MARCO CAMPANELLA (*)
Poucas semanas nos distanciam das eleições municipais de 15 de novembro, tempo extremamente curto para que os candidatos a prefeito e a vereador consigam fazer chegar suas mensagens aos eleitores, mas uma eternidade para os que ainda não definiram seu voto e ainda estão longe de colocar isso como prioridade.
O fato é que a realização de eleições em tempos de pandemia e sob a regência, ou, melhor, o desconcerto, de um governo como o de Bolsonaro, afastou ainda mais o povo da política e reduziu a importância de um pleito cujo objetivo é a escolha dos representantes que estão mais próximos da população.
O quadro de pulverização de candidaturas e de candidatos, em grande medida incentivado pela obrigatoriedade de lançamento de chapas próprias proporcionais (no caso, de vereadores), também contribui para o recrudescimento desse fenômeno.
A despeito dessa situação fática e a natureza local das eleições, a nacionalização das campanhas é crescente e absolutamente inevitável, principalmente nos grandes centros urbanos, e a polarização acontecerá, inapelavelmente, entre Bolsonaro e seus aliados e os candidatos do campo progressista ou do próprio centro democrático.
Ainda que o debate fique centrado na discussão e solução dos problemas locais, certamente, questões de fundo, subjacentes, emergirão no inconsciente coletivo e poderão fazer a diferença na hora do voto.
Que questões são essas? Precisamente, as que estiveram no centro do debate social ao longo de 2020 – a crise sanitária, os problemas econômicos e a defesa da democracia, e como as forças políticas atuaram e se posicionaram frente a elas, especialmente as que se encontram no comando do governo da União.
A postura e o discurso negacionista seguem de vento em popa mesmo diante da tragédia que provocou a morte de mais de 150 mil brasileiros até o momento. A racionalidade pueril conforta as vítimas com a inevitabilidade do genocídio, mesmo quando a realidade brasileira é cotejada com as de outros países, de todos os continentes.
O bolsonarismo aposta na naturalização do extermínio em massa provocado pelo coronavirus como não tivesse nenhuma responsabilidade pela catástrofe, afinal, trata-se de um fenômeno que aconteceu de fora para dentro, provocado por mais uma conspiração comunista arquitetada pela China.
A economia, por sua vez, de acordo com o porta-voz número 1 do bolsonarismo sobre a matéria, Paulo Guedes, vai muito bem, obrigado e só não está melhor por causa da pandemia e das ações de distanciamento social que governadores irresponsáveis adotaram durante a crise sanitária. Agora, sob o manto protetor do teto de gastos, a âncora que jogou por terra os investimentos públicos, o todo-poderoso ministro profetiza e articula despudoradamente a alienação das joias da coroa ao capital forâneo como a tábua de salvação de uma economia que está em seu pior momento.
Está em V, segundo o chefe da moçada de Chicago que resistiu, com o respaldo de Bolsonaro, enquanto pode, ao auxílio emergencial de R$ 600 e sabotou, deliberadamente, as ações de apoio aos estados e municípios, assim como ao setor produtivo nacional, especialmente às pequenas e médias empresas, impossibilitado de faturar durante a crise, o que gerou uma onda irrefreável de desemprego, além da compressão da renda e o incitamento à precarização do trabalho, enquanto os bancos e rentistas em geral continuaram vitaminando seus bolsos.
A democracia também sofreu duros golpes e ameaças em 2020. A horda bolsonarista, com as bênçãos do chefe-capitão, chegou ao limite da histeria e clamou por uma “intervenção militar” contra as instituições republicanas, só refreada pela conformação de uma ampla frente política e pelo juízo ainda predominante nas tropas e em seus escalões superiores, o que levou Bolsonaro a um forçado recuo estratégico e à prática da cooptação do que existe de mais fisiológico e venal na política.
Afinal, é preciso escudar-se de eventuais dissabores no terreno parlamentar e blindar a entourage política e familiar que foge da Justiça como o diabo foge da cruz, mesmo que ao custo da frustração dos que viam no “mito” a figura capaz de erradicar, definitivamente, a corrupção no país, como ele próprio anunciou ter conseguido, oferecendo como troféu o sepultamento da Operação Lava-Jato, por ter se tornado inócua, sob os aplausos entusiásticos e cínicos de arautos da moralidade, mais sujos que ninhos de rato.
É verdade que, ao grande eleitorado, ainda não foi possível identificar uma alternativa clara ao bolsonarismo, que o petismo buscou, sem sucesso, alcançar em 2018, mas, o tempo e a realidade vão demonstrando que o PT, hoje mais fragilizado, dificilmente conseguirá a façanha que tentou há dois anos atrás, e cuja confrontação acabou por resultar na ascensão do protofascismo representado por Bolsonaro.
A interdependência entre essas duas correntes políticas, ainda que os discursos sejam dissonantes, é a maior prova de que há uma avenida de possibilidades para a construção de uma alternativa real ao projeto ultraliberal e de viés fascista que ocupa, atualmente, o poder central do país.
As eleições municipais e seus resultados poderão começar a desenhar, para 2022 ou na possibilidade de uma ruptura antes do pleito nacional, uma nova opção de poder, comprometida com a democracia política, a justiça social e o desenvolvimento soberano do país, a partir de um programa mínimo de salvação nacional frente ao imenso e clamoroso desafio de reconstrução que se colocará diante dos escombros, inexoravelmente, herdados de Bolsonaro e do bolsonarismo.
(*) Jornalista, foi Editor Geral do HP.