Em entrevista à rede NTV, da Rússia, presidente sírio Bachar al-Assad destaca “vitória contra os mercenários, os terroristas e os soldados de países financiados pelos Estados Unidos” e denuncia que as poucas áreas ainda sob o controle externo “refletem sua incubadora”
Senhor presidente, o Daesh (Estado Islâmico) está quase derrotado, a capital Damasco já está quase totalmente em segurança e sob controle das forças governamentais e, até esse momento, o senhor ainda mantém operações militares no sul e no leste. Como presidente, o senhor pode dizer o que aconteceu para que ninguém tenha sabido identificar os primeiros sintomas dessa guerra, do que o senhor chama de invasão? O que houve?
Presidente Assad – É preciso distinguir os sintomas internos e os externos. Quanto aos internos, a Síria tem problemas, como todas as sociedades em nossa região, somos parte dessa região e discutimos sempre esses problemas. Talvez não tenhamos feito o necessário para resolver o problema que talvez pudéssemos ter resolvido antes da guerra, talvez não. É uma questão subjetiva, cada sírio tem seu ponto de vista. Mas o fator externo é muito importante na gênese dessa guerra. Cada país da região vive a própria guerra, todas similares, por mais que tenhamos sociedades semelhantes e haja problemas mais graves noutros locais, como, por exemplo, nos países do Golfo, onde não há liberdade nem para as mulheres nem para o povo, para ninguém.
Digo isso porque, se a ausência de liberdade fosse a causa dessa guerra, para começar por aí, e porque era o slogan mais repetido no início, por que, pergunto, a guerra não começou naqueles países? Assim se vê que o que aconteceu não foi movido por causas internas, porque os mesmos problemas existem há décadas, alguns deles, há séculos. É onde se tem de considerar o fator externo. Isso talvez explique porque não identificamos imediatamente o que estava para acontecer: porque a guerra feita contra nós não foi obra de sírios. Foi obra de outros países ocidentais, principalmente EUA, França e Reino Unido. Outros estados satélites, como Turquia, Arábia Saudita e Qatar planejaram e mandaram dinheiro, sim, desde o início, depois que o primeiro projeto deles fracassou. Quero dizer, depois que não conseguiram gerar um levante local, supostamente espontâneo. Porque foi aí que começaram a mandar dinheiro e começou o problema. Isso, sim, compreendemos bem depressa, mas talvez, naquele momento, já fosse impossível controlar tudo.
Não entendo, por que não viram antes? Por exemplo, quando eu mesmo cheguei a Ghouta oriental, meses atrás, vi que há túneis escavados por todos os lados, construídos por engenheiros, por máquinas enormes, por escavadeiras… Como tudo aquilo pode ter sido feito sem que o governo sírio soubesse? O senhor tem alguma explicação de como foi possível que os invasores construíssem ali verdadeiras cidades subterrâneas?
Presidente Assad – Aconteceu que eles usaram equipamento que já estava lá, que foi roubado do governo, das empresas, e, além disso, receberam reforços da Jordânia, através do deserto, diretamente para Ghouta, onde o deserto não é habitado, ninguém controla coisa alguma e não tínhamos satélites. Além disso, eles começaram a escavar por baixo das vilas. Pode-se dizer que, à sua maneira, foi guerra de alta tecnologia.
Quando estive em Ghouta oriental, encontrei muitas pessoas que podiam testemunhar e provar na própria pele que al-Nusra utilizava armas químicas contra áreas residenciais da cidade. Encontrei os mais diferentes tipos de proteções químicas nas casas e nas peças onde operavam os quartéis-generais da Frente Nusra, etc. Mas o ocidente insiste que o senhor teria envenenado o seu próprio povo com armas químicas. Por que ninguém ouve o povo sírio e por que o ocidente insiste nisso?
