O texto desta página é o sétimo capítulo da “História do Pensamento Econômico no Brasil”, de Heitor Ferreira Lima, dedicado às ideias econômicas e monetárias do Barão de Mauá.
O livro foi publicado em 1976, com a colaboração do Instituto Roberto Simonsen, da Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp).
O autor, um dos principais historiadores econômicos do país, foi, também uma figura da História do Brasil: na origem um alfaiate que veio de Mato Grosso para São Paulo, Heitor Ferreira Lima foi o único economista brasileiro formado na Escola Leninista Internacional, de Moscou. Em sua volta ao Brasil, durante alguns meses de 1931, foi, inclusive, secretário-geral do Partido Comunista, do qual se afastou na década de 40 do século passado.
Em 1944, sob a égide de Roberto Simonsen, tornou-se assessor econômico da Fiesp e membro de seu Conselho de Economia Industrial, assim como de seu Departamento de Economia.
É autor de livros como “Castro Alves e sua Época” (1942), “Evolução Industrial do Brasil” (1954), “Formação Industrial do Brasil” (1961), “Mauá e Roberto Simonsen” (1963), “Do Imperialismo à Libertação Colonial” (1965), “História Político-Econômica e Industrial do Brasil” (1970), “Três Industriais Brasileiros” (1976), “Caminhos Percorridos” (1982), “Perfil Político de Silva Jardim” (1987), e, naturalmente, “História do Pensamento Econômico no Brasil” (1976).
Foi, também, um dos principais colaboradores da “Revista Brasiliense”, editada por Caio Prado Júnior, até seu fechamento, com o golpe de Estado de 1964.
Sobre suas concepções na época em que escreveu o texto que hoje apresentamos, há um trecho de sua “nota preliminar” à “História do Pensamento Econômico no Brasil” em que as delineia com clareza:
“O que parece, no entanto, ressaltar de forma límpida é que a corrente de pensamento econômico melhor adotada às nossas condições particulares emergiu inicialmente no primeiro pós-guerra, em decorrência do progresso industrial registrado na época, com a criação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo e o aparecimento de Roberto Simonsen, preconizando a industrialização, como meio de erguer o baixo padrão de vida da população e superar o retardamento material em que nos encontrávamos. Até aí, nosso crescimento tinha sido ‘para fora’, isto é, em função do processo de exportação de produtos primários que realizávamos, devido ao papel periférico por nós desempenhado na economia mundial. Propugnando Simonsen por novas atividades para aumento da riqueza geral, pregava na prática o desenvolvimento ‘para dentro’, buscando com isso uma transformação estrutural.
“Mais tarde, no segundo pós-guerra, a Cepal amplia, aprofunda e estende as teses de Simonsen para toda a América Latina, rejeitando a obsoleta teoria da divisão internacional do trabalho, formulada nos países adiantados, mas sem aplicação em outras regiões e em condições históricas diferentes.”
Este é o autor do perfil intelectual de Mauá, que oferecemos aos nossos leitores.
C.L.
HEITOR FERREIRA LIMA
Em 1822, vindo do Rio Grande do Sul, onde nasceu, desembarcava no Rio de Janeiro, com 9 anos de idade, o menino Irineu Evangelista de Sousa, que mais tarde se tornaria Barão e Visconde de Mauá. Sem instrução nem parentes que o ajudassem, foi se empregar como caixeiro numa loja comercial.
Desejando ardentemente progredir e subir na vida, estudava à noite, sozinho ou auxiliado por algum freguês que a isso se dispunha. Assim aprendeu francês, inglês, contabilidade e outras matérias, com devotamento exemplar. Aos 16 anos entrou para uma firma inglesa, da qual se tornaria sócio aos 23 anos, graças aos esforços, dedicação e inteligência demonstrados precocemente, o que constituía, por certo, esplêndida vitória. Já aos 33 anos, dono de considerável fortuna que lhe garantiria uma existência folgada, sem trabalhar, deixa o comércio para dedicar-se à indústria, aspiração alimentada desde sua primeira viagem à Inglaterra, em 1840.
