“Não há nada mais silencioso que um homem que se afoga. Nosso objetivo é fazer barulho”, enfatizou Lise Valette, coordenadora da associação SOS Mediterrâneo, agradecendo o massivo apoio recebido em defesa das ações do navio de salvamento Aquarius.
Convocados com o apoio da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) e vestidos de laranja – cor dos coletes salva-vidas -, os manifestantes condenaram a “inação criminosa” dos governos europeus e exigiram uma “bandeira” para que a embarcação possa navegar livremente a fim de socorrer os afogados, em vez de abandoná-los à sua própria sorte. Desde fevereiro de 2016, o Aquarius já salvou a vida de 29.500 imigrantes, em cerca de duas centenas de operações. As atividades de apoio à embarcação mobilizaram mais de 50 cidades francesas, e também Madri, Bruxelas, Berlim e Palermo.
Conforme os organizadores, “a marcha trouxe uma mensagem universal de humanidade, solidariedade, respeito à vida, à dignidade humana e ao direito marítimo internacional”.
Em Marsella (sudeste), sede da SOS Mediterrâneo, cidade em que o “Aquarius” continua atracado, 3.500 pessoas se concentraram no Porto Velho, segundo a polícia. Uma multidão tomou as ruas de Paris e mesmo em Calais (norte), onde a prefeitura proibiu a realização do ato, os manifestantes não arredaram pé e fizeram “um chamado à cidadania” para que não silencie frente a governos que estão cruzando os braços enquanto as mortes se multiplicam.
Neste momento, denunciam as entidades, se está retirando a nacionalidade panamenha da embarcação, o que evidencia “a vontade dos Estados europeus de criminalizar o trabalho das Organizações Não-Governamentais (ONGs)” no Mediterrâneo, justamente quando os imigrantes mais necessitam de apoio. Com esta mobilização, enfatizou Sophe Rahal, porta-voz da associação, “estamos demonstrando que nossa legitimidade vem da sociedade civil”.
Infelizmente, explicou, “a quantidade de navegações pelo mar baixou, mas a taxa de mortalidade aumentou: “em 2017, se afogava uma pessoa entre 42 e, neste verão europeu – entre junho e setembro – foi uma pessoa entre 18”. Os números da tragédia são confirmados pelo mais recente relatório da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) que aponta que, somente neste ano, até setembro, mais de 1.600 pessoas morreram ou desapareceram no Mediterrâneo com destino à Europa.
“Os refugiados e a imigração são um dos grandes desafios que a União Europeia (UE) precisa resolver e isso não pode ser feito de forma individual”, acrescentou Patricia Lara, estudante de filosofia, acompanhando o ato na praça Cibeles de Madrid.
SOCORRO ÀS VÍTIMAS
A tarefa humanitária é assumida pelo conjunto dos ativistas da embarcação, que enfrentam a insensibilidade e a dura animosidade de governos que se utilizam de todo tipo de obstáculo burocrático para dificultar ao máximo o socorro às vítimas. Em junho deste ano, por exemplo, a embarcação precisou ficar parada a noite inteira nas águas entre a Itália e Malta, aguardando uma disputa diplomática, esperando “instruções” sobre onde e quando atracar.
Horas antes de o governo espanhol anunciar que iria acolher os 629 imigrantes a bordo do Aquarius, resgatados entre sábado e domingo, a situação no navio era de apreensão, pois a comida começava a acabar. Para piorar, lembrou Aloys Vimard, coordenador do MSF, “alguns resgatados estavam doentes, com ferimentos de bala de sua passagem pela Líbia ou ferimentos da viagem, muitos com sarna, alguns febre… Todos exaustos e muitos traumatizados pela dura travessia e tudo o que a antecedeu”. Entre eles havia sete mulheres grávidas e 123 menores que viajaram sozinhos.
Do ponto de vista da xenofobia e da covardia praticadas por autoridades contra indivíduos indefesos, parece que se ultrapassou todos os limites. Vale lembrar o ocorrido em agosto de 2015, quando pescadores turcos socorreram 47 imigrantes sírios e iraquianos que viajavam em um bote, após policiais da guarda costeira grega furarem a embarcação com a ponta de uma lança para que afundasse. Filmado e divulgado pelos pescadores, o vídeo do crime viralisou na internet.
Como tem dito e repetido Vimard, o fato é que, “agora, mais do que nunca, se necessita de ajuda humanitária, e resgatar a quem se encontra em perigo de afogar-se segue sendo uma obrigação legal e moral”.