Presidente Assad – Porque a fábula do governo que atacaria o próprio povo com armas químicas é parte indispensável da narrativa deles contra o governo sírio. Mas é narrativa que serve bem, agora que os soldados, os ‘agentes locais’, os terroristas deles já foram derrotados em várias áreas da Síria. O Ocidente precisa repetir essa fábula, para ter um pretexto para intervir diretamente, militarmente, e atacar o Exército Árabe Sírio. Já aconteceu exatamente assim várias vezes, a história é sempre a mesma e precisam, sobretudo agora, que os ‘agentes locais’, os mercenários, os terroristas e os soldados daqueles países ocidentais estão sendo derrotados. A verdade é o contrário dessa fábula, até no plano lógico, porque a realidade conhecida é que não temos armas químicas, foram destruídas.
Não têm mesmo?
Presidente Assad – Não, não temos. Desde 2013, e o mundo sabe disso. Mas o fato de termos ou não as armas químicas não é importante, nesse caso. Porque mesmo se tivéssemos as tais armas e quiséssemos usá-las, as usaríamos antes, quando estávamos sendo derrotados, não agora, quando já praticamente vencemos a guerra. O fato é que, cada batalha que vencemos, cada palmo de terreno que recuperamos, recomeça a história dos ataques químicos e recomeçam as acusações. Não passam de pretexto para tentar manter e ‘justificar’ a presença dos terroristas em território sírio.
Haverá algum meio de impedir essas provocações? Porque o ministério da Defesa da Rússia diz que está sendo preparado mais um desses ataques químicos de provocação, dessa vez em Deir Ezzor. E essa notícia é recente. É impossível impedir que aconteça? Pôr fim a essas provocações?
Presidente Assad – É quase impossível, porque não é desenvolvimento da realidade; é resultado da imaginação deles, dos veículos de mídia. É algo que é construído dentro dos jornais e televisões deles. Ninguém que esteja na plateia consegue alterar qualquer desenvolvimento de uma peça de teatro. É o que temos aqui. Toda a narrativa das armas químicas foi criada no palco, não no mundo real, e rapidamente foi distribuída pelo planeta, pela internet e pelos veículos das grandes redes de noticiário, como se fossem fatos do mundo real. Não há absolutamente meio para impedir essas provocações. Os norte-americanos só mentem, mentem sem descanso. Na sequência, atacam a Síria. Quando não se respeita a lei internacional, quando as instituições da ONU perderam a eficácia, já não faz sentido falar de impedir provocações, porque hoje vivemos em plena selva, sem lei. E não só aqui. Em vários pontos do mundo.
O seu governo está vencendo a guerra, já retomou o controle em quase todo o país, mas são tantos os atores na Síria, tantos partidos, cada um com interesses próprios. Os EUA negociam com a Turquia a respeito de Manbij, Israel negocia, em todos os cantos iranianos negociam, os curdos têm interesses específicos. Como resolver tudo isso? Como manter unida a Síria? Porque hoje parece que a Síria está esfacelada. Como pôr fim a isso? Porque o senhor disse que seu lema é “Uma Síria unida, por uma nação unida”.
Presidente Assad – Se o senhor quer dizer que a Síria estaria esfacelada, vale, digamos, para a geografia, não para a sociedade. A sociedade mantém-se unificada, quero dizer, a sociedade síria não está dividida. E, se a sociedade está unificada, o povo também está. Quanto à geografia, estamos sob ocupação. Algumas partes da geografia síria ainda estão ocupadas por terroristas mantidos pelo Ocidente, principalmente pelos EUA e seus aliados. Assim sendo, se queremos falar do futuro da Síria, não consideramos que sejam parte da equação. Se queremos falar do processo político, será exclusivamente sírio. Não consideramos interesse de país algum, relacionado a uma questão absolutamente interna, dos sírios. Se o senhor fala da guerra, a guerra na Síria é guerra internacional – e isso desde o início, a guerra na Síria começou internacional.
De fato, não se tratava apenas do governo sírio; o governo sírio é independente, temos boas relações com a Rússia, com a China e outros países. Mas os EUA planejavam redesenhar politicamente o mapa do mundo, talvez também militarmente. E a Síria era um dos principais campos de batalha para conseguir redesenhar o mapa, pelo menos para conseguir redesenhar o mapa do Oriente Médio.
