A Rússia, a China e a ONU instaram Washington e Riad à “contenção” para evitar novo e devastador conflito no Oriente Médio, após acusações sem provas contra o Irã do secretário de Estado Mike Pompeo e tuitadas de Donald Trump, que se seguiram ao ataque com drones no sábado que pôs fora de operação a maior refinaria saudita e do mundo.
O ataque foi assumido oficialmente pelo comando militar das forças revolucionárias iemenitas, que enfrentam há quatro anos bombardeios, bloqueio naval e massacres encabeçados por Riad, que já mataram milhares de civis, deslocaram milhões de pessoas, destruíram a infra-estrutura e causaram fome em massa.
A Rússia alertou contra tirar “conclusões precipitadas” sobre a autoria dos ataques às instalações de petróleo da Arábia Saudita. “Pedimos a todos os países que evitem medidas ou conclusões precipitadas que possam exacerbar a situação e, pelo contrário, mantenham uma linha de conduta que ajude a amenizar o impacto da situação”, afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.
Para a China, são “irresponsáveis” as acusações dos EUA de que o Irã estava por trás desses ataques. “Pensar em quem deve ser responsabilizado por esse ataque, na ausência de uma investigação incontestável que permita tirar conclusões, não é, por si só, muito responsável”, afirmou Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, em uma coletiva de imprensa regular em Pequim na segunda-feira.
“A posição da China é que nos opomos a qualquer movimento que expanda ou intensifique o conflito”, acrescentou. Hua também pediu às partes relevantes que exercitem a contenção e “se abstenham de adotar medidas que levariam a uma escalada na região”.
No domingo, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, através de declaração lida pelo porta-voz Stéphane Dujarric, pediu a “todas as partes exercerem máxima contenção, evitando qualquer escalada nas tensões e cumprindo com a Lei Humanitária Internacional”. A mensagem condenou os ataques de sábado contra as instalações da Aramco [estatal de petróleo saudita], que, registrou, foram “reivindicados pelos Houthis”.
O governo de Riad anunciou que irá convidar especialistas internacionais e da ONU para as investigações sobre o ataque.
ENXAME DE DRONES
O ataque, que segundo as forças iemenitas consistiu de dez drones, atingiu a maior instalação de processamento de petróleo saudita em Abqaiq – por onde passa dois terços do que o país produz -, e ainda, mais a sudoeste, a refinaria de Khurais, interrompendo o refino de 5,7 milhões de barris diários, metade da capacidade de exportação da Arábia Saudita. As autoridades sauditas esperam restaurar parte da operação em Abqaiq em um prazo mais curto, mas a volta ao funcionamento integral poderá levar semanas, segundo analistas. A Arábia Saudita detém 188 milhões de barris de petróleo processado em reserva, o que garante cinco semanas de fornecimento, e há margem entre os produtores da Opep para aumentar a oferta.
Também Trump colocou à disposição as reservas estratégicas dos EUA: “com base no ataque à Arábia Saudita, que pode ter um impacto nos preços do petróleo, autorizei a liberação de petróleo da Reserva Estratégica de Petróleo, se necessário”.
POMPEO
Sem quaisquer investigações ou sequer tempo para isso, o maníaco de guerra Mike Pompeo – notório pela entrevista em que, como diretor da CIA, disse que “nós mentimos, nós fraudamos, nós roubamos” – imediatamente apontou o dedo para Teerã, asseverando que Washington ia “assegurar que o Irã fosse responsabilizado” por ter lançado “um ataque sem precedentes ao suprimento de energia do mundo”. O secretário de Estado insistiu em que “não há evidências de que os ataques vieram do Iêmen”.
A resposta iraniana foi rápida: o chanceler iraniano Mohamad Javad Zarif tuitou que Pompeo parecia estar mudando de uma campanha fracassada de “pressão máxima” para uma de “mentira máxima” e “embuste” contra o Irã. O chefe da diplomacia iraniana acrescentou que “os EUA e seus acólitos estão presos no Iêmen” e assinalou que “culpar o Irã não terminará o desastre”.
Na cúpula sobre a Síria em Ancara, o presidente Rouhani considerou o ataque iemenita como uma “medida recíproca” às agressões ao país em curso desde 2015. “O povo iemenita está exercendo seu legítimo direito de defesa… os ataques foram uma resposta recíproca à agressão contra o Iêmen durante anos”.