Nesse espaço de tempo, de pouco mais de duas décadas (1822-1846), o Brasil, especialmente o Rio de Janeiro, passou por profundas transformações: a Independência, forte crise monetária, Confederação do Equador, fechamento do Banco do Brasil, incompatibilidade de Pedro I com o país e sua volta a Portugal, motins militares e insurreições populares em várias províncias, empréstimos externos onerosos, dificuldades financeiras, decadência da lavoura do açúcar, base de nossa economia, enfim, acontecimentos de extraordinárias significações, prenhes de grandes lições para a mentalidade arguta e viva de Mauá.
Além disso, os contatos mantidos com comerciantes, banqueiros, funcionários públicos, políticos que frequentavam a casa onde trabalhava e outros lugares que percorria, davam-lhe naturalmente uma visão clara e aguçada da situação do país, das necessidades e das causas dos males que sofria, proporcionando-lhe um conhecimento amadurecido e seguro do que via e fixando nele concepções particulares a respeito de nossos problemas. Assim formou-se o Mauá definitivo que conhecemos, com realizações e ideias que repercutem até hoje, despertando interesse e controvérsia.
Que éramos então? Um país escravocrata, latifundiário, monocultor, sem indústrias nem comunicações, carente de transportes territorial e urbano, de economia periférica, escassamente povoado, sem recursos para a produção; em suma, um imenso espaço geográfico a ser povoado e fecundado para criação da riqueza material.
Orientado, com certeza, pela tarifa alfandegária Alves Branco, que elevava as alíquotas das importações, especialmente dos artigos manufaturados de que tanto dependíamos, ao abandonar o comércio Mauá adquire o estabelecimento de Ponta da Areia, em Niterói, ampliando-o consideravelmente e transformando-o no maior estaleiro e empresa metalúrgica da época. Lá se construíram 72 navios, metade da tonelagem marítima que possuíamos, entre os quais um terço da frota naval da Guerra do Paraguai. Contava com 11 oficinas, fundições de ferro e bronze, serralharia, caldeiraria, construção naval e outras, onde se construíram, além dos navios, grandes cilindros, prensas hidráulicas, engenhos de açúcar, tubos para encanamentos etc., empregando 1.000 operários. Mãos criminosas estrangeiras, entretanto, incendiaram o estabelecimento quase completamente, causando graves prejuízos.
A tarifa de 1860, isentando de direitos os produtos da lavoura e navios importados, bem como a redução das encomendas do governo, levaram Mauá a transferir, para outras mãos, o seu notável estabelecimento, com perda superior a 1.000 contos de réis. Comprou também, por 500 contos de réis, a Cia Luz Steárica, fundada pelo francês Lajou, que ampliada e desenvolvida, passou posteriormente a um grupo industrial brasileiro, que a inseriu num conjunto fabril que dirigia. Tomou parte ainda na Cia de Curtumes, que funcionava desde 1865, destinada a aproveitar o couro do gado abatido na Capital do Império, mas que, por má administração, resultou em desastre financeiro.
Nos vinte anos decorridos entre 1853 a 1873, Mauá ajudou a todos os empreendimentos que surgiram, como banqueiro, acionista, incentivador, pois imprimia confiança a qualquer iniciativa em que aparecesse seu nome. Daí o fato de ter participado, societariamente, de fábricas de tecidos, de engenhos de açúcar etc.
Outra linha de ação de Mauá foi constituída pelos melhoramentos urbanos, sendo a de maior destaque a iluminação a gás da cidade do Rio de Janeiro, o Botanical Garden Rail Road Company, o dessecamento do vasto pântano formado pelo Mangue, a iniciativa do abastecimento de água do Rio de Janeiro, que também foi transferida para outra firma.
No domínio das comunicações, em 1874, instalou o telégrafo submarino, ligando o Brasil a outros países. Essa empresa foi vendida depois à Western Brazilian Telegraph Company; iniciou a navegação regular do Rio Amazonas por paquetes confortáveis e tentou a onerosa realização de um dique flutuante.