Por isso, quando o senhor fala desses interesses, trata-se de um combate entre potências: o objetivo do poder principal, os EUA, e seus aliados, que apoiam terroristas, é ser hegemônico na relação com a outra potência, a Rússia, e seus aliados, cujo objetivo é combater o terrorismo e os terroristas e restaurar o primado do direito internacional.
Mas por que a Síria foi escolhida como terreno para essa disputa?
Presidente Assad – Por várias razões diferentes. A Síria está incluída no grupo de países considerados independentes, soberanos: Síria, Irã, Coreia do Norte e, agora, a Rússia, todos esses são países soberanos. O ocidente não aceita nenhuma posição independente. Os Estados Unidos não aceitam nenhuma posição de independência da Europa. Por isso, na Rússia, há um problema diretamente com os EUA, porque os russos querem ser nação soberana e os EUA não aceitam, mesmo sendo a Rússia uma grande potência. Aos olhos dos EUA, ninguém pode ser independente. Além disso, somos país pequeno, como poderíamos continuar livres para dizer sim ou não. Era preciso nos obrigar a só dizer sim, sempre, aos EUA. Essa é uma primeira razão.
Em segundo lugar, há a geopolítica da Síria, o papel histórico da sociedade síria. Embora seja uma divisão quase invisível, existe, sim, uma linha de fratura social entre diferentes seitas e etnias. E quando se controla essa região, controla-se todo o resto do Oriente Médio.
A guerra contra a Síria começou no tempo dos faraós, o primeiro tratado político que o mundo conheceu foi firmado 12 séculos antes de Cristo, entre os faraós e os hititas. Vindos do norte e do sul, combateram na Síria e firmaram o primeiro tratado que o mundo conheceu.
A geopolítica da Síria é muito importante, e controlar a Síria sempre foi objetivo das grandes potências, desde aqueles tempos antigos, até nossos dias. Na verdade, pouco importa que a Síria seja grande ou pequena, ou maior ou menor, nosso país tem importância estratégica decisiva.
O que vocês esperam da Rússia? Vocês têm tantos atores (presentes no país) sobre os quais o senhor afirmou que deveriam deixar a Síria, e que a Síria um dia pedirá a todos que deixem este território. O que esperam da Rússia a este respeito? Porque somos aliados, somos amigos desde…
Presidente Assad – A amizade entre a Síria e a Rússia é antiga, tem seis décadas, mas temos uma aliança militar há mais de quatro décadas.
Nós temos duas razões: primeiro, a Síria e a Rússia têm interesse em combater e derrotar o terrorismo, na Síria, na Rússia, em todo o mundo. É, portanto, a primeira expectativa e o primeiro objetivo.
A segunda expectativa é a longo prazo. A Rússia é muito importante para o equilíbrio do mundo, que perdemos desde o colapso da União Soviética. Assim, ter a presença militar e política da Rússia na Síria, no Oriente Médio e no resto do mundo é muito importante para este equilíbrio. Isso não é importante apenas para a própria Rússia e para as outras grandes potências, é muito importante que países menores, como a Síria, tenham este equilíbrio. Então, isso é o que esperamos da Rússia em ambos os níveis: combater o terrorismo e ter um equilíbrio global.
Eu fui ao leste de Ghouta e vi o quanto foi destruído, a magnitude (colossal) da destruição e, pelo que sei, você precisa de US$ 400 bilhões para reconstruir o país. Mas o Ocidente afirma que não dará um centavo enquanto vocês estiverem no poder. O que podem fazer nesta situação? Pois têm que reconstruir todo o país.
Presidente Assad – Francamente, esta é a melhor declaração do ocidente em toda esta guerra, o fato de que eles dizem que não farão parte da reconstrução na Síria, porque muito simplesmente, nós não permitiremos que eles participem, seja trazendo dinheiro ou não, que eles ofereçam um empréstimo, uma doação ou uma subvenção, não importa. Nós não precisamos do Ocidente. O Ocidente não é nada honesto: ele não dá, ele só leva. Primeiramente, nós não construímos a Síria através da história com dinheiro estrangeiro; nós construímos com o nosso dinheiro, com os nossos recursos humanos. Apesar da guerra, ainda temos recursos humanos para reconstruir todos os setores do nosso país. Nós não estamos preocupados com isso.
