Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (7)
(HP 26/08/2015)
CARLOS LOPES
Houve, em nós, alguma dúvida sobre a publicação dessa parte da denúncia dos assaltantes da Petrobrás, referente ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), porque o procedimento do Cartel do Bilhão no caso Pipe Rack é muito parecido com o usado nas obras da Refinaria Abreu e Lima, que publicamos em nossa anterior edição.
No entanto, existe uma diferença importante, que acrescenta muito ao conhecimento dos métodos do cartel e de seus protegidos – ou protetores – políticos.
Nesse caso, aparece a famigerada sigla EPC (“engineering, procurement and construction”). Resumidamente, o “modelo EPC” significa entregar uma obra, inclusive os projetos básico e executivo, as compras de insumos e maquinário, e a contratação de outras empresas, a uma única “empreiteira” ou consórcio de “empreiteiras”. No limite, significa entregar o próprio resultado da obra também a elas – o caso da Sete Brasil, em que as sondas não pertenceriam à Petrobrás, é mais que ilustrativo.
As aspas que colocamos em “empreiteiras” vão por conta de que essas empresas agem cada vez mais como empresas financeiras – a rigor, monopólios financeiros – e cada vez menos como empreiteiras no sentido em que se entende no Brasil, o de construtoras.
Ao mesmo tempo, esse “modelo” significa amesquinhar o papel dos engenheiros da Petrobrás – que estão entre os mais bem preparados do país.
Uma síntese do que significa o “modelo EPC” está em documento dos próprios engenheiros da empresa, através de sua entidade, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET):
“A Petrobrás tem utilizado cada vez mais contratos EPC (Engineering, Procurement and Construction), deixando nas mãos de um mesmo consórcio o projeto, a compra de equipamentos e serviços de montagem. É a volta dos contratos ‘chave-na-mão’ (turn-key) das décadas de 1960/70, assinados com empresas estrangeiras, quando nossa competência tecnológica era ainda incipiente. Eram as refinarias “vaga-lume”, que entravam e saíam. Estamos deixando de fazer os projetos para contratá-los da forma mais atrasada e dependente possível. Além de ser um retrocesso de mais de 40 anos, deixamos nas mãos dos EPCistas o direito de dimensionar o projeto básico dentro dos seus interesses de gerar serviço e mão de obra para si mesmos. Um exemplo é a terraplanagem do Comperj e da Rnest responsáveis por mais de 50% do sobrepreço. Estamos dando a alguns consórcios como OAS, Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e outros, o poder de contratar outras empresas, comprar equipamentos de fabricantes não credenciados e recebendo unidades com sérios problemas a serem resolvidos na fase de operação pelos nossos técnicos. Ao contrário do alardeado, elas são mais caras, demandam mais tempo de construção e apresentam custo operacional muito mais elevado. Sem contar as perdas de produção por paradas” (AEPET, Carta à presidente da Petrobrás, 18/02/2014).
No mesmo sentido é a denúncia dos empresários nacionais que fabricam máquinas e equipamentos – e sua entidade, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) – para os quais esse modelo está “prejudicando o setor nacional de máquinas e equipamentos, além de sucatear a área de pesquisas da estatal e facilitar a corrupção”.
O cercado de “empresas EPC” em torno da Petrobrás impede que a maior parte da indústria nacional possa assinar contratos diretamente com a nossa estatal – a maior compradora de máquinas e equipamentos do país.
O “modelo EPC”, mostram os empresários, retirou “do País a capacidade de desenvolver tecnologias para o segmento de óleo e gás, ao permitirem que um único consórcio faça todo o trabalho necessário a um empreendimento. O formato também deu espaço para a utilização de cada vez mais insumos estrangeiros nos projetos da empresa”.
Nas palavras de José Velloso, presidente executivo da ABIMAQ: “Antes, a Petrobrás tinha uma vontade de desenvolver a engenharia básica de seus projetos e muito da tecnologia desenvolvida no País era feita dentro da empresa. Quando esse trabalho foi terceirizado, nenhum dos fornecedores brasileiros tinha a tecnologia necessária, que era desenvolvida na própria estatal, e começou a entrar no Brasil toda a engenharia internacional, com fornecedores externos”.
