
Cortes de 44 bilhões no orçamento para 2026 tornaram insustentável permanência de François Bayrou, o quarto primeiro-ministro em dois anos
O primeiro-ministro francês François Bayrou caiu nesta segunda-feira (8) ao ter rechaçado na Assembleia Nacional, por ampla margem, 364 a 194, voto de confiança a que recorreu na tentativa de impor um orçamento para 2026 com drásticos cortes de 44 bilhões de euros rejeitado pela maioria dos partidos e das centrais sindicais.
O resultado já era esperado e agrava a crise do governo Macron, cuja popularidade está beirando o fundo do poço com 17% de aprovação e 80% dos franceses não confiam no presidente. Após a votação, Bayrou anunciou que apresentará na terça-feira ao presidente francês seu pedido de renúncia. Nos últimos dois anos, Bayrou foi a quarta pessoa a ocupar o cargo. Em comunicado, Macron afirmou que irá nomear um novo primeiro-ministro “nos próximos dias”, enquanto a França permanece sem um orçamento aprovado.
Contra os cortes no orçamento e o arrocho anunciados por Bayrou, as centrais sindicais francesas já haviam convocado uma greve geral no próximo dia 18. No dia 2, os trabalhadores do setor elétrico fizeram uma paralisação de advertência e na próxima quarta-feira (10), a CGT, a mais tradicional central sindical francesa, anunciou um dia de “esquenta” para o dia 18 com greves e protestos. Pelas redes sociais, e fazendo lembrar os Coletes Amarelos, uma plataforma cidadã, apelou para um confinamento total (Bloquons Tout) nesse dia.
“DECLARAÇÃO DE GUERRA SOCIAL”
Como assinalou o deputado comunista Stéphane Peu, o “orçamento Bayrou-Macron constituía uma declaração de guerra social”: o congelamento de salários e pensões, a enésima reforma do seguro desemprego, a eliminação de milhares de cargos públicos, cortes no sistema de saúde e a eliminação de dois feriados.
O jornal “Le Monde” comparou o “suicídio” político de Bayrou à dissolução da Assembleia, há mais de um ano pelo presidente Emmanuel Macron, a título de exigir “uma clarificação” dos franceses sobre o avanço dos extremistas no cenário político.
Sobre a queda do braço direito de Macron, o líder do partido progressista França Insubmissa (LFI), Manuel Bompard, disse à emissora Franceinfo “estar feliz”, “um alívio para os franceses”. Sua correligionária, Mathilde Panot, acusou Macron e Bayrou de montarem uma “oligarquia voraz” na França. Ela denunciou que a extrema-direita tem sido “o seguro de vida” do macronismo, mas que o povo “está ficando farto”.
LE PEN SABOREIA AGONIA DO MACRONISMO
Enquanto o macronismo agoniza, a extrema-direita vai inchando. A capo da Reunião Nacional, Marine Le Pen, que pressiona pela antecipação das eleições legislativas, disse que a crise “foi provocada e alimentada pelo presidente Emmanuel Macron e todos aqueles que o serviram”. “Hoje, o homem doente da Europa, por causa deles, é a França.”
Na queda anterior de seu primeiro-ministro, Macron optou por desrespeitar as urnas, que haviam dado o primeiro-lugar para a Nova Frente Popular, que incluía insubmissos, comunistas, ecologistas e socialistas, e articulou um governo de minoria apoiado pelos republicanos, na rabeira da votação – ou seja, trata-se de uma crise bastante anunciada.
O líder comunista Stéphane Peu acusou Bayrou de usar a dívida pública para “assustar” os franceses. “O orçamento é o apogeu do desprezo pelas classes trabalhadoras. Agravaram a situação econômico-social e mergulharam o país numa crise democrática”, denunciou.
Os socialistas votaram pelo fim do governo Bayrou, mas seu líder Oliver Faure, andou se oferecendo para encabeçar um governo minoritário palatável a Macron. Foram admoestados pelo LFI, que lhes lembrou que de que foram eleitos sob o programa da Nova Frente Popular, que propunha a revogação da reforma da previdência, o aumento do salário mínimo, o planejamento ecológico e a Sexta República.