Quanto à ameaça de um ataque supostamente de ‘resposta’, um general da Guarda Revolucionária iraniana lembrou aos interessados que “todas as suas bases e porta-aviões dos EUA no Oriente Médio em um raio de 2.000 km estão ao alcance dos mísseis iranianos”. Quem sabe, o alerta haja sido ouvido no Pentágono, já que o Washington Post asseverou que este havia instado “à contenção para evitar conflito com o Irã sobre os ataques aos sauditas”. Conforme o Post, os “líderes militares estão preocupados sobre a possibilidade de uma custosa luta mesmo se nenhum soldado dos EUA ou instalação foram atingidos”.
TRUMP: “CARREGADO E DE DEDO NO GATILHO, MAS…”
O Washington Post apresentou uma análise sobre o que Trump fará, dizendo que ele está “dividido” entre as “grandes ameaças” e a “disposição de alcançar um acordo” (além do que isso iria pesar na eleição do ano que vem). “O presidente foi pego entre um imperativo político de confrontar o Irã – agradando falcões republicanos e os aliados Israel e Arábia Saudita – e seus próprios instintos contra intervenção estrangeira e na direção de fechar um acordo”.
As idas e vindas de Trump também foram registradas pelo The New York Times, que mostrou o presidente bilionário dizendo que “parecia que sim” que o Irã estava por trás dos ataques para depois acrescentar que isso “está sendo verificado”. “Mas Trump também disse que ‘gostaria de evitar’ um conflito militar com Teerã e reiterou seu interesse pela diplomacia”, acrescentou o jornal.
Depois de citar as “temíveis capacidades militares” dos EUA, o biliardário disse que “certamente gostaríamos de evitar [a guerra]”. “Eu sei, eles querem fazer um acordo”, disse sobre as autoridades iranianas. “Em algum momento, vai dar certo”.
Na análise do NYT, esses comentários de Trump “representaram uma notável mudança de tom em relação ao dia anterior”, quando ele escreveu no Twitter que os Estados Unidos “estavam ‘trancados e carregados’”, prontos para um ataque.
“SINAIS”
Ainda não existe uma investigação internacional isenta sobre o ataque, mas já há todo tipo de alegação. Segundo a mídia norte-americana, “uma autoridade sênior dos EUA, solicitada a não ser identificada, afirmou que as evidências mostram que a área de lançamento ficava a oeste-noroeste dos alvos – a direção do Irã e do Iraque – não ao sul do Iêmen. A mesma fonte, citando sauditas, garante que “há sinais” de que mísseis de cruzeiro foram usados no ataque.
Porta-voz da chancelaria iraniana, Abbas Mousavi, refutou tais comentários, que disse parecem “mais uma trama que está sendo planejada por organizações secretas e de inteligência que visam manchar a imagem de um país e preparar o terreno para futuras ações”.
Análise das imagens de satélite dos danos, que supostamente embasariam as acusações a Teerã, conforme o NYT foram “contestadas por especialistas independentes”.
A tese desses acusadores era de que as imagens sugeriam um ataque complexo e preciso que “excederia em muito” as capacidades que os houthis haviam demonstrado anteriormente – portanto, “aumentando a probabilidade de envolvimento do Irã”. “Ainda assim, especialistas disseram que as imagens eram insuficientes para provar de onde veio o ataque, quais armas foram usadas e quem as disparou”, apontou o NYT.
Especialistas da ONU afirmaram que os Houthis obtiveram recentemente drones com alcance de até 1.500 km – e um ataque de agosto a um oleoduto revelou então a evolução da capacitação da resistência iemenita. As alegações de que os drones – ou mísseis de cruzeiro – poderiam ter partido de território iraquiano foram desmentidas pelo primeiro-ministro Adel Abdul-Mahdi.
No mais recente comunicado iemenita, o porta-voz das forças revolucionárias, general Yahya Saree’e “advertiu empresas e estrangeiros a não estarem presentes nas instalações atingidas por nossos ataques porque podemos atacá-las novamente a qualquer momento”. Ele acrescentou, ainda, que suas forças podem atacar à vontade em qualquer lugar da Arábia Saudita, e suas ações contra o regime de Riad “se expandirão e serão mais dolorosas”. O comando iemenita, ao assumir a responsabilidade pelo ataque, esclareceu que este ocorreu após “uma operação de inteligência precisa e um monitoramento e cooperação avançados de homens honoráveis e livres no Reino”. E concluiu apontando que “não há solução para o regime saudita, exceto parar a agressão e o cerco ao nosso país”.
ANTONIO PIMENTA