Ameaça até trocar o comando geral
Queiroz tentou apagar o rastro ligando Flávio a miliciano, conclui Gaeco
Na semana passada veio à tona a informação, divulgada pelo jornal O Globo, de que o ex-policial e ex-motorista do então deputado estadual fluminense, Flávio Bolsonaro (PSL), Fabrício Queiroz, demitiu Danielle Nóbrega, mulher do miliciano foragido Adriano Nóbrega, no mesmo dia em que veio a público a notícia da investigação sobre movimentações milionárias em sua conta e na do deputado, em dezembro de 2018.
Naquela data, Danielle Nóbrega, que era lotada como fantasma no gabinete do parlamentar na Assembléia Legislativa do Rio, recebeu uma mensagem de Queiroz pelo Whatsapp comunicando a ela a sua exoneração e pedindo que Danielle evitasse usar o sobrenome do ex-marido miliciano.
Para reforçar o pedido, Queiroz encaminhou uma foto, divulgada pela mídia na época, na qual ele e Flávio aparecem juntos, lado a lado, no gabinete.
Queiroz explicou que o motivo era o fato de que os dois [ele e o deputado] eram alvos de uma investigação do Ministério Público e da Polícia Federal.
Ou seja, ele pediu a Danielle Nóbrega para não se comunicar mais com ele e fingir que não conhecia o miliciano com quem havia sido casada por muito tempo. Queiroz visava apagar os rastros que ligam o gabinete de Flávio às milícias.
Milicias essas que começaram a ser investigadas pela PF, segundo reportagem do jornal Valor, por terem sido flagradas achacando um grupo de doleiros lavadores de dinheiro. O inquérito da PF envolvendo milicianos chegou a Bolsonaro e o Planalto começou a disparar críticas contra a direção do órgão no Rio.
Queiroz estava com dificuldades de apagar as ligações do gabinete de Flávio com integrantes das milícias do Rio de Janeiro porque elas são mais antigas ainda do que aparentam.
MILICIANO FORAGIDO
O ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, miliciano expulso da PM e integrante do Escritório do Crime, uma espécie de central de assassinatos de aluguel das milícias, suspeito de participar do assassinato da vereadora Marielle Franco, além de empregar a mãe a mulher, recebeu, a pedido do filho do presidente, duas honrarias, de louvor e congratulações, por “serviços prestados” à Polícia Militar e ao Rio de Janeiro.
A primeira homenagem foi uma moção, concedida em outubro de 2003, por comandar um patrulhamento tático-móvel, quando estava no 16º BPM (Olaria). Na época, Nóbrega era primeiro-tenente. No pedido, Flávio escreveu na justificativa para a homenagem que ele devia receber a comenda “pelos inúmeros serviços prestados à sociedade”.
Dois anos depois, em 2005, o miliciano Adriano recebeu das mãos de Flávio a medalha Tiradentes, principal honraria da Assembléia Legislativa, também com elogios à sua carreira na PM. Ele já estava preso, à época, respondendo pela morte do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, de 24 anos, na favela de Parada de Lucas, Zona Norte do Rio. Familiares disseram que antes de morrer Leandro tinha denunciado PMs que praticavam extorsões a moradores na comunidade.
SUPERINTENDÊNCIA DO RIO
A ofensiva de Jair Bolsonaro para substituir o superintendente da Polícia Federal do Rio, delegado Ricardo Saadi, tem a ver com um inquérito da PF que investiga a existência do esquema de lavagem de dinheiro, envolvendo milícias. A PF já havia encontrado indícios de que havia um esquema de lavagem de dinheiro operado de dentro do gabinete de Flávio Bolsonaro, segundo o jornal Valor.
A PF e o MP suspeitaram das origens dos recursos milionários manipulados por Queiroz. Ele, um motorista assalariado, pagara uma conta de mais de R$ 100 mil ao Hospital Israelita Albert Einstein em dinheiro vivo. De onde estariam vindo esses recursos?, indagavam os investigadores. Além disso, sem explicar a origem dos recursos, Queiroz passou a residir num bairro de luxo na Zona Oeste de São Paulo.
As investigações puseram milicianos do Rio e o gabinete da Alerj no radar da Polícia Federal (PF), já que o ex-policial Fabrício Queiroz tinha ligações íntimas com Adriano Nóbrega, de quem se dizia amigo, e que já tinha emplacado mãe e mulher no gabinete.
Bolsonaro foi informado por “amigos” sobre as investigações conduzidas pela PF e não sossegou enquanto não afastou o delegado Saadi da superintendência do Rio. Bolsonaro queria colocar em seu lugar um delegado do Amazonas, Alexandre Saraiva, com ligações com Flávio. O plano era perfeito.
O pretexto usado para tirar Saadi, de que este tinha problemas de pouca produtividade, não foi engolida pela cúpula da PF. Superintendentes ameaçaram entregar os cargos caso ele insistisse na nomeação. Bolsonaro foi obrigado a recuar, mas, a partir de então, iniciou uma violenta pressão para substituir Maurício Valeixo na direção geral da Polícia Federal. Espera-se para qualquer momento a saída de Valeixo.