O empresário e dirigente da ABIMAQ “calcula que, do volume total de equipamentos adquiridos hoje para os empreendimentos da petroleira, 85% sejam importados, tanto de forma direta pela companhia como por meio dos EPCs. O modelo de contrato, de acordo com Velloso, “seria utilizado em cerca de 90% das operações de compra de máquinas” (cf. DCI, 17/08/2015).
Vê-se como a propalada “política de conteúdo local” do governo Dilma tornou-se (aliás, sempre foi) uma farsa, em que produtos montados com componentes importados, e até produtos prontos, importados pelas “empresas EPC”, são contados como “locais”.
Também por aqui se vê a ilusão – nem falemos nos que estão, simplesmente, de má-fé – de pretender que a defesa da engenharia nacional seja a impunidade do Cartel do Bilhão.
Na primeira vez que ouvimos falar nas “empresas EPC” – já há alguns anos – o termo era dito numa curiosa forma genitiva: “as empresas EPC do Duque”.
Devíamos ter prestado mais atenção no que isso significava. “Duque” era (e ainda é) Renato Duque, então diretor de Serviços – ao qual estava subordinada a gerência-executiva de Engenharia, ocupada por Pedro Barusco –, responsável pela aplicação em larga escala desse “modelo” dentro da Petrobrás, e hoje recolhido à Penitenciária de Pinhais, no Paraná.
Embora soubéssemos que “modelos” privatistas desse gênero constituem aquela excrescência que se convencionou chamar “neoliberalismo”, não nos ocorreu a razão última pela qual era necessário que houvesse uma armadura de “empresas EPC” em torno da Petrobrás, inclusive impedindo que nossa maior companhia recorresse ao conjunto das empresas nacionais.
Hoje, é possível responder a essa questão sem recorrer a nenhuma teoria: para roubar.
Essa é a única racionalidade de colocar as obras da Petrobrás – inclusive seus projetos – na mão de meia dúzia de empresas, sob um regime que, como diz a AEPET, as fazem “mais caras, demandam mais tempo de construção e apresentam custo operacional muito mais elevado. Sem contar as perdas de produção por paradas”.
Na segunda questão – primeira na ordem que colocamos no resumo abaixo – que tratamos sobre o COMPERJ, o caso das “utilidades” (Unidades de Geração de Vapor e Energia, Tratamento de Água e Efluentes), há outra novidade: a tentativa de fazer algo como na Sete Brasil, construindo, com dinheiro da Petrobrás, unidades que não iriam pertencer à Petrobrás, senão, talvez, depois de um longo tempo de “aluguel”.
No caso, essa tentativa não prosperou – mas a sordidez do Cartel do Bilhão não foi menor por causa disso. Simplesmente, inventou-se uma dispensa de licitação.
Não entraremos aqui na discussão sobre a melhor forma de uma empresa pública realizar os seus contratos. Evidentemente, licitações não são fórmulas mágicas, nem para a honestidade, nem para a eficiência de uma empresa pública.
Mas, nesse caso, a dispensa de licitação, além de ilegal, só tinha como motivo eliminar possíveis concorrentes – além de facilitar a consequente distribuição de propinas aos esquemas do PT, PMDB e PP.
Porém, leitores, melhor será ir direto ao texto, que condensamos, da denúncia.
C.L.
Nas obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), a Construtora Norberto Odebrecht S.A. venceu certames relacionados a duas obras.
Na primeira, destinada à execução do EPC do Pipe Rack [base para assentamento de tubulações], era membro do Consórcio Pipe Rack.
Na segunda, a construção das Unidades de Geração de Vapor e Energia, Tratamento de Água e Efluentes, era participante do Consórcio TUC.
Somente esses dois contratos renderam propinas que somaram, no mínimo, R$ 170.823.744,00 (170 milhões, 823 mil e 744 reais).
No caso do Consórcio TUC, as propinas montaram a, pelo menos, R$ 114.735.000,00, distribuídas entre o esquema Duque-Vaccari-PT (R$ 76.490.000,00) e Costa-Youssef-PP (R$ 38.245.000,00).
A operação foi conduzida por Marcelo Odebrecht, presidente da Organização Odebrecht, holding do grupo de mesmo nome, Márcio Faria (presidente da Odebrecht Óleo e Gás) e Rogério Araújo (diretor da Odebrecht Plantas Industriais e Participações). No caso do esquema de Paulo Roberto Costa, além desses, participou César Rocha (diretor financeiro da Organização Odebrecht).
