Ataque de Aras à Lava Jato é para acoitar corrupção de Bolsonaro e aliados

O procurador geral Augusto Aras, com seu protetor (foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Disse o procurador geral da República, Augusto Aras, na tarde de quarta-feira, que “a República não combina com heróis“.

Presume-se, portanto, que, na sua opinião, a República deve combinar com ladrões – corruptos e puxa-sacos. Pois ele estava falando, exatamente, contra o combate à corrupção, em desavergonhado puxa-saquismo de Bolsonaro.

Aras repetia a senadores o conteúdo de sua “live” da noite de segunda-feira, em que atacou a força-tarefa da Operação Lava Jato – que, segundo ele, teria 300 terabytes em seus arquivos virtuais.

Aras não disse que algo nesses arquivos seja ilegal ou obtido ilegalmente; como replicaram os procuradores da força-tarefa, “a extensão da base de dados só revela a amplitude do trabalho até hoje realizado na Operação Lava Jato (…) Para que se tenha ideia, por vezes apenas um computador pessoal apreendido possui mais de 1 terabyte de informações“.

Portanto, Aras pretende insinuar algo ilegal, sem dizer que há alguma ilegalidade, e, pior, sem prová-lo – e sem a mínima preocupação em provar.

Pode ser (e é) o comportamento de um chicaneiro – mas inadmissível em um procurador geral da República.

Além disso, Aras declarou que a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba tem 38 mil pessoas investigadas – o que é mentira. Aras, simplesmente, citou um número aproximado de pessoas (físicas e jurídicas) mencionadas nos relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) ao Ministério Público, como se fossem pessoas “investigadas” pela força-tarefa da Lava Jato do Paraná.

Em Curitiba, há 116 processos da Operação Lava Jato e foram condenados 165 réus por corrupção, incluídos aqueles que já foram condenados em duas instâncias.

A melhor prova dessa corrupção é o total de valores previstos, até agora, para devolução aos cofres públicos: R$ 14 bilhões e 300 milhões (quatorze bilhões e trezentos milhões de reais).

Aras não disse o que considera ilegal nas atividades da força-tarefa da Lava Jato – no momento, nem mesmo pode acusar o ex-juiz Moro, que há muito está fora do caso, desde que foi para o mesmo governo que Aras, do qual, em boa hora, saiu.

Mas é essa última questão o problema. Aras foi nomeado procurador geral da República, contra os integrantes do Ministério Público Federal, por Bolsonaro.

Por que Bolsonaro necessitava nomear alguém contra os procuradores que compõem o Ministério Público Federal?

Porque queria, evidentemente, alguém que coibisse a ação do Ministério Público, alguém que, supostamente, controlasse os procuradores, em prol de seus interesses – em português claro, para submeter os procuradores aos interesses da família Bolsonaro.

Como deixou implícito o procurador Pozzobon, não é na força-tarefa da Lava Jato que há falta de transparência, mas nas relações de Aras com Bolsonaro (“A transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR pelo presidente Bolsonaro. O transparente processo de escolha a partir de lista tríplice, votada, precedida de apresentação de propostas e debates dos candidatos, que ficou de lado, fez e faz falta”, escreveu Pozzobon).

Pode-se criticar a força-tarefa, pode-se discordar disso ou daquilo. Nós mesmos, inúmeras vezes, manifestamos pontos de vistas discordantes.

Mas o que Aras fez foi declarar guerra à Operação Lava Jato, ou seja, ao combate à corrupção realizado através do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Receita Federal – os órgãos que levaram à frente uma Operação que, com todos os seus problemas (os verdadeiros, não os fictícios), levou ao banco dos réus alguns ratos da República, que há muito andavam à fresca pelo país.

Não é possível interpretar de outro jeito a sua declaração de que “agora é a hora de corrigir os rumos para que o lavajatismo não perdure”.

“Corrigir os rumos” de quê?

De eventuais problemas em ações da Operação Lava Jato ou eventuais problemas nos procedimentos da força-tarefa da Lava Jato?

É evidente que não é disso que Aras está falando. Caso contrário, não usaria a expressão “para que o lavajatismo não perdure”. É claro que a única razão para o uso dessa expressão é a tentativa de acabar com o próprio combate à corrupção, dentro do Ministério Público, que teve e tem na Operação Lava Jato o seu símbolo.

Aras não quer “corrigir os rumos” de nada. Quer acabar com o combate à corrupção. Daí esse desejo de que “o lavajatismo não perdure”, isto é, acabe.

Quanto à Operação Lava Jato propriamente dita, houve, até agora, 210 condenados por corrupção em Curitiba, no Rio de Janeiro e em São Paulo – e nenhuma dúvida séria sobre a culpa desses réus ou nenhuma argumentação séria de que seriam inocentes.

Nenhuma instância da Justiça – inclusive o STF – impugnou ou desmentiu a enxurrada de corrupção que foi apurada pela Lava Jato. No máximo, contestou-se procedimentos e entendimentos em casos específicos.

