
“É vedado bombardear instalações nucleares. Além disso, o tratado garantia o compromisso de todos os países que detinham essa capacidade de, num prazo, desmantelarem seus arsenais nucleares. Isso não tem acontecido”, alertou o professor da USP
O professor Ildo Sauer, titular do Instituto de Energia da USP e ex-diretor da Petrobrás, afirmou neste domingo (15), em entrevista à CNN e ao HP, que o ataque de Israel às instalações nucleares do Irã constitui-se num “crime contra o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares”.
Ele disse que a reação do Irã virá inevitavelmente. “O que se sabe agora é que o parlamento do Irã, depois desse ataque de Israel, já está propondo a retirada do Irã do Tratado de Não-Proliferação, o que seria um passo para dizer que “agora nós vamos avançar”.
ATAQUE À INFRAESTURUTA NUCLEAR
“Eu quero lembrar que o Tratado de Não-Proliferação garantia o compromisso de todos os países que detinham essa capacidade de, num prazo, desmantelarem seus arsenais nucleares. Isso não tem acontecido desde a concepção e assinatura do Acordo. É o contrário. Cada vez mais países estão desenvolvendo, inclusive, especialmente aqueles que não são signatários, como o Paquistão, a Índia e a Coreia do Norte, principalmente”, apontou o professor.

Ildo Sauer frisou que o que Israel fez foi um crime. “Esse é o primeiro problema. Ele atacou porque Israel provavelmente sabe que já há uma capacidade tecnológica do Irã de, se quiser, tendo enriquecido o Irã de 20% ou 60%, no próximo estágio, enriquecer a 90% com as mesmas instalações e, num prazo relativamente curto, eventualmente produzir uma bomba semelhante àquelas muitas que Israel já tem”, afirmou.
Para o especialista, há uma assimetria hoje no mundo em relação às armas nucleares. “Todo mundo sabe que Israel, em função do apoio de vários países, principalmente os Estados Unidos, tem várias bombas nucleares. Não se sabe quantas, imagina-se, que seja em torno de 90”, disse ele.
ASSIMETRIA MUNDIAL
“Então”, acrescentou, “isso mostra, mais uma vez, a assimetria que existe no mundo hoje entre aqueles países que assinaram o Tratado de Não-Proliferação e os que não assinaram. “Então, o Irã está se retirando do acordo e o problema todo é este”.
“O Tratado de Não-Proliferação diz que qualquer ataque a instalações nucleares é vedado”, explicou Ildo Sauer. O professor destacou que o Irã desenvolveu sua tecnologia de enriquecimento para fins pacíficos, pelo menos nominalmente. Desenvolveu a capacidade, assim como o Brasil.
“O nosso país tem um paralelo muito interessante com o Irã. O Brasil também desenvolveu, nós, na Marinha, com os civis, na década de 80 e 90, desenvolvemos a tecnologia de enriquecimento com ultracentrifugação, semelhante ao que o Irã tem hoje”, afirmou.
Ildo considera que esses episódios vão trazer de volta uma discussão importante sobre a política nuclear em todo o mundo. “As instalações do Irã, não há detalhes muito claros, mas é importante recuperar o seguinte, o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que o Irã assinou, é o mesmo que o Brasil, me parece equivocadamente, também assinou, porque não precisava. Já havia o Tratado de Salvaguardas com a Argentina, havia o Tratado de Salva Guardas do Tlatelolco, que torna a América do Sul região desnuclearizada, mesmo assim o governo Fernando Henrique, nos anos 90, resolveu assinar”, pontuou o especialista.
NOVAS DISCUSSÕES
“Estou trazendo esse episódio porque acho que há implicações nesse debate, que podemos abordar depois, para o Brasil e para o mundo nessa história”. Então, o Irã está se retirando do acordo e o problema todo é este, ele foi atacado por Israel”.
Ido Sauer acrescentou que “essa situação atual da guerra entre Israel e Irã coloca uma questão mais séria que permite, inclusive, o Brasil buscar um papel de protagonismo”. “O Brasil detém a capacidade de enriquecimento desenvolvida nos anos 80 e poderia até, embora não se queira isso, desenvolver armas nucleares”, disse. Para ele, o Brasil precisa deixar de ser um país que não assume o controle de seu destino e que se permita ser permanentemente ameaçado por países que detêm armamentos nucleares.