Quanto ao dinheiro, antes da guerra, nós não tínhamos nenhuma dívida, pois construímos nosso país com os empréstimos de nossos amigos. Portanto, nós não temos dinheiro (dívida). Pode-se ter empréstimos de amigos, pode-se ter dinheiro de sírios que vivem no exterior e dinheiro do governo. Portanto, não estamos preocupados com isso. Isso pode levar mais tempo, mas nós não estamos preocupados a respeito da reconstrução da Síria. Não esqueça que a reconstrução depois da guerra, quando se fala de US$ 400 bilhões, mais ou menos – é uma aproximação – isso é toda uma economia, todo um mercado, todo um investimento. Então, quando os europeus falam em vir para a reconstrução, eles não vêm para ajudar a Síria; ele vêm para pegar dinheiro. E muitas empresas europeias estão entrando em contato conosco para lhes permitir vir investir na Síria.
Isso é feito em particular?
Presidente Assad – Claro, em particular, com o apoio de seus governos. Portanto, eles precisam desse mercado. Desde 2008 a maioria dos países europeus estão em uma situação economicamente desastrosa. Precisam de muitos mercados. A Síria é um deles e nós não permitiremos que venham a fazer parte desse mercado pura e simplesmente.
Quando falamos sobre a reconstrução de todo o país, isso significa o restabelecimento da confiança e da amizade entre os sírios, porque podemos ver a situação em parte como uma guerra civil, quando irmão atira no irmão, por causa de diferentes religiões ou qualquer outra questão.
Neste caso, vocês começam a estruturar um comitê constitucional. O senhor vai se apresentar ao próximo mandato presidencial? Como restaurar essa estrutura política do seu país?
Presidente Assad – Primeiramente, não temos uma guerra civil, pois a guerra civil é baseada em linhas sectárias, linhas étnicas, linhas religiosas e assim por diante. Nós não temos isso na Síria. Você pode ir a qualquer lugar, especialmente em áreas sob controle do governo, e você pode ver aí todo o espectro existente da riqueza e diversidade da sociedade síria, das pessoas que convivem e coexistem.
Na verdade – e isso não é um exagero, é um fato -, a guerra foi uma lição muito importante. Assim, esta sociedade diversificada tornou-se muito mais unificada do que era antes da guerra, pois aprendemos uma lição. Enquanto que, se você vai nas áreas sob o controle de terroristas, eles não representam qualquer cor desta sociedade; na realidade, eles só refletem sua incubadora e pessoas que não têm outra escolha a não ser viver nessas áreas, que não têm outra escolha. Portanto, não precisamos nos preocupar com uma (pseudo) guerra civil. Não são pessoas que atiram umas nas outras; eles são mercenários, eles são terroristas.
Você tem terroristas em seu país, na Rússia, e eles são russos, mas eles não representam uma parte da sociedade, eles representam sua própria ideologia. Nós temos a mesma situação na Síria. Então, no que diz respeito à unificação do povo, isso não é nenhum problema.
Quanto à presidência, há dois fatores: o primeiro é minha vontade e ela se baseará num segundo fator, que é a vontade do povo sírio. Ainda temos três anos. Nesse momento, em 2021, o povo sírio estará pronto para aceitar essa pessoa, esse presidente, sim ou não? Se não for o caso, o que posso fazer na Presidência? Eu não poderei fazer nada, não poderei conseguir, não poderei trazer nada ao meu país. Então, a resposta será não. Se o povo sírio quiser minha presença, eu vou pensar nisso, mas ainda é cedo, ainda temos três anos.
Mas, e todas essas reformas constitucionais que foram pedidas pelas Nações Unidas?