O próprio chefe de Aras, Bolsonaro, fez campanha eleitoral com elogios babosos à Lava Jato – e até nomeou o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro (que, em um mau momento da vida, aceitou o cargo), para “ministro da Justiça e Segurança Pública”.

O que mudou agora?

O que mudou é que Bolsonaro quer se proteger, e à sua família, e a seus sequazes, da ação do Ministério Público contra a corrupção.

O caso Flávio Bolsonaro/Fabrício Queirós é somente o começo – ou somente a ponta do que pode aparecer.

Além disso, Bolsonaro joga, agora, as suas fichas no chamado “centrão”, onde o número de potenciais atingidos pelas operações contra a corrupção não é pequeno.

Assim, o que Aras está fazendo, mais uma vez, é advogar administrativamente pelos interesses de Bolsonaro. Outra vez, em português claro: o que Aras está fazendo é usar o seu cargo público para impedir que as ações suspeitas de seu chefe possam ser investigadas.

Toda a conversa e as juras de amor à Lava Jato, de Bolsonaro na época da campanha eleitoral, transformaram-se em ódio à Lava Jato, em sanha para destruir a ação do Ministério Público e da Polícia Federal contra a corrupção.

O primeiro alvo dessa sanha foi o Coaf, castrado sem mais inibições por Bolsonaro.

Agora, Aras tenta colocar uma camisa de força nos procuradores do Ministério Público Federal.

Que alguns indivíduos – inclusive o lastimável Toffoli – tenham se assanhado com o ataque de Bolsonaro e asseclas ao Ministério Público, aliás, ao combate à corrupção por parte do Ministério Público, apenas demonstra que certas questões são mais importantes para alguns do que o fascismo bolsonarista.

Trata-se de uma triste identidade, que os faz esquecer rapidamente os interesses do país e do povo brasileiro.

RESPOSTA

Respondendo à acusação de Aras de que a força-tarefa da Lava Jato manteria “caixas de segredos” com “milhares de documentos ocultos” – uma declaração irresponsável, até porque sem provas, por parte de um elemento que ostenta o título de procurador geral da República -, os procuradores lembraram que “não há na força-tarefa documentos secretos ou insindicáveis das Corregedorias. Os documentos estão registrados nos sistemas eletrônicos da Justiça Federal ou do MPF e podem ser acessados em correições ordinárias e extraordinárias”.

A íntegra da nota da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba é a seguinte:

Os procuradores da República integrantes da força-tarefa constituída pelo Ministério Público Federal para atuar na operação Lava Jato repudiam as declarações infundadas lançadas em ‘live’ realizada na noite de 28 de julho de 2020, com a participação do Procurador-Geral da República e advogados que patrocinam a defesa de influentes políticos e empresários investigados ou condenados na operação Lava Jato.

1. Devem ser refutados os ataques genéricos e infundados às atividades de procuradores da República e as tentativas de interferir no seu trabalho independente, desenvolvido de modo coordenado em diferentes instâncias e instituições.

A independência funcional dos membros do Ministério Público transcende casos individuais e é uma garantia constitucional da sociedade brasileira de que o serviço prestado se guiará pelo interesse público, livre da interferência de interesses diversos por mais influentes que sejam.

2. A ilação de que há ‘caixas de segredos’ no trabalho dos procuradores da República é falsa, assim como a alegação de que haveria milhares de documentos ocultos. Não há na força-tarefa documentos secretos ou insindicáveis das Corregedorias.

Os documentos estão registrados nos sistemas eletrônicos da Justiça Federal ou do Ministério Público Federal e podem ser acessados em correições ordinárias e extraordinárias. As investigações e processos são ainda avaliados pelas Corregedorias e pelo Poder Judiciário, pelos advogados de investigados e réus e pela sociedade.

3. A extensão da base de dados só revela a amplitude do trabalho até hoje realizado na operação Lava Jato e a necessidade de uma estrutura compatível.

Ao longo de mais de setenta fases ostensivas e seis anos de investigação foi colhida grande quantidade de mídias de dados – como discos rígidos, smartphones e pendrives – sempre em estrita observância às formalidades legais, vinculada a procedimentos específicos devidamente instaurados.

Para que se tenha ideia, por vezes apenas um computador pessoal apreendido possui mais de 1 terabyte de informações.

4. É falsa a suposição de que 38 mil pessoas foram escolhidas pela força-tarefa para serem investigadas, pois esse é o número de pessoas físicas e jurídicas mencionadas em Relatórios de Inteligência Financeira encaminhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) ao Ministério Público Federal, a partir do exercício regular do seu trabalho de supervisão de atividades suspeitas de lavagem de dinheiro.

5. Investigações de crimes graves que envolvem políticos e grandes empresários desagradam, por evidente, parcela influente de nossa sociedade, que lança mão de todos os meios para desacreditar o trabalho até então realizado com sucesso.

Nesse contexto, é essencial que as Instituições garantam a independência funcional dos membros do Ministério Público, conforme lhes foi assegurado pela Constituição de 1988.”

CARLOS LOPES

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