Em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na terça-feira (14), moradores, líderes comunitários, especialistas e autoridades denunciaram as tarifas abusivas e os cortes no abastecimento de água promovidos pela empresa privada de saneamento que atua em Ouro Preto, a Saneouro.
Com palavras de ordem e um clima de revolta, os participantes da audiência exigiram a remunicipalização do saneamento e a imediata retirada da concessionária como prestadora de serviço. O saneamento do município foi entregue à empresa privada em dezembro de 2019, quando a Prefeitura extinguiu o Serviço Municipal de Água e Esgoto de Ouro Preto (SEMAE-OP).
A explanação dos participantes sobre os desmandos da concessionária – contas com valores exorbitantes (algumas de mais de 8 mil reais) a famílias que recebem auxílio governamental, cortes de água de populações necessitadas e entrega de água barrenta, com altos índices de coliformes fecais e cloro – justificam o clima da audiência, em que dezenas de moradores clamavam: “Fora Saneouro, a água é do povo!”.
O ato aconteceu a pedido dos mandatos “Juntos para Servir”, por meio do deputado estadual Leleco Pimentel (PT), em parceria com as deputadas Bella Gonçalves (Psol) e Beatriz Cerqueira (PT) e o deputado Betão (PT).
TARIFAS E MULTAS ABUSIVAS
“Nosso compromisso é com o povo de Ouro Preto! A população não aguenta mais. É muito descaso e absurdo por parte da Saneouro. Por isso, dezenas de pessoas compareceram à audiência pública para protestar e pedir socorro. É muita falta de humanidade. É muita exploração”, afirmou o deputado Leleco, que solicitou que a próxima audiência aconteça em Ouro Preto, mais próxima da população atingida.
“Queremos a imediata suspensão da cobrança de tarifas e multas abusivas”, protestou o presidente da Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto (Famop), Luiz Carlos Teixeira, que resumiu as principais queixas e reivindicações dos moradores.
“Aquele cartão-postal que colocam de Ouro Preto não é verdadeiro. É uma cidade pobre, preta, com a maioria das pessoas recebendo baixos salários, morando apinhadas nos morros das periferias”, disse.
REESTATIZAÇÃO
Ao citar as diversas falhas no contrato de concessão firmado entre a Prefeitura e a Saneouro, como falta de um plano municipal de saneamento, uma agência reguladora para acompanhar a empresa e concorrência ampla, além do descumprimento de cláusula do contrato que trata da qualidade dos serviços prestados, Teixeira propôs a anulação sumária do documento e a remunicipalização do serviço de água e saneamento.
Conforme o diretor do Comitê Sanitário de Defesa Popular de Ouro Preto, Marcos Calazans, a cidade “sempre foi palco dos saques das riquezas nacionais, primeiro do ouro, depois do minério, e agora, da água. Vão as riquezas e não vem dinheiro, ficando só o rastro de destruição”.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Calazans criticou a atuação do prefeito de Ouro Preto, Ângelo Osvaldo, e dos representantes da Saneouro, que estavam ausentes da audiência, e pediu a ajuda do parlamento para a iniciativa de mover uma ação civil pública para impedir as interrupções do fornecimento de água.
Relatando estudos que fez a pedido da Prefeitura, Rafael Bastos, do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento e professor da Universidade Federal de Viçosa, disse que ficou comprovado o valor muito mais alto das contas de água cobradas em Ouro Preto do que em municípios de porte igual ou superior, e que a situação se agrava pelo fato de o contrato com a Saneouro incluir apenas 5% entre os consumidores de água na tarifa social, quando, na realidade, 23% da população local está abaixo da linha da pobreza.
Segundo ele, as irregularidades quanto à qualidade da água, algumas graves, observadas em 22 sistemas de abastecimento de Ouro Preto, além das tarifas abusivas, seriam suficientes para se questionar a continuidade da concessão à Saneouro.
“Iremos sugerir à Prefeitura que rompa o contrato com a empresa em caráter de urgência, além de solicitar à Polícia Militar que pare de auxiliar a Saneouro nas diligências para o corte de água da população tão sofrida”, afirmou o Defensor Público Coordenador da Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva, Paulo César A. de Almeida.
Ao final da audiência, além do pedido para que a próxima reunião aconteça em Ouro Preto, o deputado Leleco apresentou diversos encaminhamentos que foram aprovados pelos presentes. Entre eles, informações sobre o patrimônio público investido que está sob responsabilidade da empresa Saneouro à Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento Básico de Minas Gerais; pedido ao Ministério Público de Minas Gerais de informações sobre apontamentos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Empresa Saneouro, realizada pela Câmara Municipal de Ouro Preto e, ao governador do Estado, informações acerca do estudo de solução regional para o saneamento ambiental e reversão da concessão pública à empresa Saneouro, tendo em vista a identificação como patrimônio hídrico estratégico do município de Ouro Preto, que possui as nascentes das bacias nacionais do Rio Doce e do Rio São Francisco, entre outras medidas.
Leleco Pimentel aventou a possibilidade de a Saneouro, empresa coreana, estar sendo também financiada por mineradoras, uma vez que estas fazem uso intensivo da água e não pagam por ela. “O Fora Saneouro hoje é um imperativo ético, para que em nenhum lugar do País as águas sejam privatizadas. Que a situação de Ouro Preto sirva de exemplo”, disse o deputado.