MP pediu para o caso ser levado ao STF por conta da interferência do Planalto. Ribeiro descreve conversa com Bolsonaro sobre busca e apreensão antes da operação
O Ministério Público Federal pediu à Justiça Federal de Brasília o envio ao Supremo Tribunal Federal a investigação sobre o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro por suspeita de interferência direta de Jair Bolsonaro no processo. O pedido do MPF foi baseado em conversas do ex-ministro com terceiros, gravadas com autorização da Justiça, e que, na visão dos procuradores, são indícios de que Jair Bolsonaro interferiu na investigação.
O delegado da PF, Bruno Callandrini, responsável pelo caso e que pediu a prisão do ex-ministro, já havia denunciado a interferência de superiores na condução da investigação. Ele disse que estão havendo interferências de superiores para “obstaculizar” a apuração e que o ex-ministro Milton Ribeiro recebeu “honrarias não existentes na lei” quando esteve preso.
Ouça o áudio da conversa do ex-ministro com filha onde ele diz que Bolsonaro sabia da operação
Segundo o delegado, “a investigação envolvendo corrupção no MEC foi prejudicada no dia de ontem em razão do tratamento diferenciado concedido pela PF ao investigado Milton Ribeiro”. A decisão judicial que permitiu a prisão preventiva do ex-ministro de Bolsonaro exigiu sua transferência para Brasília, mas isso não aconteceu. A direção da PF alegou risco de segurança e restrição orçamentária para manter Milton Ribeiro em São Paulo.
“O deslocamento de Milton para a carceragem da PF em SP é demonstração de interferência na condução da investigação, por isso, afirmo não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o Inquérito Policial deste caso com independência e segurança institucional”, denunciou o delegado responsável.
O juiz Renato Borelli, da 15ª Vara de Justiça Federal de Brasília atendeu ao pedido do MP e o caso deve voltar para as mãos da ministra Cármen Lúcia, do STF. A magistrada era a relatora do inquérito sobre a atuação do ex-ministro Milton Ribeiro e de pastores. Depois que Milton pediu demissão, ela mandou o caso para a 1ª Instância.
Em sua decisão, Borelli afirmou que o MPF formulou o pedido para envio de parte do material obtido na investigação porque verificou “a possível interferência nas investigações por parte de detentor de foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal”.
O juiz determinou o envio ao Supremo da totalidade dos autos. A Corte deve decidir sobre a continuidade da investigação na 1ª Instância, ou a divisão do processo (veja a íntegra da decisão do juiz). “Assim, figurando possível a presença de ocupante de cargo com prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, cabe ao referido Tribunal a análise quanto à cisão, ou não, da presente investigação”, disse o juiz. O magistrado destacou em sua decisão alguns trechos dessas conversas.
Veja a transcrição:
Conversa com uma pessoa identificada como Waldomiro:
MILTON RIBEIRO: Tudo caminhando, tudo caminhando. Agora… tem que aguardar né…. alguns assuntos tão sendo resolvidos pela misericórdia divina né…negócio da arma, resolveu… aquele… aquela mentira que eles falavam…que os ônibus estavam superfaturados no FNDE… pra… (ininteligível) também… agora vai faltar o assunto dos pastores, né? Mas eu acho assim, que o assunto dos pastores… é uma coisa que eu tenho receio um pouco é de… o processo… fazer aquele negócio de busca e apreensão, entendeu?
Conversa com uma pessoa identificada como Adolfo:
MILTON: (…) mas algumas coisas já foram resolvidas né… acusação de que houve superfaturamento… isso já foi… agora, ainda resta o assunto do envolvimento dos pastores, mas eu creio que, no devido tempo, vão ser esclarecidos.
“Em conversa com familiar (terceiro)
“MILTON: Não! Não é isso… ele acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa… sabe… é… é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? se houver indícios né…”…A filha alerta o ex-ministro de que está falando de um celular normal. Milton, então, responde: “Ah, é? Então depois a gente se fala”. Uma mensagem clara de que a conversa continha informações que não poderiam vir a público porque envolve a interferência de Bolsonaro.
O Ministério Público argumentou que a interferência de autoridades prejudicou a ação de investigação e beneficiou ilegalmente o investigados. Veja a argumentação:
“O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF), por meio do presente membro designado para a realização da audiência de custódia, vem apresentar sua ciência sobre a decisão de cancelamento desta, bem como sobre a determinação de soltura dos presos.
“Outrossim, nesta oportunidade, o MPF vem requerer que o auto circunstanciado nº 2/2022, bem como o arquivo de áudio do investigado Milton Ribeiro que aponta indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações, sejam desentranhados dos autos e remetidos, de maneira apartada e sigilosa, ao Supremo Tribunal Federal, em respeito ao art. 102, I, b, da Constituição da República, a fim de que lá seja averiguada a possível ocorrência dos crimes de violação de sigilo funcional com dano à Administração Judiciária (art. 325, § 2º, do Código Penal) e favorecimento pessoal (art. 348 do Código Penal).
“Sobre o ponto acima, registre-se também que há indícios de igual interferência na atividade investigatória da Polícia Federal quando do tratamento possivelmente privilegiado que recebeu o investigado Milton Ribeiro, o qual não foi conduzido ao Distrito Federal (não havendo sido tampouco levado a qualquer unidade penitenciária) para que pudesse ser pessoalmente interrogado pela autoridade policial que preside o inquérito policial, apesar da farta estrutura disponível à Polícia Federal para a locomoção de presos. Nesse ponto, destaque-se que a ausência de Milton Ribeiro perante a autoridade policial foi prejudicial ao livre desenvolvimento das investigações em curso, além de ferir a isonomia que deve existir no tratamento de todos os investigados”.