General disse à época para a PGR que não foi discutida em reunião a perseguição a servidores da Receita que flagraram crimes de Flávio Bolsonaro. Áudio desmente o general e mostra toda a trama para afastar os auditores
A Operação Última Milha, da Polícia Federal, que teve o sigilo retirado nesta quinta-feira (11), jogou por terra a versão apresentada pelo general Heleno, à época chefe do Gabinete de Segurança da Presidência (GSI), à Procuradoria Geral da República (PGR), quando da investigação sobre a reunião da Abin com a participação de Bolsonaro, Ramagem e o general para abafar os crimes cometidos por Flávio Bolsonaro.
Na reunião também participaram advogados de Flávio Bolsonaro. Ao vir á publico o escândalo, Heleno respondeu à PGR através de um ofício expedido em 17 de dezembro de 2020. O então ministro do GSI responde à PGR com críticas à imprensa e diz que, na reunião, apenas ouviu os relatos das advogadas de Flávio Bolsonaro e afirmou que os assuntos não eram de competência do GSI nem da Abin.
Segue o relato – agora desmentido – de Augusto Heleno: “À guisa de conclusão, esta autoridade se contrapõe veementemente ao conteúdo das matérias jornalísticas e às ações que nelas se fundam, ressaltando que, conforme informações obtidas do diretor-geral da Abin, nenhum relatório foi produzido, pela agência, para orientar a defesa do senador Flávio Bolsonaro. (…)”, disse Heleno.
“Limitei-me a ouvir o que tinham a dizer e, diante dos fatos, que não possuíam qualquer envolvimento com a Segurança Institucional, concluí que não era da competência do GSI, nem da Abin, interferir no assunto”, acrescentou o auxiliar de Bolsonaro.
“Desliguei-me, juntamente com o GSI, totalmente, desse assunto”, prosseguiu Heleno. “Só voltei a conversar com o delegado Alexandre Ramagem sobre o tema, quando o jornalista Guilherme Amado publicou, na revista Época, matéria sobre dois supostos relatórios, produzidos pela Abin, para orientar a defesa”, concluiu o general.
O inquérito divulgado pela PF na última quinta (11) desmente a versão do general Heleno e afirma que, em áudio de uma hora e oito minutos, Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o general, além do próprio Jair Bolsonaro, participaram da reunião. No encontro, Ramagem sugere a instauração de um procedimento administrativo contra auditores da Receita Federal para anular a investigação das rachadinhas, bem como retirar alguns servidores de seus respectivos cargos, ajudando a defesa do filho mais velho de Bolsonaro
Na época, servidores da Receita Federal que detectaram as operações de lavagem de dinheiro do filho mais velho de Bolsonaro para despistar os recursos obtidos com o esquema de rachadinha em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, foram perseguidos e afastados de seus cargos. A perseguição estava diretamente associada à ação da “Abin paralela”, agora revelada em detalhes, e que era dirigida à época por Alexandre Ramagem.
Para a PF, o conteúdo do áudio reforça a convicção de uso de estrutura da Abin para atender aos interesses da família Bolsonaro. “A premissa investigativa ainda é corroborada pelo áudio de 01:08 (uma hora e oito minutos) possivelmente gravado pelo del. Alexandre Ramagem no qual o então presidente da República Jair Bolsonaro, o GSI general Heleno e possivelmente advogada do senador Flávio Bolsonaro tratam sobre as supostas irregularidades cometidas pelos auditores da Receita Federal na confecção do Relatório de Inteligência Fiscal que deu causa à investigação”, diz o relatório
“Neste áudio é possível identificar a atuação do del. Alexandre Ramagem indicando, em suma, que seria necessário a instauração de procedimento administrativo contra os auditores da Receita com o objetivo de anular a investigação, bem como retirar alguns auditores de seus respectivos cargos”, prossegue o relatório da PF.
Mensagens também corroboram as suspeitas da PF. Além da reunião com a defesa de Flávio Bolsonaro, a PF encontrou mensagens que mostram auxiliares de Ramagem na Abin levantando informações contra auditores da Receita. O agente da PF Marcelo Bormevet e o militar Giancarlo Rodrigues levantaram “podres e relações políticas” dos auditores que fizeram relatório apontando os crimes de Flávio Bolsonaro. Esses agentes foram presos na Operação Última Milha.