A classe artística brasileira condenou a tentativa de votação de Projetos de Lei no Congresso Nacional que propõem a suspensão de cobrança de direitos autorais por órgãos públicos e entidades filantrópicas (PL 3968/1997) e em quartos da rede hoteleira e cabines individuais de navios ou trens (PL 3992/2020).
Em vídeo divulgado na redes sociais, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Djavan, Caetano Veloso, Samuel Rosa, Lenine, Nando Reis, Diogo Nogueira, Paula Fernandes, Frejat e Rogério Flausino, aparecem cobrando diálogo e respeito à classe artística brasileira.
“Mais uma vez, os direitos de compositores, intérpretes e músicos estão sendo ameaçados. O direito autoral é a justa remuneração de milhares de profissionais da música. Inclusive daqueles que você não vê nos palcos, têm muitos que recebem direitos autorais. Projetos de lei contrários ao pagamento de direitos autorais são prejudiciais à música e a cultura”, dizem os artistas no vídeo produzido pelo Escritório Central de Direitos Autorais (Ecad).
O requerimento de urgência para a votação do PL 3.989/1997, que isenta órgãos públicos e entidades filantrópicas do pagamento de direitos autorais pelo uso de obras musicais em eventos, foi aprovado na quinta-feira (13).
Na prática, a aprovação de urgência acelera a tramitação do projeto, pois trava outras pautas na Câmara. Ainda não há, contudo, uma data definida para a votação do texto.
A decisão dos deputados em acelerar o processo vai contra a reinvindicação da classe artística que quer diálogo sobre a questão.
“Projetos de Lei nunca deveriam ser discutidos às pressas, em meio a uma pandemia. Todas as partes precisam ser ouvidas. O Projeto de Lei 3968 é de 1997. Por que agora seria urgente? Isso não faz sentido”, continuam.
“Na maior parte do mundo, os quartos de hotéis pagam direito autoral pela sonorização ambiental. Não tem por que ser diferente no Brasil”, explicaram os artistas.
“A gestão coletiva brasileira está lutando para garantir os direitos legítimos dos profissionais da música. O direito autoral não se paga com o dinheiro público. Não se trata de dinheiro público. É um direito privado, o direito do compositor. Diga não ao PL 3868”, exige a classe artística Brasileira.
A cantora Anitta também criticou a iniciativa de deputados por desenterrarem o projeto de lei contra o direito autoral de 1997.
“Conseguimos com nossa força tirar o assunto de pauta no início da pandemia. Pensaram que tivéssemos dormido e começaram novamente. Estamos atentos e vamos cobrar. Vocês dependem do nosso voto nas próximas eleições. Estamos de olho”, publicou a cantora.
“Não é só sobre mim… dezenas de famílias vivem dessa forma de sustento. Nossos políticos não podem continuar fazendo manobras de próprio interesse que desvalorizam os artistas (famosos ou não) do nosso País”, afirmou Anitta.
A cantora apontou na rede social, pela função stories, que “parece que pensaram, ‘vamos deixar o povo esquecer, dar uma respirada e esperar o melhor momento”, escreveu Anitta. Ela afirmou que irá procurar diálogo com deputados que defendem a proposta.
Esses não foram os primeiros movimentos contra os recentes ataques ao direito autoral no Brasil. Em carta aberta enviada aos 513 deputados federais, um grupo de mais de 30 entidades setores musical, audiovisual, editorial, bem como entidades de representação de classe, como a Comissão Federal de Direitos Autorais da Ordem dos Advogados do Brasil, manifestaram discordância sobre a tramitação dos PLs em caráter de urgência.
A categoria reforça que alterações na Lei de Direitos Autorais só deveriam ocorrer “após amplo debate” e “consulta em tempo hábil” às entidades que dependem da regulação de direitos autorais. Destacando ainda que os termos propostos nos PLs são “altamente danosos a milhares de artistas, especialmente durante a pandemia de Covid-19”.
Leia a íntegra da carta:
Aos Excelentíssimos Senhores
Deputados Federais
Excelentíssimos Senhores,
As entidades abaixo assinadas, representantes dos setores Musical, Audiovisual, Editorial, bem como entidades de representação de classe como a Comissão Federal de Direitos Autorais da Ordem dos Advogados do Brasil, vêm manifestar PREOCUPAÇÃO e DISCORDÂNCIA quanto à possibilidade de se deliberar de forma açodada mudanças à Legislação de Direito Autoral.
As entidades referidas se posicionam contrariamente a possível inclusão em pauta para votação do regime de urgência ao PL 3968/1997 de autoria da Dep. Serafim Verzon (PDT/SC), ao PL 3992/2020, de autoria do Dep. Geninho Zuliani (DEM/SP), ou qualquer outro tratando deste tema, opinando desde já contrariamente à sua aprovação na eventualidade dessa Casa decidir submeter o texto ao escrutínio parlamentar neste momento.
Alterações da legislação de Direito Autoral não devem ser analisadas de afogadilho, em especial alterações que tenham por finalidade modificar o Capítulo IV-Das Limitações aos Direitos Autorais, da Lei 9.610/98, sem que todas as entidades que dependem da regulação de direitos autorais sejam devidamente ouvidas e sem que lhes seja franqueada a oportunidade de análise detida das propostas legislativas.
Um requerimento de regime de urgência, em um PL que vem tramitando na Casa desde 1997, e um outro apresentado há menos de 1 semana, já denota a singularidade da questão, que mereceria contribuições especializadas a permitir uma avaliação qualificada dessa conceituada Casa Parlamentar. É inegável que as propostas legislativas mereceriam pormenorizada análise, sob pena de aprovar alterações na Lei de Direitos Autorais, em matéria muito sensível, que importa na restrição ao exercício dos direitos autorais por seus titulares e possam acarretar em violações aos tratados internacionais firmados pelo Brasil.
É mister salientar, ademais, o descabimento formal do regime de urgência para tratar de matéria atinente à lei especial, sem a oitiva dos setores da cultura e do entretenimento diretamente atingidos, particularmente em momento de restrições das autoridades médicas e distanciamento social impostos pela pandemia do Covid-19.
Conclamamos os parlamentares da Câmara dos Deputados a rejeitarem o regime de urgência apresentado e, por consequência, tratarem o tema dos Direitos Autorais com a seriedade que ele merece, promovendo os debates necessários à sua análise técnica e respeitando o rito de debate do processo legislativo, com a apreciação de estilo pelas comissões temáticas pertinentes.