“HEMORRAGIA SILENCIOSA”
Segundo Bayrou, cujo partido vem jogando o peso da crise nas costas dos trabalhadores e dos menos favorecidos, a dívida pública se tornou uma “hemorragia silenciosa”, esquecendo-se de se referir a quem foi beneficiado e quando é óbvio que o projeto em vigor na União Européia de se rearmar, comprando armas norte-americanas para entregar aos neonazis ucranianos e sustentar a expansão da Otan, num quadro de estagnação na Europa e desindustrialização em favor dos EUA, irá recair sobre os trabalhadores e a classe média. Ou de nomear os vampiros.
Afinal, de onde viria o dinheiro para aumentar para 5% do PIB os gastos militares, como ordenado, desde Washington, na última cúpula da Otan? Dos ricos? Dos especuladores?
É bem verdade que o déficit francês chegou a quase 6% do PIB, ao invés dos 3% determinados pelas normas da União Européia, mas também todo mundo sabe que as regras, quando se trata da França ou da Alemanha, são flexibilizadas.
A dívida pública já ultrapassou os 3,35 trilhões de euros, o que corresponde a cerca de 114% do PIB e poderá chegar, segundo especialistas, até 2030 a mais de 125%. Atualmente, apenas Grécia e Itália têm dívidas públicas maiores. E sob a diretriz do monumental rearmamento, é de prever que esse endividamento, e o serviço da dívida, irão se agravar.
Bayrou culpou os franceses por aquilo que foram decisões de sua elite. “Gastamos e não voltamos atrás; virou um vício. […] Nossas obrigações anuais de reembolso de capital já excedem em muito o que nosso país produz a cada ano por meio de seu crescimento, por meio de seu progresso em relação ao ano anterior”, justificou.
Hemorragia que tem como beneficiários uma meia dúzia de especuladores que fazem apostas sobre a dívida e que, como abutres, se lançam sempre que sentem o cheiro de sangue, no caso, dos franceses.
“Em 2020, tivemos que pagar aproximadamente 30 bilhões por ano. Em 2024, foram 60 bilhões. Este ano, 67 bilhões. No próximo ano, em 2026, 75 bilhões. No ano seguinte, 85 bilhões. E no final da década, diz o Tribunal de Contas, serão 107 bilhões”, acrescentou Bayrou.
Se esse é o quadro, como querem se rearmar até os dentes, como carne de canhão da Otan, aquela da qual De Gaulle se afastou em prol da soberania francesa, ato que deve parecer incompreensível para um ex-banqueiro como Macron? Ou insistirem em enviar tropas para a Ucrânia?
REARMAR A EUROPA
Na verdade, o objetivo é liberar € 100 bilhões por ano para o rearmamento, ao mesmo tempo em que arrocha o orçamento para garantir aos bancos que a dívida pública francesa pode ser paga. Desde a crise de Wall Street em 2008, a dívida francesa disparou de 68% para 115% do PIB.
Desse aumento de 47% do PIB, dois terços ocorreram porque a França financiou apenas dois dos muitos resgates bancários da zona do euro: em 2009, após a crise de Wall Street, e em 2020, para conter o pânico financeiro causado pelo início da pandemia de Covid-19. Os países da zona do euro tomaram dinheiro emprestado do Banco Central Europeu e o repassaram aos seus bancos para sustentar os mercados de ações e dívida e inflar a riqueza da oligarquia.
Desde 2009, a indústria e os padrões de vida estagnaram. Mas a riqueza dos 500 franceses mais ricos explodiu após cada resgate bancário, aumentando mais de seis vezes desde 2009, de € 194 bilhões para € 1,228 trilhão, conforme a revista Challenges.
Do orçamento operacional de € 445 bilhões do Estado francês, 25% vão para pensões, 20% para saúde, 15% para educação e outras administrações, e 11% para seguro-desemprego e benefícios familiares, de acordo com o Palácio do Eliseu.
Com a receita do orçamento operacional da França em € 330 bilhões, o país sofre um enorme déficit orçamentário que os bancos ameaçam não financiar. Com 71% do orçamento operacional da França destinado a serviços básicos, a única maneira de encontrar € 100 bilhões para a máquina de guerra e outros € 100 bilhões para reduzir o déficit é destruir o Estado de bem-estar social. Tal como o vizinho Friedrich Merz recentemente anunciou que a Alemanha não tem mais como bancar o Estado de Bem-Estar Social.
Em seu manifesto em que chama a “enterrar o museu de horrores do orçamento Bayrou”, a histórica central CGT conclamou: “basta de sacrifícios para o mundo do trabalho”.