A Previdência Social pública, conquistada na Constituinte de 1988, está sob intensa ameaça. Armínio Fraga, um escroque que assumiu a presidência do Banco Central de 1999 a 2003, se ofereceu para Bolsonaro apostando na “oportunidade” de emplacar um assalto mais radical nas aposentadorias. Paulo Guedes, fraudador de fundos de pensão, que planejava votar de afogadilho a proposta de Temer, acabou convencido a não se afobar na empreitada.
O bate cabeça desta semana entre Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil) sobre a Reforma da Previdência, mais do que apenas um desentendimento entre nulidades do governo Bolsonaro, expressou, na realidade, a dúvida do governo sobre qual é o melhor caminho para dar o bote e transferir os recursos da Previdência Social para o chamado “mercado”, com os bancos à frente.
Tanto Temer, com a reanimação de sua PEC 287, quanto Armínio Fraga, com sua proposta de tirar os direitos previdenciários da Constituição, querem mostrar serviço e facilitar os trâmites para que Bolsonaro e Guedes concretizem o assalto dos recursos dos aposentados para transferi-los aos bancos. Fraga disse que ficou “animado com a receptividade de sua proposta junto ao governo”.
Os assaltantes repetem a ladainha da suposta falta de recursos na Previdência Social, mas o que eles querem na realidade é se apoderar dos cerca de R$ 700 bilhões arrecadados pela Seguridade. A fonte de custeio da Seguridade, determinada pela Constituição, engloba além das contribuições de trabalhadores e patronais sobre folha, as incidentes sobre as receitas das empresas (PIS e a COFINS), sobre o lucro (CSLL), sobre importação (PIS/COFINS-importação) e sobre a receita dos concursos de prognósticos.
As duas propostas de ataque à Previdência elevam a idade mínima para a aposentadoria. Armínio Fraga para 65 anos, indiscriminadamente, e Michel Temer para 65 para homens e 62 para mulheres. Os dois projetos igualmente acabam com a aposentadoria exclusivamente por tempo de contribuição.
Uma diferença entre elas é que Fraga advoga a capitalização do sistema, que é o principal meio para que o sistema financeiro privado possa abocanhar de vez os recursos das aposentadorias dos trabalhadores. Já Temer não teve tempo de pensar nessa alternativa, porque essa ideia de jerico da capitalização, velha ladainha do Banco Mundial, só surgiu publicamente durante a campanha eleitoral deste ano.
O sistema de capitalização, que prevê que cada trabalhador deposite sua contribuição individual numa conta privada para financiar sua futura aposentadoria, retira a participação dos patrões e do Tesouro – ou seja, da sociedade, através das contribuições sociais – do sistema de Previdência. A lógica passa a ser cada um por si. Com isso os recursos que são destinados à Seguridade Social pela Constituição, poderão ser mais facilmente drenados pelo governo para o pagamento de juros. Essa proposta de Fraga soa como música para os banqueiros e demais rentistas.
O objetivo estratégico das duas propostas [de Temer e Armínio Fraga] é exatamente o mesmo. Reduzir aposentadorias, dificultar que o trabalhador se aposente e se apossar dos recursos arrecadados. A trupe de Bolsonaro está indecisa apenas sobre qual das duas propostas vai abraçar.
Mas, Fraga ganha no quesito “quem é mais serviçal” porque, além de tudo, propõe tirar o tema da Previdência Social da Constituição Federal. Pela proposta os assuntos da Previdência seriam tratados por lei complementar. Isto é, por uma legislação infraconstitucional. E ele não esconde que “rasgar” a Constituição de 88 é o melhor caminho para o governo ter mais “flexibilidade a eventuais futuras mudanças, que podem se tornar necessárias de acordo com o envelhecimento da população”. Ou seja, Fraga quer tirar a Previdência da Constituição para que Bolsonaro possa esfolar o povo precisando de menos votos no Congresso.
O porta-voz da agiotagem não esconde que sua proposta visa facilitar o acesso dos bancos privados aos recursos da Previdência. Ele diz textualmente que seu projeto objetiva “recuperar” R$ 1,3 trilhão em dez anos”. “Recuperar” de onde? Logicamente das aposentadorias e dos benefícios. E para onde iriam esses recursos que pertencem aos trabalhadores?
No plano de Fraga, os destinos desses recursos serão dois. O primeiro diretamente para os banqueiros, que passarão a “gerir” as contas individuais da capitalização, e o segundo, o superávit primário – leia-se dinheiro reservado para pagar juros aos bancos. O cidadão norte-americano, que ocupou a chefia do BC no Brasil, chega ao ponto de argumentar que sua proposta é melhor do que a de Michel Temer porque ela “recupera” quase o triplo da proposta do atual governo. A garfada nos recursos dos aposentados é quase três vezes maior.
Desde que Dilma Rousseff, em 2014, abriu a temporada de caça aos direitos sociais como Pensão por Morte, Seguro Defeso e outros, o que se vê são ataques de todos os tipos às conquistas da sociedade brasileira. Fraga chega a propor, por exemplo, a redução do Benefício de Prestação Continuada – BPC da Lei Orgânica da Assistência Social. O BPC é a garantia de um salário mínimo mensal ao idoso acima de 65 anos com renda menor que 1/4 do salário-mínimo vigente, ou à pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo.
Ele propõe reduzir o valor dessa contribuição assistencial para 70% do salário mínimo, com a promessa de dar o benefício para todos que tenham mais de 65 anos. Para chegar a 100% a pessoa teria que trabalhar e contribuir por 40 anos. Ou seja, ele, na verdade criou um mecanismo para reduzir o benefício. É muita criatividade para roubar do povo.
Fraga promete também acabar com a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que retira 30% das receitas da Seguridade para o Tesouro. Aparentemente uma boa proposta. Só que não. No seu projeto de capitalização, o Tesouro não participa mais com nenhum recurso, portanto, não precisaria da Desvinculação de Receita da União. Hoje o governo desvia 30% das receitas da Seguridade, através da DRU. Com a capitalização, esse desvio passa a ser de 100%.
Diante de todas essas ameaças, as entidades já estão se mobilizando para barrar mais uma vez os ataques à Previdência Social. Sejam os que estão previstos para agora com a PEC de Temer ou os que estão sendo programados para depois da posse de Bolsonaro. Segundo Floriano Sá Neto, a ANFIP está monitorando os trabalhos parlamentares. “A reforma proposta pelo governo resulta no verdadeiro desmonte do sistema previdenciário brasileiro. Precisamos estar mobilizados para impedir qualquer investida do governo neste sentido, com um falso discurso de organização do país para o governo seguinte.
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