
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou um depósito de R$ 100 mil, em dinheiro vivo, na conta do policial reformado Ronnie Lessa, assassino da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Segundo relatório do Coaf, o depósito aconteceu na boca do caixa, no dia 9 de outubro de 2018, sete meses após o assassinato.
A Polícia Civil já sabe que o depósito do dinheiro foi feito pelo próprio Ronnie Lessa numa agência do banco Itaú, também na Barra, onde Lessa morava até a última terça-feira (12), quando foi preso na Operação Lume.
O Ministério Público citou esse relatório do Coaf em um pedido de bloqueio dos bens de Lessa e do ex-PM Élcio Queiroz, também preso. O MP pediu o bloqueio para garantir a indenização por danos morais e materiais às famílias da vereadora e do motorista.
O MP cita no pedido a lancha, apreendida em Angra dos Reis em nome de uma pessoa apontada como “laranja” de Ronnie Lessa, os automóveis do PM reformado (um deles, um Infinity avaliado em R$ 150 mil), e a casa dele, localizada em um “condomínio luxuoso na Barra da Tijuca”. De acordo com o Ministério Público, todos esses bens são incompatíveis com a renda de um policial militar reformado.
O juiz Gustavo Kalil, da 4ª Vara Criminal, aceitou o pedido de arresto na mesma decisão em que recebeu a denúncia do MP e decretou a prisão de Ronnie Lessa e Elcio Queiroz.
Estava previsto para esta sexta-feira (15) depoimentos dos assassinos na Divisão de Homicídios, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, sobre o duplo homicídio.
Na quinta (14), Ronnie e Queiroz foram levados para audiência de custódia em Benfica por terem sido presos em flagrante, na terça-feira (12), por posse ilegal de arma. Na casa de um amigo de Ronnie a polícia encontrou 117 fuzis incompletos desmontados.
Homenagens
O pai de Marielle Franco, o aposentado Antonio Francisco da Silva, de 67 anos, fez um emocionado desabafo, em carta, feita a convite do jornal O Dia:
“Marielle nos faz muita falta. Era muito presente em nossa casa, muito participativa, liderava a família mesmo com uma mãe forte como a dela. Sua mãe era exemplo para ela. Apesar dessa imensa tragédia que está fazendo um ano, pensei que com o passar dos dias e meses essa dor diminuiria, mas não é isso que está acontecendo. Mas, por outro lado, com o reconhecimento de inúmeras pessoas do Brasil e do mundo por Marielle, em muitos lugares que andamos, em muitas homenagens que recebemos, em participações em muitos eventos, isso acalenta a mim e a meus familiares. Mas também me deixa muito chocado e frustrado, pois minha filha não merecia o que fizeram com ela no auge de sua vida pessoal e profissional, principalmente da maneira que foi, sem nenhuma chance de defesa. Nenhuma chance de diálogo. Isso ela fazia muito bem. Dialogava com todos, mas não lhe deram essa possibilidade”.
(…)
“Muitas pessoas falam que sou forte, mas não imaginam o tamanho do sofrimento que passo no dia a dia. As aparências enganam. Até diminui em alguns momentos, pois tenho recebido muitos ombros amigos, muitos abraços, muita solidariedade de muitas pessoas. Ouço sempre: “Marielle vive. Marielle presente”. E falo: é isso mesmo. Ela está viva no meu interior e presente no meu cotidiano. A todos que reconhecem sua grandeza e legado, meu muito obrigado. Deus abençoe a todos.”
Agatha Arnaus Reis, viúva do motorista assassinado Anderson Pedro Gomes, também fez uma homenagem ao marido:
“São 365 dias sem você e a vida nunca mais vai voltar ao normal. Lembro-me daquele dia 14 de março de 2018, enquanto conversávamos de manhã nos arrumando para sair. Você tranquilo se vestindo para levar documentos para a TAP (Transportes Aéreos Portugueses, onde Anderson ia trabalhar) e eu juntando as coisas do Arthur para levá-lo para a creche e ir trabalhar. Nunca imaginei que seria nosso último beijo!”
(…)
“Vivi momentos que foram muito difíceis sem você: meu aniversário, aniversário do Arthur, dia das mães, dia dos pais, os momentos que Arthur via uma foto sua e esticava os braços querendo seu colo, dormir sozinha na nossa casa, olhar suas coisas, suas roupas, cada momento foi o primeiro sem você e doeu muito; ainda dói”.
Um dos piores foi quando nosso filho passou, em setembro, por uma cirurgia de emergência, a quarta cirurgia até agora. Foi ali que minha ficha caiu e percebi que estava sozinha de verdade. Lembro-me de estar em pé no hospital, com uma mochila, uma bolsa cheias de exames e Arthur no colo quase sem reação. Houve um determinado momento que achei que ele não resistiria e pensei no que Deus poderia querer de mim e que eu ficaria sem você e sem ele. Só queria você conosco”.
(…)
“Esse tempo sem respostas foi muito doloroso. Ainda preciso saber por que isso aconteceu, quem fez e quem mandou, mas tenho fé de que essas respostas chegarão. Enquanto as aguardo, sigo com fé de que um dia nos encontraremos. Enquanto estamos separados, estarei honrando a missão de criar nosso filho do jeito que conversávamos e lembrando de todos os momentos maravilhosos que tivemos juntos. Nosso amor vai além da vida! Obrigada pela vida maravilhosa que me proporcionou enquanto estivemos juntos. Te amo para sempre!”.
Dia do crime
Detalhes da ação da dupla de assassinos no dia do crime, de acordo com os investigadores:
Às 16h59, o celular de Élcio Queiroz é detectado por antenas no condomínio de Lessa, o Vivendas da Barra
Entre 17h e 22h não é possível captar sinais dos telefones de Élcio e Lessa;
Às 17h24, câmeras filmaram o Cobalt prata utilizado no assassinato de Marielle e Anderson próximo ao Quebra-Mar, na Barra;
Às 18h45, câmeras de segurança mostram o Cobalt chegando à Rua dos Inválidos, onde Lessa e Élcio aguardaram pela saída da vereadora de um evento na Casa das Pretas, de acordo com a investigação;
Por volta das 21h10, Anderson e Marielle são assassinados na Rua Joaquim Palhares, no Estácio;
Às 22h11, antenas de telefonia voltaram a captar um deslocamento do celular de Élcio. O movimento indica que o suspeito foi do condomínio Vivendas da Barra para o restaurante Resenha e Grill, onde chegou às 22h30.
Às 23h18, o telefone de Lessa foi detectado no mesmo local que o de Élcio. Para a polícia, essa é uma prova de que os acusados continuaram juntos após o crime.
Réus
Em decisão tomada na quinta-feira (14) e divulgada na sexta-feira (15), o juiz Gustavo Kalil, do 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, recebeu a denúncia contra o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, e o sargento reformado Ronnie Lessa.
Assim eles tornam-se réus e vão responder por duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima e receptação) e por tentativa de homicídio contra a assessora Fernanda Chaves.
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