Associação de advogados federais reprova AGU por assumir defesa de funcionária-fantasma do “mito”

Lademir Gomes da Rocha, presidente da Anafe. Entidade critica AGU por defesa de Bolsonaro e Wal. Foto: Divulgação - Redes sociais
Ela foi contratada como assessora do presidente quando ele era deputado federal. A pedido, Advocacia-Geral da União assumiu tanto a defesa do presidente da República, quanto da ex-funcionária

A Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe) condenou a decisão da Advocacia-Geral da União (AGU) de assumir junto à Justiça Federal a defesa de Walderice Santos da Conceição, a Wal do Açaí, ex-funcionária-fantasma de Jair Bolsonaro.

Ao pedir o arquivamento de um processo em que ela é apontada como funcionária-fantasma no gabinete Jair Bolsonaro (PL) quando ele era deputado federal, a AGU alegou que está autorizada a representá-la porque os atos imputados a Wal teriam sido praticados durante exercício de cargo público.

A Anafe reúne advogados da AGU, procuradores da Fazenda Nacional e procuradores federais. A entidade refutou a alegação da AGU.

“Cabe lembrar que a AGU é instituição permanente, prevista na Constituição. Seu papel abarca a defesa dos Três Poderes e o exercício de advocacia de Estado. Com base nos fatos narrados na imprensa, há dificuldade em identificar o interesse público na concessão da defesa à ex-servidora que é acusada de nunca ter exercido, de fato, as atribuições do cargo que ocupou por 15 anos”, diz a entidade.

Bolsonaro e Wal são alvos de ação de improbidade apresentada em março deste ano. O Ministério Público Federal (MPF) afirma que a ex-funcionária, mesmo lotada em Brasília, nunca compareceu à capital federal. Wal morava no Rio de Janeiro, onde tinha uma loja de açaí com o seu nome.

O MPF acrescenta, ainda, que Bolsonaro tinha conhecimento de que Wal não prestava serviços correspondentes ao cargo e, mesmo assim, atestou falsamente a frequência dela ao trabalho em seu gabinete para comprovar a jornada laboral exigida pela Câmara dos Deputados, de 40 horas semanais, e, assim, possibilitar o pagamento dos salários.

Leia a nota da Anafe na íntegra:

“Dentre as atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União está a defesa pessoal de autoridades e gestores públicos, nos termos do art. 22 da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995.

Essa representação não se dá no interesse privado do agente, exigindo a identificação concreta do interesse público envolvido na decisão ou ato praticado por ele realizado, pressuposto indispensável à outorga de cobertura jurídica pela AGU.

Desconhecemos os fundamentos invocados pela AGU no deferimento, que devem ser formalizados em procedimento específico, cuja publicização aguardamos.

Dito isso, e com base nos fatos narrados na imprensa, há dificuldade em identificar o interesse público na concessão da defesa à ex-servidora que é acusada de nunca ter exercido, de fato, as atribuições do cargo que ocupou por 15 anos.

Cabe lembrar que a AGU é instituição permanente, prevista na Constituição. Seu papel abarca a defesa dos três Poderes e o exercício de advocacia de Estado.

Ao exercer a advocacia de Estado, a Advocacia-Geral da União contribui para a afirmação do Estado Democrático de Direito que consolida os valores e princípios fundamentais de uma democracia, inclusive a sujeição dos governos às leis e à Constituição.

A ANAFE defende uma AGU forte e comprometida com os ideais republicanos que, a exemplo das demais Funções Essenciais à Justiça, é guiada pelo interesse público, visando à concretização máxima do valor constitucional “Justiça”, ao lado dos demais atores institucionais que compõem o sistema (Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia).

A atividade de viabilização representação jurídica de servidores e autoridades, importante atribuição da AGU, não pode se confundir com a defesa de interesses privados. Assim, a pretensão de enquadrar o seu papel a partir de modelos não-estatais de advocacia – cujos legítimos interesses particulares não se condicionam necessariamente ao atendimento do interesse público – não se coaduna com o espírito democrático e republicano de sua criação em 1988.

Esperamos os esclarecimentos devidos, necessários ao resguardo da integridade institucional da Advocacia Pública Federal e de seus membros.”

ANAFE, Em Defesa do Interesse Público, Em Defesa de Quem Defende o Brasil!

O CASO

No governo de Bolsonaro (PL) o absurdo foi normalizado. E a democracia foi posta de “ponta cabeça”. É assim que esse episódio pode ser descrito. A AGU (Advocacia-Geral da União) defendeu na Justiça Federal em Brasília a rejeição de ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público contra Bolsonaro.

O caso envolve a contratação, à época em que ele era deputado federal, de “Wal do Açaí”, funcionária-fantasma. A AGU, então, usa a mudança na Lei de Improbidade aprovada pelo Congresso e assinada pelo próprio presidente para defender a rejeição da ação.