O Consórcio TUC Construções foi constituído pela Construtora Norberto Odebrecht S.A., UTC Engenharia e PPI (empresa subsidiária do grupo Toyo Engeneering Corporation).
Não houve licitação na contratação desta obra, com fundamento no item 2.3, alínea “k”, do Decreto no 2.745/1998 – que trata da inviabilidade de competição por alteração de programação e iminência da contratação.
Os ajustes ilícitos para a contratação do Consórcio TUC pela Petrobrás para a execução dessa obra no COMPERJ, foram acertados antes, durante e depois do início formal do procedimento de contratação direta, a partir da anuência, omissão e auxílio por parte de Renato Duque e de Paulo Roberto Costa, então diretores de Serviços e de Abastecimento da Petrobrás.
Antes mesmo do pedido de instauração do procedimento de contratação direta, Márcio Faria (Odebrecht), Ricardo Pessoa (UTC) e Júlio Camargo (Toyo), empresas componentes do Consórcio TUC, reuniram-se com Paulo Roberto Costa e acertaram o modelo de contratação.
Conforme declarado por Alberto Youssef, acordou-se, em reuniões das quais participaram não apenas os representantes das empreiteiras e da Petrobrás, dentre eles Paulo Roberto Costa, mas também o próprio operador financeiro, que referidas empresas construiriam as unidades de geração de vapor e energia, tratamento de água e efluentes, as quais seriam inicialmente arrendadas para a Petrobrás e somente mais tarde adquiridas pela estatal.
[Do interrogatório de Alberto Youssef: “Olha, na verdade eu participei de algumas reuniões com o senhor Júlio Camargo a respeito das Utilidades, por conta de que, eu já lhe expliquei aqui, as Utilidades eram pra ser contratadas de um modo diferente, e acabou havendo um problema e não foi possível ser contratada daquela maneira. Então, eu participei de várias reuniões com o Júlio Camargo e o doutor Paulo Roberto Costa pra tratar desse assunto.
JUIZ FEDERAL SÉRGIO MORO: Qual foi o problema que deu nessa contratação?
YOUSSEF: Na verdade, num primeiro momento as Utilidades ia ser construída pela Toyo, pela Odebrecht e pela UTC, mas ia ser alugada para a Petrobrás por um determinado tempo e aí depois a Petrobrás, no final, ficaria com a unidade, e por várias reuniões de diretoria executiva foi aprovado esse sistema e, eu não lembro se foi na sexta ou sétima reunião de diretoria executiva, que houve uma discordância e acabou não sendo possível ser feita a contratação dessa obra dessa maneira. E aí as empresas já tinham investido um certo valor, partes em projeto, em uma série de coisas, estava muito avançada, e pra reparar essa situação foi feita uma contratação direta sem licitação.
JUIZ FEDERAL: E o senhor participou de todas essas conversas, negociações?
YOUSSEF: Participei de todas as conversas e de todas as reuniões.
JUIZ FEDERAL: E quem estava presente como representante do consórcio TUC nessas reuniões, ou eram os representantes das empreiteiras?
YOUSSEF: Na verdade, o senhor Júlio Camargo foi mais ativo nessas reuniões, o Márcio Faria, da Odebrecht, também, se eu não me engano uma vez o doutor Ricardo participou.
JUIZ FEDERAL: Qual Ricardo?
YOUSSEF: Ricardo Pessoa, mas acredito que tenha sido uma vez só.]
Optou-se por adotar o modelo de contratação direta sem licitação, considerando-se que as empresas já haviam investido recursos no projeto.
A dispensa da licitação, portanto, embora tenha sido fundamentada na urgência da contratação, em verdade ocorreu para que fossem as empresas reparadas pelos investimentos anteriormente realizados no projeto negociado com Paulo Roberto Costa, configurando clara hipótese de fraude à licitação.
O colaborador Júlio Camargo prestou declarações no mesmo sentido.
[Do Depoimento De Júlio Camargo: “… Jansen era o gerente do empreendimento denominado COMPERJ – Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, e o declarante teve diversas reuniões com ele, desde a parte da elaboração do projeto básico, depois do projeto detalhado e como prosseguir com o projeto, pois estava envolvido com o Consórcio TUC, onde inicialmente a proposta era a construção da unidade de Utilidades (hidrogênio, água, oxigênio) e a venda de serviços à Petrobrás (vender tantos metros cúbicos de hidrogênio e água a tantos reais); esta modalidade foi discutida durante quatro ou cinco anos, mas finalmente não foi aprovada na reunião de diretoria plena; posteriormente, a Petrobrás aceitou usar o projeto e fazer uma negociação direta com o consórcio, cujo coordenador da comissão de licitação foi Maurício Guedes, com o qual o declarou passou a manter contato durante todas as negociações” (Termo de Colaboração no 6).]