No setor de transportes, Mauá foi o pioneiro, e o maior impulsionador das estradas de ferro entre nós. A primeira foi a que, partindo do porto Mauá, na Baía da Guanabara, atingiu a raiz da serra de Petrópolis, o que lhe valeu o título de Barão. Discursando perante o Imperador, antevia aquele meio de comunicação unindo a corte ao Rio das Velhas, o São Francisco e seus tributários, transformando “o Rio de Janeiro num centro de comércio, indústria, riqueza, civilização e força que nada tenha a invejar a ponto algum do mundo”. Associou-se à segunda ferrovia estabelecida no país e à primeira inversão inglesa nesse ramo, a Recife and São Francisco Railway Company. Concorreu substancialmente para a terceira ferrovia aqui construída, a D. Pedro II, atual Central do Brasil. Foi sócio da quarta, a Bahia and São Francisco Railway Company, organizada em Londres. O quinto empreendimento ferroviário do Brasil foi a Estrada de Ferro Santos—Jundiaí, que se chamou igualmente São Paulo Railway, ligando a capital paulista ao porto de Santos. Dessa obra Mauá foi artífice, empreiteiro, obtendo a concessão, organizando-a em Londres, a fim de obter o capital necessário. Perdeu-a por causa de chicanas dos tribunais, motivo principal talvez de sua falência. O último envolvimento de Mauá em ferrovias foi a Estrada Rio Verde, mais tarde conhecida por Minas—Rio, de cuja participação desistiu, quando já se encontrava em moratória.
Releva notar, finalmente, na atuação desse incansável empreendedor, a de banqueiro. Aproveitando a disponibilidade de capitais que a suspensão do tráfico de escravos em 1850 propiciava, organizou, em 1851, o Banco do Brasil (o segundo desse nome) e que, fundido em 1853 com o Banco do Comércio, já existente, deu nascimento ao terceiro Banco do Brasil, com monopólio das emissões. Não concordando, com a concentração emissora estabelecida, em 1854 fundou o Banco Mauá, Mac Gregor & Cia, projetando-o como o maior do país, com filiais na Europa, Estados Unidos, Argentina, Uruguai e em numerosas cidades do território nacional.
Esta lista incompleta dos empreendimentos de Mauá, não relacionados aqui na ordem cronológica de suas fundações, permitem-nos inferir do sentido da orientação imprimida à sua obra econômica.
Obedeceu inegavelmente a um critério realista e essencialmente prático das necessidades nacionais do tempo. Explica-se, desse modo, seu interesse inicial pela indústria pesada (construção naval, metalurgia), considerada por ele a mãe das outras indústrias; pelos transportes ferroviário, marítimo e urbano; pelas comunicações e melhoramento das cidades; pela disseminação dos bancos para facilitar crédito à produção. Isso demonstra o descortino claro do desenvolvimento dos caminhos mais convenientes para nós, o que o levou a criar com audácia os instrumentos necessários para atender a tais objetivos. Enfrentava, corajosamente, os obstáculos que tolhiam o progresso nacional, como a falta de setores manufatureiros, as longas distâncias que dificultavam as transações de negócios, a carência de meios para atividades criadoras, o atraso urbano. Introduzindo nova tecnologia, e inserindo outro componente de magna importância em nosso aparelho produtor — a fabricação de artigos industriais —, mudava o perfil de nossa economia, dando-lhe maiores dimensões. Associava-se ao capital estrangeiro, quando julgava necessário, embora consciente das elevadas remunerações por ele exigidas. Apelou para o espírito de associação empresarial, visando multiplicar as forças e recursos para o bom êxito das iniciativas materiais.
