A 3G Radar, de Pedro Batista de Lima Filho, que tem como sócio a 3G Capital, do trio bilionário Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, apesar de deter 1,3% do capital total da Eletrobrás, o que é irrelevante no que se refere ao poder de decisão, hoje ocupa posições estratégicas no Conselho de Administração da companhia, por exemplo, para definir a diretoria, os planos estratégicos da empresa, além da política de distribuição de lucros e dividendos. A 3G Radar detém 10,88% das ações preferenciais – as que têm prioridade para receber dividendos.
Uma gravação da reunião interna na Eletrobrás, obtida pelo jornal Folha de São Paulo, divulgada nesta segunda-feira (12), traz relatos de como o fundo 3G tomou o controle do Conselho de Administração da empresa.
Dos nove conselheiros da Eletrobrás, três afirmaram ter sido indicados para seus cargos por Pedro Batista de Lima Filho, que também ocupa uma cadeira no conselho. Lima Filho é um destacado defensor das privatizações. Já no governo de Michel Temer (MDB) ele começou a avaliar a venda da estatal. A 3G Radar produziu análises e projeções sobre o tema.
Na reunião realizada em 26 de janeiro, convocada para apresentar os conselheiros aos gestores da companhia e tratar sobre a reestruturação após a privatização, o conselheiro Vicente Falconi comentou que teve experiência em muitos conselhos. Ele foi membro do Conselho de Administração da AmBev, de abril de 2019 a abril de 2021, e renunciou em 2020. A AmBev também pertence aos banqueiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
“Eu fiquei no conselho da Brahma, e depois, no da Ambev, durante 25 anos. Então, eu peguei o conselho da Brahma lá no começo, e era um conselho, assim, muito parecido com o nosso atual“, afirmou Falconi. “Ou seja, eram três banqueiros que compraram uma empresa de bebidas, embora não entendessem nada, e começamos a organizar a empresa, a colocar algumas pessoas para dentro”.
Falconi disse, ainda, que já havia “saído do jogo”. Porém, disse que Batista o chamou. “Na verdade eu já tinha saído do jogo, sabe?“, declarou Falconi. “Para mim, tinha terminado. Eu pendurei a chuteira. Estava no vestiário“, disse ele. “Mas apareceu o Pedro lá. ‘Falconi, vamos voltar para o jogo aí. Joga mais uns dez minutos aqui”.
Felipe Vilela Dias, que está no conselho desde abril de 2019, também atribui a Batista o seu ingresso na Eletrobrás. “Eu já era amigo do Pedro, convivemos no mercado. E ele falou: ‘Pô cara, você está saindo de uma roubada, mas vou de te botar em outra. ‘Queria te indicar como representante dos preferencialistas, mas você vai para o comitê de auditoria, que é um negócio pesado’. Comitê de auditoria é sempre pesado“, disse Dias na reunião.
Outro foi Ivan Monteiro, atual presidente do Conselho. Monteiro disse que só se encontrou com Batista uma vez na vida, mas que recebeu um telefonema dele no dia em que a privatização da Eletrobrás foi aprovada. Monteiro foi presidente da Petrobrás, além de ter passado pelos conselhos da CPFL e Light.
“A gente foi jantar. Ele é o autor da frase. ‘Queria te convidar para um projeto nos próximos dez anos.’ Adorei. Eu definitivamente não sou velocista. Sou maratonista. A conversa foi extremamente agradável. Ele mencionou alguns nomes. Ali a gente começou a arquitetar o sequestro do Wilson“, disse Monteiro. Wilson Ferreira Jr. havia sido presidente da Eletrobrás estatal de 2016 a 2021. Voltou à presidência da companhia em setembro de 2022.
Outro indicado pela 3G foi Elvira Baracuhy Presta. Ela entrou no conselho em 2018 como representante dos minoritários. Agora, é vice-presidente executiva financeira e de relações com investidores.
Dias antes da aprovação da lei da privatização da Eletrobrás, em 17 de junho de 2022, o então ministro de Minas e Energia do governo Bolsonaro, Adolfo Sachsida, recebeu um grupo de acionistas da Eletrobrás, do qual Batista fazia parte. De acordo com a reportagem da Folha de São Paulo, o encontro foi registrado na agenda oficial. Neste dia, uma lista de nomes sugeridos para compor o novo conselho da empresa foi entregue ao ministro, sendo a relação também apresentada ao Ministério da Economia. Em 5 de agosto de 2022, a Assembleia Geral Extraordinária dos Acionistas aprovou e elegeu a chapa de Batista.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer retomar a participação da União na Eletrobrás. Na semana passada, a Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra dispositivos da lei de desestatização da Eletrobrás, que reduziram o poder de voto da União.
De acordo com a Lei 14.182/2021 de Bolsonaro, não importa quantas ações ordinárias um determinado acionista possua na hora de votar na Assembleia Geral, pois qualquer acionista só pode votar com no máximo 10% de participação. Com a regra, a União, que manteve cerca de 42% das ações ordinárias, não têm o direito de voto proporcional a essa participação. Na prática, nas decisões de voto na Eletrobrás, a norma limitou o poder de voto do interesse público, em prol dos interesses do setor privado (fundos estrangeiros e especuladores nacionais do setor elétrico).
A AGU sustenta que a regra limitadora do direito de voto gera ônus desproporcional à União e grave lesão ao interesse público, além de clara violação ao direito de propriedade do ente federativo, “aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, e de diversos mandamentos constitucionais que regem a atuação da Administração Pública”.
“Assim, a regra veio apenas a malferir os direitos políticos da União em favor dos demais acionistas minoritários da companhia”, declarou a AGU, ao destacar que a regra se restringe apenas ao direito de propriedade da União, única acionista a possuir ações em volume superior a dez por cento das ações ordinárias.