barata demagogia. Não temos capacidade nem nós nem nenhuma entidade para exercer esse acompanhamento. E ainda ficamos sabendo pela televisão. É uma falta de respeito”.
Em relação ao conteúdo da cesta, insistiu em que “não há verduras, nem produtos saudáveis. Só há farinha e arroz. Ah! E vinho e cerveja. Ou seja, macarrões, bolachinhas, vinho e cerveja. Para quem aponta essa cesta?”.
A medida, que inclui produtos do setor privado e a manutenção das tarifas de eletricidade, transporte e telefone celular, foi anunciada após negociada com representantes do empresariado que também tem se revelado assustado com o desastre econômico macrista.
Macri prometeu ainda novas linhas de crédito a empresários para, segundo ele, reativar o consumo. Depois das declarações do presidente através de um vídeo, o ministro de Fazenda, Nicolás Dujovne, disse que o acordo de manter os preços deve valer durante os próximos seis meses.
MEDIDA ELEITOREIRA
A oposição aponta que, nem as medidas, nem a data de validade, são por acaso. As eleições presidenciais estão marcadas para 27 de outubro e Macri é candidato à reeleição.
O governo adotou esse pacote de iniciativas um dia depois de divulgada a inflação de março que, com 4,7 % de aumento em relação ao mês anterior, elevou a taxa interanual a 54,7 %, fechando o primeiro trimestre a 11,8%.
Durante o ano de 2018, a pobreza aumentou de 25,7% a 32% mostrando a situação desesperadora da população. E para completar, os juros argentinos são agora os mais altos do mundo.
AUMENTOS PREVENTIVOS
O jornal Página 12 publicou denúncia de que, na segunda-feira passada, logo antes de todos os anúncios de Mauricio Macri, as empresas lácteas Danone e Sancor, entre outras, entregaram aos grandes supermercados listas com aumentos de até 45% para produtos que agora constam da cesta básica. Nada foi feito para frear o abuso, descaracterizando a honestidade das medidas.
“Ignora-se o que acontecerá se as empresas não cumprirem seus compromissos, se escasseiam produtos nos supermercados. Quantos serão os agentes controladores estatais, quais as sanções para os que provoquem desabastecimento. Um princípio central do direito estabelece que só há realmente uma obrigação se existe uma pena para sua violação. Isso, por enquanto, nem sombra”, sublinhou Mario Wainfeld, articulista do Página 12.
A proposta está formada por rubricas de azeite, leite e iogurtes, erva mate, farinha e subprodutos, macarrões, arroz, polenta, conservas, bolachas, além de marmeladas, bebidas, açúcar, infusões. Carne só tem o preço invariável para a comprada no Mercado Central de Buenos Aires.
O subsecretário do Comércio da Província de Entre Rios, Néstor Loggio, ironizou o programa macrista. “Macri pôs em marcha a campanha eleitoral. É preciso que se diga com muita contundência: em um programa neoliberal, com um crescimento das tarifas elétricas em 1.500%, de crescimento das tarifas de gás em mais de 2.000%, com um dólar que se multiplicou várias vezes nestes três anos e meio de gestão, com salários decaídos e desocupação galopante e, neste esquema, pensar que o mesmo governo fala em congelar tarifas e preços é ridículo, são políticas peronistas embutidas em um programa neoliberal”.
Tal ‘congelamento’ , agora, nada mais é que uma convalidação das tarifas antes catapultadas.