Conhecedor aprofundado da realidade brasileira, não seguia as teorias econômicas liberais alienígenas, apesar de muito difundidas, por julgá-las impraticáveis entre nós, prejudiciais aos nossos interesses e por contribuírem para manter a estagnação vigente. Tal percepção provinha-lhe da avaliação justa das necessidades de que padecíamos e das capacidades latentes inaproveitadas que possuíamos, das quais tomou consciência quando jovem, ouvindo conversas entre negociantes traquejados no ofício, homens de negócios e políticos experientes, nas leituras que fazia das publicações nacionais e estrangeiras, e nas longas meditações a que se dedicava e viagens ao exterior. Eram, portanto, convicções e opiniões alicerçadas em observações atentas e prolongadas que se iam formando nele. Não se tratava, por conseguinte, de meras improvisações ou idealismo sonhador, embora seu biógrafo, Alberto de Faria, diga que Mauá se julgava um iluminado.
Foi um múltiplo homem de negócios, capitalista na mais alta acepção do termo, aspirando ardentemente implantar e desenvolver o capitalismo no Brasil, pretendendo com isso banir o retardo latifundiário e monocultor que nos asfixiava, reduzir a dependência econômica em que nos achávamos na esfera internacional, difundir o conforto nas metrópoles, dinamizar a movimentação de pessoas e mercadorias dentro de nosso território, alargar as fronteiras econômicas, robustecer o mercado interno. Daí ser contra o trabalho escravo, de consumo restrito e marginalizado e preconizar a liberação do crédito, com intuito de expandir a produção e o comércio.
E era disso que o Brasil precisava ansiosamente para sair do anacronismo material e social em que vivia. Representou, nessas condições, papel singular em nossa história, tornando-se figura louvada ou criticada, discutida e lembrada até agora. Era um inimigo social do regime, o que lhe acarretou não poucos adversários, a começar pelo Imperador, trazendo-lhe em conseqüência bastantes dissabores e transtornos nos negócios. Contudo, apesar de seu fracasso pessoal no fim da vida, sua obra foi grandiosa, de imenso vulto e significação, constituindo um marco de relevo, o que levou J. F. Normano a falar em “pequena revolução de Mauá”. A importância do que executou no campo material reside em ter representado a aspiração mais avançada do seu tempo, contribuindo para o progresso da nação.
Não vamos julgá-lo, no entanto, porque não é este o nosso objetivo, Mencionamos apenas suas realizações mais salientes, como exemplo de concretização de uma tendência ao momento histórico em que viveu e do qual foi sem dúvida o mais lídimo representante.
Mas, além de empreendedor audaz e talvez por isso mesmo, Mauá, como já dissemos, estudou nossos assuntos econômicos e financeiros, pois a teoria econômica estava intrinsecamente ligada à sua atuação prática. Daí a interferência direta que teve nas questões bancárias, esforçando-se por erguer um mercado de capitais destinado a incrementar nossa expansão material.
A função de banqueiro exercida por Mauá talvez tenha sido a mais trabalhosa, porém, constituiu indubitavelmente, aquela que lhe deu maior realce, tanto aqui quanto no exterior, sendo frequentemente a mais visada pelos seus críticos. Através dela, no entanto, pôde desenvolver sua extensa e profícua ação industrial e comercial, pois essa função servia de respaldo a todos os seus empreendimentos. Foi ainda atuando nesse campo que foram brotando as ideias que lhe possibilitaram formular suas concepções a respeito dos problemas econômicos, financeiros e particularmente monetários de nosso país.
Estas ideias financeiras e monetárias de Mauá resultaram de sua experiência cotidiana, fixando, em sua acuidade intelectual, os pontos de vista depois defendidos; ele mesmo disse que suas reflexões eram frutos de “uma experiência e estudo práticos de mais de meio século das coisas do nosso país”.