Mesmo que precise atropelar e desmoralizar Sérgio Moro, o objetivo central de Bolsonaro é paralisar de qualquer forma as investigações que a PF vem conduzindo no Rio sobre os laços do gabinete de seu filho e do ex-policial Queiroz, com as milícias.
DESMONTE DO COAF
Outras medidas tomadas por Bolsonaro visando livrar a barra do filho, o “01”, foram as mudanças no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Primeiro ele tirou o órgão das mãos de Moro e transferiu para Paulo Guedes, no Ministério da Economia.
Depois, ao tomar conhecimento de que seu diretor, Roberto Leonel, tinha reclamado da decisão do ministro Dias Toffoli, de interromper, a pedido de Flávio, todas as investigações que tiveram base em informações do Coaf repassadas para as autoridades, Bolsonaro pediu a cabeça do diretor.
O Coaf foi o órgão que ousou identificar e denunciar as movimentações financeiras suspeitas de Fabrício Queiroz e de Flávio.
Não satisfeito em demitir o diretor do órgão, Bolsonaro resolveu acabar com o Coaf. Em seu lugar foi criado um outro órgão de “inteligência financeira” que foi transferido para o terceiro escalão do Banco Central. A MP de Bolsonaro abriu, inclusive, a possibilidade de indicações políticas para o órgão. Com isso, o que ele busca, na verdade, é o controle total do Coaf.
ATAQUES À RECEITA FEDERAL
Ao mesmo tempo que estrangulava o Coaf, o governo fez pressões sobre a direção da Receita Federal, outro órgão que vinha sendo acionado pelo MP do Rio para investigar as movimentações financeiras suspeitas de Flávio e Queiroz.
Um outro fato suspeito foi que o presidente brigou pela substituição do delegado de alfândega do porto da cidade de Itaguaí, no Rio, José Alex de Oliveira.
A Receita Federal ficou perplexa com a notícia, divulgada pela imprensa à época, de que o superintendente da Receita Federal no Rio de Janeiro, Auditor-Fiscal Mário Dehon, seria exonerado da função em razão de não ceder a um pedido de nomeação para um substituto para Delegado da Alfândega do Porto de Itaguaí/RJ.
A área do Porto de Itaguaí é dominada pelas milícias e é a principal porta de entrada do contrabando de armas no estado. Como se os funcionários adivinhassem as reais intenções do “mito”, ele foi advertido de que a inexperiência de seu indicado favoreceria diretamente a ação da milícia.
Informações obtidas pelo jornal O Globo, confirmaram que a troca de mensagens entre Queiroz e a mulher de Adriano, o miliciano foragido, não era pública. E que Queiroz já havia deixado, ao menos formalmente, o cargo no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Ele foi exonerado entre o primeiro e o segundo turno da eleição, em outubro do ano passado. Como se pode inferir dessas informações, apesar de exonerado, Queiroz continuava prestando serviços a Flávio Bolsonaro.
Para o Ministério Público, os valores recebidos por Danielle na Assembléia do Rio funcionavam como uma espécie de sinecura. Não há qualquer indício de que ela, de fato, exercia as funções de assessora parlamentar. Apesar de ter ficado mais de uma década lotada no gabinete de Flávio na Alerj – 6 de setembro de 2007 a 13 de novembro de 2018 – ela nunca teve crachá na Alerj. O salário dela era de R$ 6.490,35.
A exoneração de Danielle ocorreu no mesmo dia do afastamento de Raimunda Veras Magalhães, mãe de Nóbrega, que também tinha cargo no gabinete de Flávio desde junho de 2016. Diferentemente de Danielle, a mãe do miliciano foi alvo do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que identificou a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão de Queiroz entre 2016 e 2017 e de R$ 7 milhões entre 2014 e 2017.
No relatório, que originou a investigação sobre Flávio Bolsonaro, a mãe de Adriano aparece entre os oito assessores que fizeram repasses para a conta de Queiroz. Ao todo, foram R$ 4,6 mil na conta dele ao longo de 2016.
Ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Adriano foi expulso da PM em 2014. Ele era o chefe do Escritório do Crime, uma facção miliciana especializada em matar sob encomenda.
DEMISSÃO DE VALEIXO
A decisão, anunciada por Bolsonaro de substituir o diretor geral da PF, Guilherme Valeixo, indicado por Sérgio Moro, é uma clara indicação de que o Planalto busca incessantemente paralisar as investigações sobre Flávio Bolsonaro.
As medidas tomadas pelo presidente visam enterrar as suspeitas da PF de que o gabinete do então deputado e seu filho serviu de abrigo para um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo milicianos do Rio. É isso o que se deduz de toda a movimentação dos últimos dias de Bolsonaro.
S. C.
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