A atriz israelense Gal Gadot, que interpreta a personagem “Mulher Maravilha”, rechaçou as afirmações racistas do primeiro-ministro israelense, Bibi Netanyahu.
A discussão entre Gadot e Netanyahu começou quando uma amiga de Gal Gadot, a âncora da TV israelense, Rotem Sela, contestou, no sábado à noite, as declarações de ministra da Cultura do governo israelense, Miri Regev, que declarou, em entrevista à TV Canal 12, que os judeus israelenses não devem deixar Benny Gantz, adversário principal de Netanhyahu nas eleições marcadas para 9 de abril, vencer. Segundo Regev, se Gantz vencer “vai ter que governar com os árabes”
Rotem Sela referiu-se, então, tanto ao comportamento da entrevistada quanto o da entrevistadora, descrevendo o que assistira: “Regev, sentada, explica a Rina Matzliah que o público deve ser cuidadoso porque se Benny Gantz – líder da Kachol Lavan (Azul e Branco, lista que concorre ao Knesset, parlamento israelense) – vencer, vai ter que montar um governo com os árabes. Rina Matzliah fica em silêncio. Então me perguntei por que Rina não a questionou, expressando seu espanto: “E qual o problema com os árabes?” Meu bom Deus, afinal também existem cidadãos árabes neste país”.
Rotem continua: “Quando, que inferno, vai alguém neste governo esclarecer ao público que Israel é um Estado de todos os seus cidadãos. E que todas as pessoas nascem iguais, os árabes também, Deus nos ajude, são seres humanos”.
A postagem de Rotem Sela foi contestada por muitos direitistas que seguiram a absurda excrescência do primeiro-ministro, no melhor estilo dos líderes do apartheid sul-africano: “Rotem, querida, uma importante correção: Israel não é um Estado de todos os seus cidadãos. De acordo com a Lei Estado Nação que aprovamos, Israel é um Estado-Nação dos judeus apenas e somente deles”, disse Netanyahu.
Foi então que a atriz israelense, Gal Gadot, resolveu intervir e postou: “Ame teu próximo como a ti mesmo”.
“Isto não é uma questão de direita ou esquerda, judeu ou árabe, secular ou religioso”, prosseguiu Gadot, “é uma questão de discutir o diálogo, discutir paz e igualdade e a nossa tolerância de um para com o outro. A responsabilidade por semear esperança e luz, por um futuro melhor para nossas crianças, é nossa”.
E conclui: “Rotem, irmã, você é uma inspiração para todos nós”.
Outra importante atriz israelense, Maya Dagan, também se posicionou em apoio à âncora da TV, Rotem Sela. Referindo-se a ela, Dagan disse: “Ela não é uma heroína. Ela é simplesmente normal. Ela é sã. Ela é uma cidadã do Estado que se importa. Que ama seu país. Assim como eu. Assim como qualquer pessoa normal que viva aqui. Esse medo, que está se instalando, de expressar opiniões é ilógico. Estou com você Rotem. Eu me junto a você. Eu afirmo tudo o que você disse. Muito bem. Estou orgulhosa de você”.
A modelo Shlomit Malka também repudiou as respostas racistas ao comentário de Rotem Sela: “As respostas que tenho visto à postagem de Rotem têm sido amedrontadoras e ameaçadoras. Como pode ser que, em 2019, em um país democrático, pessoas tenham que ter medo de dizer o que pensam? Aonde foi parar a liberdade de expressão? Será que ainda somos um país democrático ao menos? E se definimos nosso país como um país judeu, o que isso significa? Seguimos sendo um país democrático? Quais são os valores judaicos? O que simboliza mais a educação judaica do que a expressão, “Decência vem antes da Bíblia” ou “Ame teu próximo como a ti mesmo”? De quem se esperaria, mais do que de nós, entender as profundas ramificações do racismo e do ódio sem base?”
O deputado Ahmad Tibi, da coalisão árabe-judaica, Hadash-Ta’al, também entrou na discussão: “Se uma liderança da mídia, uma personalidade como Rotem Sela precisa de coragem para dizer que os árabes também são seres humanos, isso testemunha os tempos negros que estamos vivendo. O que Netanyahu e Regev disseram é desconcertante. Como é que alguém pode achar surpreendente que árabes também são pessoas e cidadãos que querem ser iguais?”
O presidente da Lista Árabe Unificada, Ayman Odeh, declarou: “É impressionante que demande tanta coragem, em Israel de 2019, dizer que o significado de democracia é um Estado de todos os cidadãos e que os árabes devem ser cidadãos plenos. Rotem Sela, nunca nos encontramos, mas meus parabéns”.
O que a âncora Rotem Sela e as atrizes Gal Gadot, Dragan e Mala lembraram a Netanyahu é que os 20% árabes da população de Israel, aqueles que permaneceram no país apesar do terror e da limpeza étnica de 1948, foram, de acordo com a declaração de Israel à ONU, pleiteando sua entrada ao organismo, expondo as obrigações assumidas pelo Estado de Israel que acabava de surgir, considerados cidadãos plenos e iguais.
“O posicionamento dessas atrizes é uma grande notícia. Este protesto deveria se estender por figuras de proa nas artes, na academia, etc.”, declarou o jornalista israelense Mairav Zonszein.
A arrogância de Netanyahu, que corteja o eleitorado direitista israelense, contrasta com sua real deterioração pessoal e política pois, o procurador-geral de Israel, Avichai Mandelblit, anunciou, há poucos dias, que concluiu seus estudos e que pretende pedir o indiciamento do primeiro-ministro com base em evidências de corrupção em dois casos. Ele é investigado em quatro casos.
Toda a discussão acima mostra a tensão que o racismo de Netanyahu e seu entorno vem criando no país. O que se espera é que a desmoralização deste contribua para diminuir o peso das concepções racistas na nova legislatura do parlamento israelense.
De qualquer forma, as afirmações do primeiro-ministro e (pasmem) da ministra da Cultura, foram tão vexaminosas que o presidente Reuven Rivlin (em Israel o presidente é um cargo de representação, o executivo cabe ao primeiro-ministro) se viu obrigado a contestar: “Somos todos iguais diante das urnas, árabes e judeus. Não há eleitores de segunda classe, assim como não há cidadãos de primeira classe”.
“Estas eleições para o Knesset (parlamento) não podem virar o país de cabeça para baixo”, prosseguiu, denunciando o que chamou de “observações totalmente inaceitáveis acerca dos cidadãos árabes de Israel”.
NATHANIEL BRAIA