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Até rede nacional de TV foi usada para a convocação. Bolsonaro desobedeceu recomendações do Ministério da Saúde e foi no ato em Brasíia
Insuflados pelo Palácio do Planalto, os bolsonaristas realizaram no domingo, dia 15 de março, atos golpistas contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) em cerca 49 cidades brasileiras. Apesar de todo o empenho de Jair Bolsonaro e de sua falange digital na convocação das manifestações, menos de quinze mil pessoas (somando todos os locais) compareceram aos atos. Ou seja, a badalada “marcha golpista” de Bolsonaro fracassou.
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Nas principais capitais, o movimento do dia 15 de março foi bem menor do que na última manifestação pró-Bolsonaro. Em São Paulo, a Avenida Paulista reuniu quatro mil pessoas. No Rio, na tradicional orla de Copacabana, cerca de mil pessoas protestaram.
Em Belo Horizonte, na Praça da Liberdade, reuniram-se mil e quinhentas pessoas e em Brasília, que teve a participação de Bolsonaro, cerca de duas mil pessoas se reuniram na Esplanada dos Ministérios. Em Recife e Fortaleza, mil pessoas foram ao ato e, em Goiânia, cerca de 800 pessoas hostilizaram o governador Ronaldo Caiado que determinou que não se realizasse o ato.
Além de atraírem pouca gente, um outro fato marcou as manifestações de domingo, foi o caráter marcadamente raivoso, partidário e sectário de seus participantes. Cartazes e faixas com agressões violentas aos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e David Alcolumbre (DEM-AP), respectivamente, estavam em todas elas. Também integrantes do governo foram ofendidos. Regina Duarte foi uma delas.
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Aliás, um outro fato chamou a atenção. Os cartazes e as faixas presentes pareciam padronizadas em todos os lugares, como destacou o jornalista Luiz Carlos Azedo, em seu comentário sobre as manifestações.
Outros “manifestantes”, mesmo percebendo o fiasco dos protestos, insistiram em pedir o fechamento do Congresso e do STF e a volta do AI-5, instrumento do arbítrio que propiciou a cassação de parlamentares, de governadores e demais lideranças políticas e colocou na prisão – sob tortura – diversos oposicionistas à ditadura. Sem falar nos que queriam a volta da própria ditadura e a prisão dos parlamentares e de integrantes da atual Suprema Corte.
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Afrontando todas as recomendações do Ministério da Saúde, de evitar aglomerações para impedir a propagação explosiva do coronavírus no Brasil, Jair Bolsonaro desdenhou de todas elas e convocou a manifestação. Ele usou todas as oportunidades que teve para incentivar seus seguidores a participarem das hostilidades públicas ao Congresso Nacional e ao STF.
Mesmo o pronunciamento oficial da Presidência da República, em cadeia de TV, feita em 12 de março, que deveria ser usado para dar orientações à população depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a transformação da epidemia chinesa de coronavírus em uma pandemia, foi usado por Bolsonaro para insuflar seus seguidores contra a democracia e em favor da marcha golpista. Ele não só insuflou como participou diretamente da manifestação em Brasília.
Assista ao vídeo
O pretexto de Bolsonaro para falar ao país foi a decisão da OMS sobre a pandemia. Mas, ele disse rapidamente que o Ministério da Saúde recomendava evitar as aglomerações, e logo em seguida elogiou e estimulou as manifestações. “Os movimentos espontâneos e legítimos marcados para o próximo dia 15 de março são legítimos e atendem aos interesses da nação”, disse ele.
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“Demonstram o amadurecimento da nossa democracia presidencialista e são expressões evidentes de nossa liberdade”, acrescentou Bolsonaro.
Questionado sobre a irresponsabilidade dele estar contribuindo para espalhar o vírus, Bolsonaro mostrou que não se preocupa com ninguém. “Se eu me contaminei, isso é responsabilidade minha”, disse Bolsonaro, sobre expor brasileiros ao risco.
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Sua milícia e seus seguidores não arrefeceram um só instante da convocação. Instrumentos que avaliam a intensidade da convocação na internet, citados pelo jornalista Luiz Carlos Azedo, revelaram uma atividade frenética da base bolsonarista nas semanas que antecederam o dia 15, preparando o ato. Foram milhares de memes, lives e cartazes de convocação. Quase todo esse material de agitação era compartilhado amplamente pela família Bolsonaro.
Cobrado por ter mantido a convocação do ato mesmo com as restrições impostas pelo Ministério da Saúde, Bolsonaro acabou revelando suas divergências com seu próprio Ministério da Saúde.
Bolsonaro convocou, e muito, o ato do dia 15. Desrespeitou o MS, colocou em risco a população para mostrar força. Com o fracasso, tentou tirar o corpo fora.
“Não tenho poder de impedir o povo de fazer nada. Não houve protesto nenhum. Eles estavam, em grande parte, fazendo um movimento pelo Brasil, ponto final. Não convoquei ninguém para ir”, afirmou o presidente, em entrevista à rádio Bandeirantes.
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Apesar de dizer que não influenciou na convocação das manifestações, Bolsonaro usou suas redes sociais para estimular os atos e, no domingo, na porta do Palácio do Planalto, cumprimentou simpatizantes e chegou a manusear celulares.
Ele levou junto o diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antonio Barra Torres, o único integrante do Ministério da Saúde que divergiu das orientações dadas na véspera e no dia do ato pelo órgão. Barros Torres, que é médico, deu respaldo à irresponsabilidade de Bolsonaro.
SÉRGIO CRUZ