Segundo Júlio Camargo, as reuniões para que o consórcio recebesse a obra em questão ocorreram em momentos distintos com Paulo Roberto Costa e Renato Duque.
Nestas reuniões, restou acertado o pagamento de vantagens indevidas tanto para Renato Duque (Diretoria de Serviços) quanto para Paulo Roberto Costa (Diretoria de Abastecimento).
A Petrobrás estimou o valor da obra em R$ 3.830.898.164,00, tendo o Consórcio TUC apresentado proposta de R$ 4.038.613.175,17, em 22/11/2011.
Em apenas um mês, após negociações, o Consórcio TUC apresentou nova proposta, no montante de R$ 3.824.500.000,00, muito próxima à estimativa da estatal.
Neste cenário de não-concorrência, proporcionado tanto pela adoção do modelo de contratação direta do Consórcio TUC pela Petrobrás – não estando as condições para tanto preenchidas – quanto pela corrupção de Renato Duque e Paulo Roberto Costa (a qual proporcionou, inclusive, a adoção do mencionado modelo de contratação), a Diretoria Executiva da Petrobrás, tendo em vista solicitação para contratação, assinada pelos Gerentes Executivos das Diretorias de Serviços e Abastecimento, autorizou a contratação direta do Consórcio TUC.
A Petrobrás, então, celebrou, com o Consórcio TUC, contrato no valor de R$ 3.824.500.000,00, em 27/12/2011 – apenas 2 meses e 17 dias depois do encaminhamento do pedido de autorização para dar início à contratação direta.
As provas dos delitos de corrupção neste caso são bastante fortes.
Foi apreendido, na sede da Odebrecht, e-mail de Rogério Araújo (diretor da Odebrecht Plantas Industriais e Participações) acerca de licitação para o Ciclo de Água e Utilidades do COMPERJ, em que o executivo informa que a Mitsui, representada por Júlio Camargo, recebeu da Petrobrás determinação para que se associasse à CNO (Construtora Norberto Odebrecht) na execução da obra.
O mesmo seria feito, na semana seguinte, com a Ultratec, na pessoa de seu presidente, Ricardo Pessoa.
Resta comprovada, portanto, a cooptação a fim de que fosse a Odebrecht contratada para a realização da obra, havendo nítida fraude ao procedimento de contratação.
Ademais, Alberto Youssef confirmou tanto a promessa, quanto o efetivo pagamento das vantagens indevidas no âmbito da Diretoria de Abastecimento.
O pagamento das vantagens indevidas foi realizado tanto por entregas de valores em espécie no seu escritório, por emissários da Odebrecht, quanto por pagamentos em contas no exterior por ele indicadas.
Júlio Camargo declarou que efetivamente Paulo Roberto Costa e Renato Duque haviam acordado com os representantes das empresas componentes do consórcio o pagamento de vantagens indevidas.
De acordo com o anexo 2 do Relatório Final da Comissão Interna de Apuração do COMPERJ, elaborado pela Petrobrás, no momento em que foi solicitada autorização para o início do procedimento de contratação direta, os gestores não possuíam segurança necessária no cronograma do COMPERJ que justificasse a urgência para referida contratação.
Ademais, diversas obras que poderiam afetar o cronograma da obra de Utilidades não apresentavam, naquele momento, solução, pelo que não se apresenta plausível a justificativa de urgência da contratação.
Em 23/12/2010, visando à implantação do Pipe Rack [assentamento para instalação de tubulações] no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ) – obra vinculada à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, então comandada por Paulo Roberto Costa– a Gerência Executiva de Engenharia, chefiada por Pedro Barusco, subordinada à Diretoria de Serviços, chefiada por Renato Duque, solicitou à Diretoria Executiva da Petrobrás autorização para o procedimento licitatório.
Em 27/01/2011 o pedido foi autorizado e composta a comissão de licitação.
O valor da estimativa sigilosa da empresa petrolífera foi inicialmente calculado em R$ 1.614.449.175,10.