Presidente Assad – Nós fizemos reformas em 2012, e agora temos a conferência de Sochi, eles vão discutir isso. Qualquer reforma constitucional não está relacionada com o presidente, não está relacionada com o governo, está relacionada com o povo sírio. Então se tivermos de proceder qualquer alteração, algo será feito por referendo, um referendo nacional. Se houver um referendo nacional e o povo apoiar uma nova Constituição, é claro que vamos fazê-la, mas isso não está relacionado com a vontade das Nações Unidas ou de países estrangeiros, isso não é o caso. Este processo será completamente sírio. Se os sírios não quiserem mudanças, não haverá absolutamente nenhuma mudança.
Um dos principais atores (do conflito na Síria) são os Estados Unidos, e Trump teve sua reunião em Cingapura com Kim [Jong-Un]. Recentemente, o Irã disse que eles nunca encontrarão Trump, porque Kim não é muçulmano [Tal conversa sectária do Irã é impossível e absurda] e ele não entende o que está acontecendo, eles nunca vão falar com Trump. O senhor estaria pronto, se precisasse encontrar Trump direta ou indiretamente? O senhor pensa ser necessário conversar com Trump?
Presidente Assad – Nós achamos que discutir ou negociar com seu oponente, e claro com qualquer um, é produtivo, mas neste caso, desde que tivemos a primeira negociação com os Estados Unidos, em 1974, nunca conseguimos o que quer que seja. O problema com os presidentes dos EUA é que eles são reféns de seus lobbies, dos grandes meios de comunicação, das grandes corporações, das finanças, do petróleo, dos armamentos e assim por diante. Então, eles podem dizer qualquer coisa que você queira ouvir, mas eles farão o oposto; este é atualmente o caso, e isso fica cada vez pior, e Trump é um exemplo muito marcante. Então falar e discutir hoje com os americanos sem motivo, sem conseguir nada, seria uma perda de tempo. Nós não estamos contentes em falar com os Estados Unidos simplesmente porque são os Estados Unidos. Estamos prontos para discutir com qualquer um que possa ser produtivo, e não acreditamos que a política dos EUA será diferente no futuro previsível. Então, uma vez mais, isso hoje seria apenas uma perda de tempo.
Cada vez que penso na Síria, lembro-me de que o senhor é um médico de carreira, que viveu muito tempo em Londres, que foi integrado nessa sociedade e que essa sociedade agora o considera um símbolo do mal sobre a terra, e todo mundo diz – nos jornais, os políticos – que o senhor envenena pessoas com armas químicas, que inflige todas essas coisas horríveis em seus próprios cidadãos. Como o senhor se sente a esse respeito? Isso exerce uma pressão emocional no senhor e em sua família? Como explica a eles o que está acontecendo?
Presidente Assad – De fato, no plano emocional, nós vivemos há sete anos com o desastre na Síria. Então, quando você tem um desastre maior, você não sente a pressão menor, você nem sente isso. Quero dizer que cada gota de sangue de um único sírio que foi cotidianamente derramada irá sucitar muito mais emoção do que uma história falsa. Eis o primeiro ponto. Em segundo lugar, quando você sabe que eles estão mentindo, você não sente nada de emocional. Você poderia sentir algo se houvesse críticas baseadas em fatos e em histórias convincentes. É aí que você pode sentir, digamos, a dor ou pressão emocional.
O problema com o Ocidente é que eles não têm mais estadistas. O substituto para estadistas e verdadeira política é política falsa, e política falsa precisa de histórias falsas, e as histórias químicas são parte dessas histórias falsas. Na verdade, a política ocidental… Eu não falo das pessoas, somente dos políticos: eles não têm nenhuma moral, não têm qualquer valor. Então, quando você enfrenta pessoas sem valores, sem moral, elas não influenciam seu coração, seu cérebro ou seu espírito.
Cada vez que vamos a Ghouta ocidental nós vemos sinais deixados pelo Daesh ou pelo Al-Nusra: “Nós voltaremos”. Para nós [russos], é assustador porque nós gastamos muito dinheiro, nós perdemos muitas vidas apoiando a Síria na luta contra o “califado”. Portanto, para nós, é assustador que um dia esse terrorismo possa voltar. Qual a sua estimativa?