“As bombas originais eram apenas bombas de fissão”, explicou o professor. “Enriquecia-se o urânio, ou usava-se reatores de urânio natural para produzir plutônio, como em Nagasaki, ou urânio em Hiroshima, para fazer uma bomba. Posteriormente, depois da Segunda Guerra, já passou-se a entender o seguinte, que a primeira etapa é ter uma bomba de fissão nuclear com urânio enriquecido a mais de 90% ou plutônio a mais de 90%, plutônio-239, urânio-235, como detonador de uma bomba de hidrogênio, que é muito mais potente”, prosseguiu.
PESADELO NUCLEAR
Sauer defendeu que “o Brasil deveria, diplomaticamente, dizer, olha, países nuclearizados e países que detêm armas, como Israel, Paquistão e Índia, que não assinaram o tratado, ou todo mundo renuncia e coloca o plutônio e o urânio enriquecido sob salvaguarda da Agência Internacional de Energia Atômica, que é um órgão das Nações Unidas, e livra a humanidade desse pesadelo da ameaça nuclear, ou então todos os países, inclusive o Brasil, têm o direito de se defender”.
“Porque, veja bem, hoje o que está acontecendo é o seguinte, um país nuclearizado, notoriamente, atacando um país que aparentemente ainda não tem a bomba, no limite extremo, ele está sendo ameaçado”, afirmou Ildo.
“Este caminho é um caminho contra a humanidade, contra a paz no mundo, e eu acho que nós, cientistas da área nuclear, nunca achamos que este conhecimento e esta capacidade deveria produzir como resultado essa enorme assimetria entre os países que detêm o poder de se impor aos demais”, denunciou o professor.
Países como Estados Unidos, China, Rússia, Inglaterra, França e aqueles que não assinaram o tratado, Paquistão, Índia e Israel, e Coreia do Norte, não podem ter este poder sobre os demais”, destacou Ildo Sauer.
CIVILIZAÇÃO PERSA
Sobre a capacidade do Irã recuperar-se dos danos causados pelos ataques israelenses, Ildo lembrou que o Irã tem grande acúmulo. “O Irã é herdeiro de uma longa civilização de quase cinco milênios do Império Persa”, disse ele. “Eu, pessoalmente, quando fiz o doutorado em engenharia nuclear no MIT, tive vários colegas iranianos. Isso já depois da Revolução de 1979 do Ayatollah Khomeini. No Irã, já nos anos 70, havia um programa nuclear, nos tempos do Xá Reza Pahlavi, incentivado pelos Estados Unidos”, contou.
“Então”, prosseguiu Ildo, “há uma capacidade tecnológica científica do Irã construída de maneira absolutamente sólida ao longo de décadas. Eu diria que o Irã está num patamar semelhante ao nosso no Brasil. Embora nos últimos anos nós tenhamos abandonado a área nuclear, nós desenvolvemos a capacidade de enriquecimento e as ultracentrífugas que o Irã tem. Aqui no Brasil nós também temos, só para fazer uma comparação”.
“Nesse sentido, a possibilidade de prosseguir o conhecimento, o Irã não depende de outros países. Veja, porque do ponto de vista da energia nuclear para fins pacíficos, o Irã já tem todas as condições de fazê-lo”, destacou.
TECNOLOGIA DE MÍSSEIS
“Outra questão é que eles já demonstraram claramente que têm, é a tecnologia dos mísseis. Os mísseis que são necessários, ou aviões ou mísseis, para levar uma bomba para o destino. De maneira que eu acho que, independentemente disso tudo, o Irã tem condições, se sair efetivamente do acordo e não houver um ataque brutal de Israel, este, aparentemente causou danos, mas provavelmente esses danos não são irreversíveis”, prosseguiu.

“Os Estados Unidos teriam uma dificuldade enorme de atacar o Irã pela presença da China e da Rússia, que deveria uma ação unilateral desse porte, que é uma desestabilização da paz global”, avaliou Ildo.
“Então, me parece que isso não está no horizonte. Quanto à decapitação, através da morte de cientistas, tanto da área militar quanto da área nuclear, isso já aconteceu antes, já foram mortos vários cientistas, mas, note bem, um programa desse tipo não é coisa da cabeça de uma pessoa. Eu próprio participei do Programa Nuclear Paralelo Brasileiro, era uma equipe que tinha mais de cem cientistas”, argumentou.
“Evidentemente”, prosseguiu Ildo, “perder um líder é um dano enorme, mas naturalmente essa capacidade de liderança de ciência e tecnologia, ela está dispersa entre muitos grupos e muitos cientistas e naturalmente acontece uma substituição. Claro que é um prejuízo. Então, eu entendo que o anúncio que o Irã fez, me parece hoje, de que o parlamento iraniano está aprovando a retirada do Irã do Tratado de Não-Proliferação, cria um novo quadro em escala global, em termos de controle”.
AMEAÇAS
“E como eu mencionei antes, me parece que isso é uma questão que tem que ser refletida no Brasil, sobre o nosso papel de um país pacifista, que escreve na sua Constituição que é contra a nuclearização. Nós devemos assumir o papel de protagonismo maior, de liderar e dizer, dar um ultimato àqueles que assinaram o Tratado de Não-Proliferação com o direito de ter armas e usá-las, às vezes, como ameaça velada permanentemente, como muitos países fazem, Estados Unidos e outros, e àqueles que não assinaram, mas detêm armas, para libertar a humanidade deste pesadelo das ameaças nucleares”, ponderou.
“Ou então, acrescentou o professor da USP, “dizer, olha, então o Brasil, Argentina e outros têm o direito também de fazê-lo, o que seria uma tragédia. Mas eu acho que nesse momento, eu estou fazendo essa reflexão além, eu debati isso antigamente com o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e outros do Itamaraty, de longa memória, de que o Brasil poderia ter um papel maior de livrar a humanidade desse pesadelo”.
“Esse episódio do ataque de Israel, nuclearizado, ao Irã, potencialmente nuclearizável, tem que ser um debate além do problema específico que está acontecendo hoje lá. Que é uma tragédia para a humanidade. Eu quero só lembrar, mais uma vez, o que é importante, que ataque a instalações nucleares de qualquer tipo é crime contra o Tratado de Não-Proliferação, e Israel cometeu isso”, completou Ildo Sauer.