
GUILLERMINA KANONNIKOFF *,
21 de julho de 2018. Estou de visita aos meus compatriotas, camponeses presos injustamente no caso Curuguaty. Hoje, com mais esperanças do que nunca, já que a promessa dos membros do Tribunal de Cassação é a de emitir a Resolução pela sua libertação na semana que se inicia.
Será? Recordo quando há 41 anos chegava o “canil” (uma Kombi com duas celas dentro), estacionava no meio do pátio da penitenciária de Emboscada e o chofer da polícia do judiciário, Chamorro (logo comandante da Polícia), gritava meu nome e o de minha irmã. Não acreditamos. O normal era que a libertação acontecesse no dia seguinte. Tantas vezes nos mentiram que já nem dávamos bola… Teve que chegar com a ordem até a porta da nossa cela, a de número 22. Minha irmã estava preparando algo numa panela e andava pelo corredor, entre as celas e o pátio, me buscando…
Manuelito [o filho de Guillermina nascido na prisão, a mesma em que foi assassinado na tortura seu companheiro] e eu estávamos nas proximidades brincando com outras crianças da penitenciária. Minha irmã, com sua panela na mão, me disse: vieram nos buscar…. O oficial Chamorro lhe disse “Você também senhora, arrume suas coisas”. Ali com mais suspeitas que certezas… Mais ainda, naquele momento, arrumamos o que pudemos em meio a prantos e despedidas. Então, subimos os três no “canil”.
Primeiro nos levaram ao setor de investigações, onde o comissário Cantero, chefe de política, nos deu uma série de “recomendações” e nos comunicava que saíamos, mas em prisão domiciliar. Ou seja, presas em nossas casas. Dali nos enviaram para o Comando da Polícia. Eram 21 horas, caminhamos os três até a rua Independência Nacional, nos sentamos na beira da calçada para acomodar nossas coisas e decidir o que fazer.
Pegamos um táxi e chegamos ao portão da casa onde viviam os nossos pais. Tocamos a campainha. Nossa irmã menor nos recebeu e quase morre de infarto. Pedimos que não fizesse escândalo porque queríamos surpreender os nossos pais. Era o dia 9 de novembro de 1977. Papai dormindo na sua rede. Eu me aproximo por trás e lhe digo: “Oi papai”. O pobre caiu da rede de surpresa. Mamãe, que já estava descansando no quarto, vem gritando: “o que está se passando, o que passa?”. E vê as suas filhas e o neto primogênito de um ano e quatro meses na casa. Choro, alegria e contos consumiram o resto deste memorável dia.
Isso estamos por viver de novo ao lado dos camponeses de Curuguaty. Quando os poderemos abraçar em liberdade.
* Presa política paraguaia da ditadura pró-estadunidense de Alfredo Stroesnner (1954-1989), membro da coordenação da Campanha de Solidariedade aos Presos Políticos de Curuguaty