Mauá não aceitou as teorias dos clássicos nas questões monetárias, por julgá-las inadequadas às nossas condições, elaboradas em outros lugares e desvinculadas de nossa realidade. Escreveu por isso: “cumpre estar prevenido contra certas ideias apregoadas com dogmática severidade por parte de doutrinários inflexíveis, as quais nem sempre são aplicáveis a países onde as causas que determinaram certos fenômenos são diversas e portanto o regime aconselhado como salvador de altos interesses para uns, daria em resultado ficarem estes seriamente comprometidos em outros, se o bom senso não repelisse o presente grego que os chamados mestres da ciência lhe querem impor.” Em seguida acrescentou: “… o que têm dito e escrito os mestres da ciência econômica não nos constrange e nem nos assustam as doutrinas por eles apregoadas, elevadas à categoria de axiomas, tratando-se de moedas.” Sua observação e atuação prática indicavam-lhe caminho diferente, apresentando, em vista disso, concepções próprias, como aconteceria mais tarde com Rui Barbosa e Roberto Simonsen. Dizia que em vão procurou-se um valor tipo com o qual fossem comparados todos os outros valores, falhando ou esbarrando-se as pretensões, com a impossibilidade de determinar a importância da participação de agentes naturais na sua formação, sendo certo haver, para uns, soma de esforços pessoais para produzi-lo, e para outros, predominando maior auxílio de agentes naturais, concluindo ser viciosa a teoria da moeda, economicamente falando, e não responder à questão que pretende resolver. O verdadeiro tipo de valor, tanto em moeda quanto em outros objetos, é a oferta e a demanda. Entre nós, para se conseguir uma circulação metálica, seria necessário aumentar a produção em tão alta escala, que fosse capaz de produzir saldo em nosso balanço de pagamentos, para o qual não dispúnhamos de recursos nem de meios, ou então importar metais, que em nosso caso, possivelmente, veríamos regressar pelo mesmo paquete, o que constituiria o cúmulo dos disparates: o absurdo não se discute, rejeita-se. Repelia categoricamente a teoria clássica da moeda.
Devido à deficiência notória de metais preciosos para a troca, tornou-se preciso recorrer à criação dos papéis de banco, decorrendo daí que os países possuidores de amplos recursos para manter ótimo o meio circulante, puderam substituí-los, temporariamente e com vantagem, pelo papel inconversível de bancos de inteiro crédito que, forçados por circunstâncias especiais, foram compelidos a conservar em sua carteira, em lugar de ouro, os títulos particulares de bom crédito e do Estado, representando suas notas em circulação.
Partindo desse princípio e com vistas ao Brasil, considerou a guerra contra a Confederação Argentina a causa da copiosa emissão do nosso primeiro Banco do Brasil, que se tornou papel inconversível, transformando-se no único meio circulante do país. Era, consequentemente, uma constatação que Mauá fazia. Esta a origem de papélista, que lhe foi atribuída por uns e negada por outros, como se se tratasse de horrível mancha. ‘
Ao propugnar pelas emissões de papel inconversível, Mauá tinha em mira promover recursos para o desenvolvimento, através do incentivo ao aparecimento e expansão de empresas em nosso meio (e não somente para as suas, como alguns lhe assacaram). Lembremos que unicamente entre 1857 e 1860, organizaram-se no Império mais de 80 companhias, quase todas com privilégios, subvenções e outros favores concedidos pelo governo. Por isso escreveu que, desde 1850, já se operavam transformações nesse sentido, devido ao espírito de associação que começava a dar os primeiros passos, assustando os rotineiros, que procuravam “atar as pernas do gigante, com receio de que, caminhando, pudesse cair, impedindo com isso maior desenvolvimento das forças produtivas, pela falta de instrumentos que servissem de motor às transações”. O receio dos conservadores era que as emissões se transformassem nos tristemente célebres “assinados” franceses; a fim de prevenir, recomendavam “marchar com pausa, meditação e estudo prático — sem tocar a meta do abuso — pois é uso que preconizamos e jamais o abuso.”
Fala-se até hoje que as emissões influem nas flutuações do câmbio. Mauá refutou tal asserção brilhantemente várias vezes, sobretudo na famosa resposta à comissão de inquérito sobre a crise de 1859. Depois de afirmar que o curso do câmbio é regido em toda parte pela lei da oferta e da procura, apontou como causas da baixa do câmbio a deficiência das colheitas ou estagnação da exportação, depreciação desses produtos nos mercados consumidores, importação excessiva e algumas influências transitórias.