O procedimento licitatório foi nitidamente direcionado em favor do cartel. Das 15 empresas convidadas para o certame, apenas uma, a Toyo do Brasil Consultoria e Construções Industriais, não era cartelizada.
Mais especificadamente, foram convidadas as empresas: Andrade Gutierrez S.A., Construções Camargo Corrêa Ltda., Construtora Norberto Odebrecht S.A., Construtora OAS Ltda., Construtora Queiroz Galvão S.A., Engevix Engenharia S.A., Galvão Engenharia S.A., Iesa Óleo e Gás S.A., Mendes Júnior Trading e Engenharia S.A., Promon Engenharia Ltda., Skanska Brasil Ltda., SOG – Sistema em Óleo e Gás S.A., Techint Engenharia e Construção SA., Toyo do Brasil Consultoria e Construções Industriais S.A. e UTC Engenharia Ltda.
Quatro empresas não preenchiam os critérios de seleção estabelecidos pela Petrobrás: Andrade Gutierrez, Engevix, Promon e Toyo.
Em 12/05/2011, apenas cinco propostas foram apresentadas. A menor delas, pelo Consórcio Pipe Rack – formado pela Construtora Norberto Odebrecht S.A., UTC e Mendes Júnior – foi no montante de R$ 1.969.317.341,00, 21,98% acima da estimativa da Petrobrás.
Tendo em vista que a proposta mais baixa já se encontrava acima do limite máximo estabelecido pela Petrobrás, as propostas apresentadas pelas outras quatro concorrentes também ultrapassaram o referido valor, frustrando totalmente o caráter competitivo do certame.
Houve, portanto, desclassificação das propostas, tendo a Comissão de Licitação recomendado o encerramento do procedimento licitatório, em 10/06/2011. A [Gerência Executiva de] Engenharia foi, então, autorizada pela Diretoria Executiva a negociar a contratação direta do Consórcio Pipe Rack, fundamentando-se no item 2.1, alínea “e”, do Decreto n° 2745/98.
[Nota do HP: O leitor pode estranhar, com razão, tal procedimento. Como é a terceira vez, nesta série, que aparece citado o Decreto no 2745/98 e a segunda vez que aparece o item 2.1 e sua alínea “e”, reproduzimos aqui o seu texto: “2.1 A licitação poderá ser dispensada nas seguintes hipóteses: … e) quando as propostas de licitação anterior tiverem consignado preços manifestamente superiores aos praticados no mercado, ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos estatais incumbidos do controle oficial de preços”. Este decreto, específico para as licitações da Petrobrás, foi assinado por Fernando Henrique Cardoso e o então ministro das Minas e Energia, Raimundo Brito.]
Nesta etapa, em 22/07/2011, houve revisão da estimativa da Petrobrás, a qual passou a ser de R$ 1.655.878.443,59.
Após as tratativas de praxe foi celebrado, em 02/09/2011, o contrato entre a Petrobrás e o referido consórcio, no valor de R$ 1.869.624.800,00, 12,91% acima da nova estimativa da Petrobrás [Nota HP: e 16% acima da estimativa inicial].
Entre 23/12/2010 [data em que foi solicitada à Diretoria Executiva da Petrobrás autorização para dar início ao procedimento licitatório] e 02/09/2011 [data de assinatura do contrato], Rogério Araújo, diretor da Odebrecht Plantas Industriais e Participações e Márcio Faria, presidente da Odebrecht Óleo e Gás, sob orientação de Marcelo Odebrecht, presidente da Organização Odebrecht, ofereceram o pagamento de vantagens econômicas indevidas a Renato Duque, então Diretor de Serviços da Petrobrás.
A oferta de vantagens montava a, pelo menos, R$ 37.392.496,00, ou seja, 2%do valor do contrato original, para que favorecesse o ConsórcioPipe Rack (Odebrecht, UTC e Mendes Júnior), contratado pela Petrobrás para execução das obras de EPC do Pipe Rackdo Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ).
Em função do mesmo contrato, também ofereceram vantagens econômicas indevidas ao então Diretor de Abastecimento de referida estatal, Paulo Roberto Costa, diretamente e por meio de Alberto Youssef, correspondentes a, aproximadamente, R$ 18.696.248,00, ou seja, 1% do valor do contrato original.
Portanto, ao todo, R$ 56.088.744,00, pelo menos.
