Com a ONU e a Cruz Vermelha Internacional advertindo sobre um iminente agravamento “catastrófico” da crise humanitária no Iêmen, a coalizão encabeçada pelos sauditas, e que Washington arma e chancela, prosseguiu pelo terceiro dia (15) o assalto por terra, ar e mar ao porto de Hodeidah, no Mar Vermelho, que é o acesso do país a alimentos, remédios, combustível e ajuda humanitária. O relator especial da ONU para a Prevenção de Genocídio, Adama Dieng, condenou o ataque e afirmou que “matar civis pela fome como método de guerra é um crime de guerra e foi condenado pela resolução 2417 do Conselho de Segurança da ONU de 24 de maio de 2018”.
“Parece que o primeiro teste desta resolução é em Hodeidah”, detacou.
70% de tudo o que o Iêmen importa passa por Hodeidah. O ataque foi desencadeado poucos dias antes da apresentação ao Conselho de Segurança da ONU, na próxima segunda-feira (18), pelo enviado especial da ONU ao país, Martin Griffiths, de um plano de saída negociada para a crise. A guerra de agressão dos feudais do Golfo ao Iêmen já matou mais de 13 mil pessoas nos combates e bombardeios, mas, segundo a organização humanitária Care, só no ano passado morreram de fome 50 mil crianças. Epidemia de cólera atingiu um milhão de iemenitas e matou 2.500, após bombardeios destruírem hospitais e instalações de tratamento de água.
Conforme depoimento na segunda-feira do chefe da ajuda humanitária, Mark Lowcock, ao Conselho de Segurança da ONU, um ataque a Hodeidah seria “catastrófico”. O número de civis iemenitas passando fome dobraria, para 18 milhões, pois o país depende de importações para 90% dos seus alimentos.
A Rússia considerou o ataque “um grande golpe” para as perspectivas de “uma solução política” para a crise do Iêmen. A chefe da diplomacia da União Européia, a italiana Federica Mogherini, alertou sobre o “impacto devastador” da batalha pelo porto e considerou que só levará “a uma escalada e instabilidade no Iêmen”. O CS limitou-se a um apelo para que os portos de Hodeidah e de Salsify “sejam mantidos abertos” e que “todos os lados cumpram suas obrigações sob a lei humanitária internacional”, apesar de proposta da Suécia de “congelamento imediato” do ataque.
Griffiths havia pedido “mais tempo” para negociar a suspensão do ataque e que fosse dada “uma chance a paz”. A Cruz Vermelha Internacional, em comunicado assinado por seu diretor no Oriente Médio, Robert Mardini, afirmou que “itens que salvam vidas não podem ser dados aos necessitados, enquanto os combates estão em andamento”.
O ataque inclui milhares de soldados dos Emirados e mercenários, com a Arábia Saudita responsável pelos bombardeios aéreos. Só no primeiro dia, no decorrer de meia hora, foram 30 ataques aéreos, relataram testemunhas. Segundo as autoridades do governo revolucionário do Iêmen, o porto continua operando e as forças de defesa afundaram um navio de guerra dos feudais do Golfo e obrigaram outro a se afastar. Fontes da coalizão feudal asseveram ter se aproximado do aeroporto. O líder revolucionário Abdel Malek Al Houthi, do movimento Ansarullah, convocou “todos às linhas de frente para combater os instrumentos dos Estados Unidos e de Israel”.
A invasão saudita já dura três anos, desde 2015, após uma revolta popular ter posto para correr um fantoche imposto por Washington e Riad. Os EUA forneceram os aviões, navios de guerra, bombas e mísseis usados para devastar o Iêmen e massacrar seu povo. O Pentágono também mantém um centro de comando “conjunto”, seleciona alvos dos ataques, reabastece os aviões sauditas e até deslocou boinas verdes para a fronteira com o Iêmen. As encomendas para a indústria bélica ianque passam de US$ 115 bilhões, entre os governos Obama e Trump. Impensável um ataque a Hodeidah sem a luz verde de Washington – ainda mais após Trump rasgar o Acordo com o Irã.
Na análise do International Crisis Group, a operação contra Hodeidah será “sangrenta e prolongada”, deixando milhões de pessoas sem comida e combustível. Moradores das áreas próximas ao aeroporto disseram à Reuters que helicópteros de ataque Apache estavam realizando ataques intensivos. “As pessoas estão com medo, os navios de guerra são aterrorizantes e aviões sobrevoam o tempo todo”, afirmou a estudante Amina, de 22 anos. “As pessoas estão fugindo da cidade para o campo, mas para quem não tem parentes ou dinheiro, não há como escapar”. A ofensiva saudita também tenta bloquear a estrada que liga o porto à capital, Sanaa.
A resistência do povo iemenita a agressores muito melhor armados e com mais estrutura surpreendeu até os que vinham acompanhando o desenrolar da revolução em curso, que congrega diferentes setores nacionais, xiitas e sunitas, e já passou por várias fases. Um dos países mais pobres do mundo, o Iêmen vem sendo arrasado ao custo de um assombroso jorro de petrodólares, que só servem para encher as arcas da Raytheon, Northrop, Lockheed, Boeing e outros vampiros, e para manter a panela de pressão no Oriente Médio, ameaçando o Irã e aliviando Israel.
Após se reunir na semana passada com o príncipe coroado saudita, Mohammed bin Salman, o chefe do Pentágono, ‘Mad Dog’ Mattis, asseverou aos repórteres que o que o contingente de conselheiros ianques faz no comando conjunto que supervisiona a campanha no Iêmen é garimpar inteligência para evitar “danos aos civis”, o que explicou, “é o nível trigonométrico do modo de guerra”. O que o mais prosaico Wall Street Journal viu como uma “lista de alvos”.
ANTONIO PIMENTA