Segundo a AGU, o Ministério Público Federal não conseguiu comprovar qualquer ato ilegal do presidente e de Walderice Santos da Conceição, que foi secretária parlamentar do gabinete do então deputado Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, de 2003 a 2018.

Segundo o MP, em mais de 15 anos como contratada na Câmara ela nunca esteve em Brasília, embora tivesse que assinar ponto na capital federal.

DESVIO DE FINALIDADE

A AGU assumiu a defesa tanto de Bolsonaro quanto de “Wal do Açaí”. Segundo a Advocacia, eles acionaram a AGU sob o argumento de que a lei prevê a medida porque os atos foram cometidos enquanto eram servidores.

A Advocacia-Geral da União é o órgão federal responsável por representar os três poderes na esfera judicial e prestar consultoria jurídica ao Poder Executivo. Nesse caso da “Wal do Açaí” fica evidente o desvio do órgão. É até mais que desvio. É aparelhamento.

APURAÇÃO COMEÇOU EM 2018

Em 2018, o Ministério Público começou a investigar a contratação da funcionária-fantasma. A TV Globo teve acesso a trechos de depoimento dela a procuradores, em novembro do mesmo ano. Esta é uma das provas usadas na ação de improbidade administrativa contra Bolsonaro.

Na época, “Wal do Açaí” recebia da Câmara dos Deputados salário de R$ 1,4 mil. Ela deixou o cargo em 2018, após as primeiras denúncias. A “ex-assessora parlamentar” mora em Angra dos Reis, no litoral sul do Rio de Janeiro, cidade onde a família Bolsonaro tem casa de veraneio.

Ganhou o apelido de “Wal do Açaí”, mesmo nome da loja em que trabalhava na vila histórica de Mambucaba, distrito de Angra, como mostram fotos anexadas à ação. A loja ficava na rua da casa de Bolsonaro.

AMIGOS E EMPREGADA PARTICULAR COM DINHEIRO PÚBLICO

A ex-assessora contou aos investigadores que ela e Bolsonaro se aproximaram e desenvolveram amizade.

Após o depoimento, os procuradores deram prazo para que a defesa de “Wal do Açaí” entregasse documentos capazes de comprovar a prestação de serviço, como o extrato de telefone, mas nenhum material foi entregue.

Em 2020, a quebra de sigilo bancário mostrou que “Wal do Açaí” sacou quase 84% do salário que recebeu ao longo dos 15 anos: mais de R$ 238 mil. Os saques eram fracionados, o que, segundo os procuradores, pode indicar tentativa de burlar órgãos de controle.

O Ministério Público afirma que, na prática, Wal do Açaí prestou serviços particulares para Bolsonaro, cuidando da casa e dos cachorros, com a ajuda do marido.

FALSIDADE IDEOLÓGICA E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

O Ministério Público Federal afirmou que Bolsonaro atestou falsamente, por meio de folha de ponto, a presença de “Wal do Açaí” em Brasília para possibilitar o pagamento de salários.

Segundo os procuradores, houve enriquecimento ilícito tanto de Bolsonaro quanto de “Wal do Açaí”. Agora, a Justiça vai notificar os dois para que se manifestem sobre a acusação de improbidade administrativa.

ARGUMENTOS DA AGU

A AGU afirmou à Justiça que o Ministério Público Federal falhou em individualizar as condutas atribuídas ao presidente e à Walderice da Conceição.

A nova Lei de Improbidade, sancionada por Bolsonaro, passou a prever que é preciso comprovar a intenção de cometer as irregularidades para condenar pelo ato de improbidade.

“A rejeição [da ação de improbidade], portanto, é a única alternativa compatível com as regras atualmente vigentes no ordenamento jurídico brasileiro”, argumentou a Advocacia-Geral.

A AGU escreveu que as acusações do MPF “não passam de ilações feitas a partir de conhecimento do senso comum”.

“Isso acontece quando este tópico é abordado, pois o Parquet [Ministério Público] apenas se empenha em levantar supostos indícios em favor de suas teses quando fala do nível escolar da ré Walderice, dos seus conhecimentos para uso de computador etc”.

A AGU diz que o fato de “Wal do Açaí” nunca ter estado em Brasília não tem valor jurídico porque não passa de “indiferente jurídico”, já que as regras vigentes expressamente autorizavam a prestação de serviços no Estado de representação do deputado, no caso, o Rio de Janeiro.

EROSÃO DAS INSTITUIÇÕES

Segundo avaliação do professor de direito, Wallace Corbo, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a defesa de “Wal do Açaí”, pela AGU, é exemplo da erosão das instituições públicas no governo Jair Bolsonaro.

“Como a AGU vai justificar a defesa da ‘Wal do Açaí’, que, aparentemente, sequer exercia a função pública? […] Isso é uma prova de como essas instituições vinculadas ao Poder Executivo estão sendo erodidas e como existe forte apropriação do público pelo privado no governo”, analisou o professor.

M. V.

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