Corrobora a conclusão de que houve atuação do “Clube” na licitação do Pipe Rack do COMPERJ, declarações de Alberto Youssef, segundo o qual Márcio Faria solicitou que o operador conversasse com representante da Galvão Engenharia, a fim de garantir que prevalecesse o combinado no âmbito do cartel para a licitação do EPC do Pipe Rack do COMPERJ.
[Do interrogatório de Alberto Youssef: “Bom, a Galvão, ela, não sei por qual motivo, andou se desentendendo com as outras empresas e começou a furar, mergulhando nos preços, inclusive dando preço abaixo pra que pudesse ganhar a licitação. E aí eu fui procurado pelo Márcio Faria, da Odebrecht, pra que intercedesse perante a Galvão, no caso o Erton, porque haveria uma licitação que era no COMPERJ, do Pipe Rack, aonde eu interferi com o Erton, e o Erton acabou apresentando a proposta mais alta ou não apresentando e o consórcio vencedor foi o consórcio Odebrecht, Mendes Júnior e UTC”.]
Especificamente em relação ao contrato celebrado entre o Consórcio Pipe Rack e a Petrobrás, Alberto Youssef reconheceu o acerto e o pagamento de propina ao titular da Diretoria de Abastecimento.
[Do Interrogatório de Alberto Youssef:
“JUIZ FEDERAL SÉRGIO MORO: (…) O senhor até mencionou esse contrato anteriormente, salvo engano, Pipe Rack, houve aqui pagamento de propina?
YOUSSEF: Houve.
JUIZ FEDERAL: O senhor participou da negociação?
YOUSSEF: Participei.
JUIZ FEDERAL: Com quem foi negociado esse caso?
YOUSSEF: O Márcio Faria negociou diretamente com o doutor Paulo Roberto Costa. Era pra ser pago 18 milhões e pouco, ele pediu que fosse reduzido e foi pago 15 milhões.
(…)
JUIZ FEDERAL: No processo aqui da ação penal da Mendes Júnior, há uma referência a obras da Mendes Júnior na refinaria de Paulínia, a REPLAN, na Refinaria Getúlio Vargas, no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, COMPERJ, e na Refinaria Gabriel Passos, REGAP. O senhor saberia me dizer se nesses casos.
YOUSSEF: Sim. A resposta é sim.
JUIZ FEDERAL: Se nesses casos houve comissionamento, pagamento de propina sobre os contratos?
YOUSSEF: Sim.
(…)
JUIZ FEDERAL: No COMPERJ, Mendes Júnior, Odebrecht e UTC.
YOUSSEF: Ah, com certeza, sim.]
Mencione-se, ainda, declaração de Pedro Barusco no sentido de que um dos empreendimentos da área de abastecimento que gerou o pagamento de vantagens indevidas no âmbito da Diretoria de Serviços foi o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ).
[Do depoimento de Pedro Barusco:“…indagado pelo Delegado de Polícia Federal sobre quais foram os principais contratos no âmbito da Diretoria de Abastecimento que geraram os valores pagos a título de propina, afirma que foram os contratos de grandes pacotes de obras da Refinaria Abreu e Lima – RNEST e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ” (Termo de Colaboração no 03)].
Ainda, comprova o aceite e recebimento das vantagens indevidas por Renato Duque, declarações de Augusto Mendonça, segundo o qual as empresas do “Clube”, por meio de Ricardo Pessoa (presidente da UTC), combinaram com o ex-Diretor de Serviços o pagamento de vantagens indevidas a fim de que fossem efetivas as divisões de obras dentro do cartel.
[Do depoimento de Augusto Mendonça: “… nas obras do Complexo Petroquímico do Rio De Janeiro – COMPERJ também houve ação do cartel, pois as mesmas empresas foram convidadas para os grandes pacotes, sendo que na primeira tentativa de licitação apresentaram preços excessivos e depois houve uma segunda licitação, isto é, a mesma ‘tática’ utilizada na RNEST” (Termo de Colaboração no 05)]
O próprio Paulo Roberto Costa, quando de seu interrogatório, reconheceu, igualmente, a promessa e o pagamento de propina por parte da Odebrecht em decorrência de referido contrato.
Efetivamente, o valor inicialmente oferecido ao ex-Diretor de Abastecimento (R$ 18.696.248,00), foi mais tarde reduzido para R$ 15.000.000,00, a pedido do denunciado Márcio Faria.