DENOY DE OLIVEIRA
Confusão na entrada da Cinemateca, longas filas, voracidade pelo bom cinema de Wim Wenders, um dos grandes poetas da imagem em movimento.
Isso aconteceu na sexta-feira, por volta das 20:00h. Eu espirrei da sessão, como já havia espirrado de outras. Complicado chegar com horas de antecedência. Mas um público desesperado por grandes acontecimentos, no sábado, já às 14:00h, estava na fila para pegar uma “senha” que lhe garantiria o acesso à bilheteria para a sessão das 23:00h.
Loucura! Maravilhosa loucura! Vitalidade do cinema, força da criatividade sobre as fórmulas e receitas que alijam do mercado filmes incríveis como, por exemplo, “Frida”, de Paul Leduc, que não entendo por que ainda não passou no Brasil.
Ainda há poucos dias na coluna de “Vídeo” era registrada a preferência do público pelos espetáculos com marca de qualidade. É espantosamente risonho que “A Festa de Babete”, com todo o comedimento dinamarquês de Bille August, tenha sido líder de preferência em locadoras. Acredito que a força dessa comoção esteja nos elementos da estória, capacidade criativa do seu contador e intérpretes. Há também o elemento fantasia, o fantástico, inseparável artífice da criação cinematográfica, que encontra no avanço tecnológico um grande e poderoso aliado.
Mas vejo um grande componente em todo esse processo de identificação do público com seus artistas, seja eles da Alemanha, Argentina, Dinamarca, Itália, Brasil, Espanha: os recursos que permeiam a formação do artista e viabilizam seus projetos. Entre os empurrões e brigas para “Asas do Desejo”, querendo ver mais uma decodificação de Wenders para o seu tempo e o seu cotidiano, eu pensava no nosso Cinema. Como adequar nossas inquietações com uma república em crise econômica, moral e institucional. Realizando os filmes na bitola possível do mercado com ingressos defasados de nossos custos pendurados no vértice da espiral inflacionária, em dólar e no “black”.
Mas a semana segue apesar de nossas dificuldades, que precisamos resolver. E segue dominada pela figura ímpar de Joris Ivens; “História do Vento” é o último trabalho desse grande humanista e genial cineasta holandês. E neste final da Mostra, se precisarem selecionar, além de Joris Ivens, não percam “Dekalog” do polonês Krystof Kieslowski, “Últimas Imagines Del Naufragio” do argentino Elisei Subiela (“El Hombre Mirando El Sudoeste”) e o “Corpo Em Delito” de Nuno César Abreu, presença solitária do Brasil na Mostra.
Grande lançamento: “Pai Patrão”
Lançamentos da “FJ Lucas Netto” com destaque para “Pai Patrão” (Itália/76), direção/roteiro dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani. Os dois estiveram no Brasil há alguns anos. Nessa ocasião perguntei como eles conseguiam fazer um filme como “Pai Patrão” num momento em que tínhamos “filmes feitos na Itália” (multinacionais) e não tínhamos “filmes italianos”.
Resposta de Paolo: “Isso só é possível graças à associação com a RAI, a TV Italiana”. A RAI é estatal. Uma dica para o Brasil.
“Pai Patrão” é baseado no livro autobiográfico de Galvino Ledda. Filho de uma família pobre de pastores, Galvino não pôde ir à escola. Mas esse é um sonho – estudar. Quando sai de casa para servir o exército, consegue finalmente entrar numa escola. Os choques com o pai, homem rude e autoritário, são parte do drama de Galvino, no clima de solidão e silêncio que domina a vida nos campos.
Os irmãos Taviani receberam “Palma de Ouro” no Festival de Cannes de 1977 com “Pai Patrão”. Um dos lançamentos importantes do ano.
Ainda da “FJ Lucas”, um filme de Mário Soldati, figura importante no cinema italiano: “O Escriturário” (58). Um funcionário, no início de século, não aceita novidades do tipo máquina de escrever, que ele considera, irão prejudicar os empregados. Mas é preciso sobreviver e um acaso irá ajudá-lo em desejada promoção. Um filme responsável pelo filão de comédias italianas com forte observação humana. Elenco: Renato Rascel, Carla Gravina, Renato Salvatori, Peppino de Filippo, Romolo Valli, Toni Boler e Luigia de Filippo. Grandes comediantes.