O setor de serviços que corresponde a 73% no PIB retraiu em 0,8% no primeiro trimestre deste ano comparado com igual trimestre de 2020
A variação de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre deste ano em relação ao último trimestre do ano passado pode até ser comemorado estatisticamente, mas não significa que o Brasil está em trajetória de recuperação ou crescimento. Com a economia destroçada, o desemprego recorde e o agravamento da pandemia -associado ao ritmo lento de vacinação-, os setores que de fato contribuem com a evolução do mercado doméstico continuam no negativo. A sabotagem aberta à vacinação pelo governo federal, com a demora na compra de vacinas, quando hoje, mais de um ano depois do início da pandemia, pouco mais de 10,7% da população está vacinada, afetou particularmente o setor.
Com peso de 73% na formação do PIB, o setor de serviços está longe de se recuperar: na comparação com o primeiro trimestre de 2020 retraiu 0,8% e teve uma variação quase nula de 0,4% no primeiro trimestre deste ano sobre o trimestre imediatamente anterior.
“Embora tenha saído de uma queda de 10,2% no segundo trimestre de 2020, no primeiro trimestre do ano passado a economia já havia sentido os primeiros efeitos da crise econômica gerada pela pandemia e os serviços já haviam se retraído em 0,7% com relação a 2019; ou seja, caíram no 1º trimestre de 2021 na comparação com um período que já era de queda. Esse setor depende fundamentalmente da interação entre as pessoas e, por isso, sua recuperação plena neste momento em que a pandemia ainda não está controlada acarretaria um aumento da mortalidade causada pela COVID-19”, observam Claudio Considera e Juliana Trece, especialistas em Contas Nacionais, no Blog do Ibre/FGV.
A crise sanitária só agravou o quadro de um setor que já vinha estagnado. Com as atividades não essenciais suspensas durante a pandemia, o setor de serviços encontrou grande dificuldade no acesso ao crédito, que foi empoçado pelos bancos, e às medidas emergenciais de ajuda às micro, pequenas e médias empresas, como os programas de crédito e de manutenção do emprego, o BEm e o Pronampe.
Segundo os economistas do Ibre, “os componentes do setor de serviços com maior participação no PIB, que necessitam da interação das pessoas, ainda estão bastante deprimidos: o componente de outros serviços – hotelaria, bares, restaurantes, serviços prestados as famílias –, embora esteja bem melhor do que a queda de 20,8% registrada no segundo trimestre de 2020, ainda segue em queda de 7,3% com relação ao 1º trimestre de 2020. Finalmente a administração pública também registra queda de 4,4%, devido aos resultados da educação pública e saúde, sem seu pleno funcionamento”.
“A série do PIB trimestral divulgada pelo IBGE, ilustrada no gráfico abaixo, mostra que, no primeiro trimestre, a economia, embora tendo voltado a crescer após a recessão de 2014-16, tem um valor bem inferior ao primeiro trimestre de 2014 e pouco acima do de 2019. E, tendo em vista o peso do setor de serviços e de ele depender da interação social, só com a vacinação em massa a economia poderá ter a chance de voltar a crescer de forma sustentada. Isso já estava difícil mesmo antes do início da pandemia devido a problemas estruturais de longa data da economia brasileira e da falta de uma política econômica que contemple o crescimento”, afirmam Claudio Considera e Juliana Trece.
Não foi só no PIB do primeiro trimestre que o resultado dos serviços foi desastroso. Em março deste ano, segundo a pesquisa mensal de Serviços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o volume do setor caiu 4% ante fevereiro. Este foi o mês mais mortal da pandemia da Covid-19 no país. Em 2020, o setor acumulou queda de 7,8% e, apesar da pseudo-recuperação neste início de ano, ainda está 18% abaixo dos níveis de 2014.
Este setor depende, fundamentalmente, de duas coisas que são impossíveis diante de uma pandemia que já tirou a vida de quase meio milhão de brasileiros e a vacinação sob sabotagem governo: atendimento presencial e renda circulando.
A economista Silvia Matos, do Ibre da Fundação Getúlio Vargas, também observa que não existe recuperação sustentável quando os setores que mais empregam não estão indo bem. O setor de serviços é o que mais emprega: aproximadamente 68% dos trabalhadores formais e informais do país. “Os setores que mais sofrem são os que empregam mais e têm muita informalidade”, diz.
De acordo com dados do IBGE, o desemprego no país atingiu em abril nível recorde: 14,8 milhões de desempregados entre 33 milhões que estão no subemprego e desalentados.
“Uma recuperação econômica que gera emprego, em particular, tem de passar necessariamente por uma recuperação do setor de serviços e da indústria. Mas, sobretudo, serviços. O setor de serviços realmente emprega, tem uma intensidade em trabalho maior”, opina também a economista Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo.
A segunda observação feita por economistas para mostrar que este resultado do PIB é, na verdade, um desastre para o Brasil é a partir dos demais componentes da demanda interna – que também ficaram no vermelho.
Sob os efeitos do desemprego e da interrupção do auxílio emergencial, o consumo das famílias – que também impacta na prestação de serviços – caiu 0,1%. O consumo do governo, outro componente importante do PIB recuou 0,8% em plena emergência sanitária.
“Não existe retomada com crescimento sustentado sem o controle da pandemia. Não existe esta dicotomia entre saúde e economia: uma depende da outra. E, sem o controle do Covid-19, será esta gangorra de subidas e descidas e o país não vai conseguir segurar uma trajetória de recuperação mais consistente”, afirma o professor e economista da IBMEC, Thiago Moraes Moreira.
“Muito deste desempenho tem mais a ver com o sucesso do combate da pandemia no restante do mundo do que propriamente no Brasil. Sinal disso é que foi o eixo primário-exportador quem puxou o crescimento econômico neste início de ano. O mercado doméstico evoluiu pouco”, avaliou o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) sobre o resultado do PIB no primeiro trimestre deste ano.