Entre nós sempre houve escassez de meio circulante, comprovada pela manutenção da taxa constantemente acima do juro mercantil. Para atender às necessidades da produção não é indispensável que os meios sejam ouro ou prata. Estava convicto, em vista disso, de que a circulação de um papel bancário bem garantido, embora inconversível e de emissão contida por certos limites legais é um grande bem, e havendo possibilidade de realizá-lo em metal, converte-se na forma mais perfeita do meio circulante. Qualquer abuso é prejudicial e condenável. Não admite que a concentração emissora possa fazer jorrar o ouro, como muitos acreditam, por ser despotismo bancário, perguntando: os déspotas não abusam? Para as emissões desregradas, o corretivo eficaz é a concorrência regulada por lei, garantindo os interesses públicos e bancários, contra os perigos dessa faculdade.
Ao fundar o Banco Mauá, Mac Gregor & C.ia, com capital realizado de 20.000 contos de réis, seu plano era o de tomá-lo um vasto estabelecimento de crédito, com filiais nas capitais das vinte províncias do Brasil, secundando esse mecanismo com filiais igualmente em Londres e Paris, alimentando operações de crédito e finanças para o progresso econômico. Constituir-se-ia em centro monetário e financeiro da América meridional. Dessa forma, as empresas brasileiras, amparadas por crédito do governo, não precisariam arrastar-se abatidas aos pés da usura desapiedada dos maus elementos financeiros da praça de Londres; 5% de garantia e não 7% constituiriam base suficiente para conseguir ajuda do capital europeu. Centenas de milhares de contos de réis seriam poupadas dessa maneira.
Para a lavoura, que considerava como a fonte de toda a riqueza pública do Brasil, recomendava a instituição de letra hipotecária, lastreada nas apólices da dívida pública do Brasil, facilitando assim os recursos para seu desenvolvimento.
Verifica-se por aí que Mauá tinha em mente a formação de um mercado de capitais para incrementar a expansão e diminuir nossa dependência da finança estrangeira, que cobrava juros elevados. Esclarecia que seu raciocínio abrangia o Império e não sua Capital, o que explica o apoio dado às medidas de pluralidade bancária de Sousa Franco, tão necessárias realmente, como demonstramos antes e que o próprio Mauá praticava em sua atividade bancária.
Estas concepções econômicas e financeiras de Mauá, apesar de sua imensa significação, têm sido postas de lado ou esquecidas pelos seus biógrafos, exegetas e estudiosos dos assuntos nacionais. O primeiro, senão o único, a abordá-las foi Santiago Fernandes, em seu admirável livro, lamentavelmente de pouca repercussão, Ouro — a relíquia brasileira, onde disse com muita razão que “a contribuição e o espírito científico de Mauá são de tal modo importantes que estão a exigir trabalho especial que lhe dê o relevo que merece”, estudando com profundeza sua crítica à teoria clássica do padrão-ouro, em resumo muito bem feito, destacando os reflexos daí advindos sobre os variados âmbitos da ciência econômica. Trata-se, com efeito, de eminente economista, dedicado aos assuntos nacionais, com toda seriedade, buscando soluções condizentes com nossos melhores interesses, desapegado das teorias clássicas, inconvenientes para nós, mas prestigiosas entre técnicos e políticos, como se fossem doutrinas eternas, de validade universal e inabaláveis.
Tinha razão, pois, Vicente Licínio Cardoso ao escrever que, “se a mentalidade de Pedro II tivesse o vigor construtivo da cerebração de Mauá, teríamos constituído na história dos povos, um caso de evolução interessantíssima.” Os empreendimentos arrojados que levou a cabo e sua rara capacidade no campo teórico-científico, fizeram de Mauá uma figura excepcional em sua época e mesmo posteriormente, considerando-se o tempo e meio em que viveu e sua formação inteiramente autodidática.
Em breve síntese, são estas as ideias econômicas e monetárias de Mauá.