Memorando que veio a público nesta quinta-feira (08) revela que Brasil terá que pagar royalties, poderá ver os preços subirem unilateralmente e não poderá exportar vacinas produzidas pela Fiocruz
O jornalista Jamil Chade, do portal UOL, revelou nesta quinta-feira (08), em sua coluna, que as condições exigidas pela multinacional inglesa AstraZeneca para fornecer ao Brasil as doses e autorizar a produção no país de sua vacina, desenvolvida em conjunto com a Universidade de Oxford, são mais duras do que anteriormente foi divulgado.
O acordo da AstraZeneca com o governo brasileiro, segundo o colunista, “revela que a empresa estrangeira impôs condições sobre a venda da futura vacina contra a Covid-19, pagamento de royalties, manteve a patente sobre o produto e poderá até mesmo definir o que considera como a data do final da pandemia, já a partir de julho de 2021”.
ACORDO PROÍBE BRASIL DE EXPORTAR VACINAS
Além disso, em uma das cláusulas, há uma restrição explícita à distribuição da vacina produzida pela Fiocruz fora do Brasil.
Ainda sobre a íntegra do acordo do governo brasileiro com a multinacional inglesa, obtido pelo colunista do UOL, o memorando revela que, além do risco do insucesso dos testes, assumido pelo governo brasileiro, os custos para o abastecimento de 100 milhões de doses da futura vacina, que seria de cerca de US$ 300 milhões, passa a ficar em aberto já que os preços poderão sofrer alterações de acordo com a evolução da pandemia.
Pelo acordo com a empresa britânica, fica estabelecido que, se a vacina não der resultados, não haverá um reembolso. Pagamentos “não são reembolsáveis na hipótese de resultados negativos na pesquisa clínica”, diz o texto. Também fica acordado que o pagamento pela “transferência de knowhow (conhecimento) de produção de produto acabado é não-reembolsável”.
LABORATÓRIO PODERÁ DECRETAR UNILATERALMENTE O FIM DA PANDEMIA E OS PREÇOS PODERÃO SUBIR
Outro ponto que chamou a atenção foi a possibilidade dos preços das doses da vacina se alterarem com o “fim da pandemia”, decretado unilateralmente pela empresa.
O jornal Financial Times repercutiu esse item do memorando que dá à empresa britânica o poder de definir a data em que poderia ser decretado o fim da pandemia. A declaração de fim de pandemia, segundo o documento, estava previamente estabelecido em 1 de julho de 2021. O período de pandemia poderia ser ampliado. Mas, pelo acordo, isso dependerá exclusivamente da AstraZeneca.
Este tópico terá reflexos imediatos nos preços pagos pelas doses. Segundo a multinacional, um fornecimento de doses a um preço de custo só poderia ocorrer enquanto a pandemia durar. Depois disso, os valores terão de ser renegociados. Em outro trecho, também fica explicitado que a empresa concede a sublicença para produção, distribuição e comercialização da vacina para o “mercado publico brasileiro”.
A empresa britânica vem enfrentando problemas com os testes da vacina. O episódio do evento adverso grave que atingiu um dos participantes da pesquisa, paralisou por alguns dias todo o processo de testes da vacina. O retorno dos testes se deu em todos os países onde a vacina era testada, menos nos Estados Unidos. Lá os participantes não receberam a segunda dose da vacina. Um porta-voz da AstraZeneca procurou minimizar o impacto deste problema no resultado da pesquisa, mas o problema suscitou preocupações.
Em artigo publicado no HP em 20 de julho, o professor Eduardo Costa, médico-sanitarista, professor titular de Epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), já alertava para a necessidade de publicidade dos itens – que na época eram secretos – dos acordos do governo brasileiro.
Ele falava das duas principais vacinas em teste no Brasil, a da AstraZeneca, em conjunto com a Fiocruz, e a da Sinovac, com o Instituto Butantan.
“Não sabemos se o acordo do Instituto Butantan com uma empresa chinesa (Sinovac) e o da Fiocruz com uma inglesa (AstraZeneca) preveem a patente industrial, pois obteríamos de qualquer modo a licença produtiva. Não vimos nada a esse respeito no que foi divulgado”, dizia ele à época.
“Mas cremos que a COOPERAÇÃO E NÃO A CONCORRÊNCIA a nível mundial regem as bases desses acordos”, disse ele na ocasião.
Eduardo Costa afirmou que “o Instituto Butantan divulgou que para os testes clínicos terá de desembolsar R$ 85 milhões e não terá de pagar royalties, mas precisará investir na ampliação de seu parque fabril, sem divulgar números, ainda que tenha a plataforma tecnológica necessária. Mas poderia inicialmente fazer acordos de produção”.
Ele disse também, naquela oportunidade, que mesmo com custos relativamente elevados, valia a pena participar do projetos de produção das vacinas. Entretanto, as cláusulas que estão sendo tornadas públicas agora, revelam que os interesses da multinacional inglesa estão muito mais direcionados para a obtenção de lucros do que na direção da cooperação.
“A elevada quantia que o Brasil pagará para testar e desenvolver industrialmente o produto (USD 127 milhões), incluindo pouco mais de 30 milhões de doses e depois 2,30 US dólares por dose para outros 70 milhões de doses (USD 161 milhões) mesmo que não haja sucesso, valerá a pena por permitir a instalação de uma plataforma produtiva em Biomanguinhos que não temos no país, segundo seu diretor”, argumentou Eduardo Costa.
Com as revelações dos detalhes do acordo do governo brasileiro com a AstraZeneca nesta quinta-feira (08), o país toma conhecimento de que as exigências da multinacional, que eram secretas, são mais duras do que deviam ser e merecem ser melhor debatidas.
EXIGÊNCIAS RESTRINGEM AUTONOMIA DAS INSITUIÇÕES BRASILEIRAS
Essas exigências restringem a autonomia das instituições brasileiras e deixam em aberto os custos finais da aquisição das doses para a vacinação da população brasileira. O professor Eduardo Costa, por exemplo, afirmou ao HP que “a presidente da Fiocruz deverá dar maiores explicações sobre esses itens, já que ela avalizou o negócio”.
As cláusulas que vieram a público agora mostram que o país poderá ter que desembolsar muito mais recursos pelas doses da vacina porque ficarão na dependência de a empresa considerar o fim ou não da pandemia. Também definem que a patente será mantida em poder da empresa britânica e que o Brasil deverá pagar por sua utilização.
Além disso, outra cláusula restritiva impede que o Brasil possa doar ou comercializar qualquer dose da vacina fora de seu território, mesmo a que for produzida no Brasil. A cláusula diz explicitamente que seu seu uso só é permitido no “mercado público brasileiro”.
SÉRGIO CRUZ