Presidente Assad – Primeiramente, é uma ideologia. É uma ideologia sombria que tem sido promovida nos últimos 50 anos, quase cinco décadas – pois ela começou nos anos 1960, e não apenas nos anos 90 ou depois – no mundo inteiro pelos sauditas wahabis e, claro, com apoio dos EUA e do Ocidente em geral. Então, não é algo espontâneo. Eles vão voltar, é claro, pois serão usados mais e mais vezes pelas potências ocidentais, provavelmente sob diferentes marcas. Essas forças estiveram no Afeganistão 30 anos atrás e Reagan os chamava de “guerrilheiros sagrados” (mujahidins), ele não os chamava de terroristas. Agora eles são chamados de terroristas, mas eles, ainda assim, usam esses terroristas. Talvez em dez anos eles sejam utilizados em algum lugar no mundo sob uma marca diferente; o mesmo produto, mas com uma nova marca. É, portanto, uma ferramenta ocidental. É por isso que é correto fazer perguntas sobre esse sentimento de perigo. É a primeira questão.
Em segundo lugar, você tem razão de ter essa preocupação, mesmo na Rússia, mas não porque vocês perderam vidas na Síria. Mas porque vocês têm o mesmo terrorismo na Rússia. Como eu vejo as coisas? Se esses terroristas tivessem sido vitoriosos na Rússia, eu estaria em perigo; eles viriam para a Síria e outros países, e vice-versa. Logo, defendendo os sírios, vocês defenderam os russos. Vocês pagaram um preço na Síria para defender os sírios, mas vocês estão defendendo também os russos, pois o terrorismo não tem fronteiras políticas, para eles, é o mesmo campo de batalha da Rússia até a Síria, talvez até a Indonésia, e talvez até o Marrocos e o Oceano Atlântico.
Como vocês poderão acabar com a ocupação no norte da Síria com esse acordo entre os EUA e a Turquia? Manbij está em solo sírio?
Presidente Assad – Nós adotamos dois caminhos: o primeiro e principal é a reconciliação; essa foi vitoriosa. É através da reconciliação que nós conseguimos trazer à normalidade (muitas) zonas, onde as pessoas levam uma vida normal e onde o governo controla a vida das pessoas através das instituições. A outra maneira é a de atacar os terroristas sempre que eles não abandonam (o combate) e recusam a reconciliação. Nós vamos atacá-los e assumir o controle pela força, o que não é o nosso caminho preferido, mas é o único meio de recuperar o controle do país.
Mas eles fragmentaram o território, dividiram entre eles, eu digo os EUA e a Turquia, eles consideram como território que controlam o….
Presidente Assad: Não acredite nisso. Os EUA controlam tudo, eles controlam a Turquia, são os EUA que enviaram a Turquia, e há cinco anos, foram os EUA que deixaram a Turquia quando Erdogan quis invadir a Síria, eles disseram não. Por quê? Porque na época os terroristas estavam ganhando terreno, eles estavam agredindo, então, que necessidade os EUA teriam de Erdogan? Quando os terroristas começaram a bater em retirada, eles disseram a Erdogan que ele podia agora interferir, porque estava melhor para os sírios, para os russos, para os iranianos e para os grupos que combatem o terrorismo (o Hezbollah, etc.). Então é melhor você intervir para complicar a tarefa deles. Foi o que se passou, mas todas essas áreas estão sob controle dos EUA e de mais ninguém.
É por isso que eles estão exercendo tanta pressão sobre o Irã? É isso que o senhor quer dizer?
Presidente Assad – Exatamente. Por diferentes razões, mas no final das contas, os EUA controlam o leste do Daesh, apoiam a noroeste o al-Nusra, em Idib, e ao sul o al-Nusra, Daesh e outras facções, mas eles atribuem papéis diferentes aos diferentes países. Às vezes pedem aos turcos (para intervir), às vezes pedem aos sauditas, às vezes ao Catar e assim por diante, mas todos esses países, inclusive os franceses e os britânicos, são todos fantoches e satélites americanos, para ser muito simples e claro.
Muito obrigado.
Presidente Assad – Obrigado.
Tradução: Maria Pimentel