
FLAUZINO ANTUNES
Economista e dirigente da CTB
Ao analisar aspectos do Arcabouço Fiscal apresentado pelo Ministério da Fazenda em conjunto com o Ministério do Planejamento, aponto algumas insuficiências da proposta, reconhecendo limites políticos para assegurar governabilidade junto a um Congresso Nacional reacionário, que, somente com a força popular movida pelo interesse nacional, emprego e renda, será capaz de mudar essa correlação de forças pró mercado financeiro do parlamento brasileiro.
Esse Arcabouço Fiscal é melhor ou pior do que a Regra do Teto de Gastos de emenda constitucional 95, do Temer e mantido pelo Bolsonaro? De maneira objetiva, sim. Foi um avanço limitado e tímido, em pelo menos dois aspectos:
1- colocou uma banda, uma flexibilização de 2,5% e, portanto, não está congelado como a emenda 95;
2- atrelou um mínimo de 06,% aumento independente na despesa e colocou a questão do aumento da despesa em relação ao aumento de receita na ordem de 70%. Essas mudanças se dão dentro de um prisma menos ortodoxo da economia.
Um senão importante no modelo desenhado, e não explicado convicentemente, é como conseguir aumentar a receita sem o aumento de impostos.
Uma outra dúvida é se seria realmente necessário apenas reformular a emenda 95 e tornar o teto de inflexível para flexível, ou o necessário era acabar de vez com essa política fiscal austera que nos coloca cada vez mais no “austeríscidio fiscal”?
Com absoluta certeza é acabar com essa busca desenfreada por metas austeras, com cortes de investimentos, de aposentadorias e de políticas sociais, produzidas por “cabeças de planilhas” que são financistas frios e não se importam com o país, e acabam, com isso, matando nosso desenvolvimento econômico e sacrificando o nosso povo através de cortes que eu costumo chamar de “Austerícido Fiscal”.
Sim, seria o ideal! Mas teríamos correlação de força política para retirar de vez? Tenho convicção que sim! O povo, os trabalhadores e os empresários do Brasil não aguentam mais esse modelo econômico de juros altos e esperam do governo Lula 3.0 que isso acabe.
Esse é o ponto! Lula se elegeu com uma ampla aliança política e com interesses e visões distintas. Dentro dessas contradições internas do governo nasceu esse novo arcabouço fiscal. Mas, a meu ver, foi um plano ainda inclinado aos interesses do mercado. O próprio mercado tinha dado sinais que esperavam mais tempo para alcançar o nível de superávit fiscal e o governo sugeriu que em dois anos estarão com o superávit, atendendo em muito os interesses do setor financeiro. O que pode mudar nessa equação de contradições internas são os resultados políticos!
O Governo Federal precisa entregar algo de concreto para o povo e cumprir suas promessas de campanha. Lula tem que se atentar que, para além da frente ampla política, contou com o apoio dos eleitores e do povo em geral, que esperam a volta dos investimentos e políticas públicas, a volta dos empregos. Isso só ocorrerá com a queda dessa política monetária austera do BC de juros altos e do fim do freio da política fiscal (Teto) com superávit fiscal, para que tenhamos mais investimentos. Se em curto e médio prazo o povo perder as esperanças e começar a cobrar o Governo, este terá que fazer uma reflexão com quem quer governar e mudar de rumo.
Lula terá que optar entre o povo ou o mercado, pois nesse momento de reconstrução nacional pós pandêmico e de um governo devastador e entreguista como o passado, essas bandas flexíveis do Haddad serão um entrave, e a política fiscal tem que ser anticíclica, ou seja, expansionista. Vincular o crescimento da despesa ao aumento de receita é justamente pró-cíclico (contracionista), apesar que há um piso nos investimentos, mas, ainda é pouco, no próprio material de divulgação do Ministério da Economia, o percentual do PIB em relação aos investimentos. O governo federal empata com os investimentos dos municípios, 0,89%, em 2010.
Outro ponto importante será a disputa interna por recursos dentro das pautas sociais no orçamento público desse modelo proposto, com o máximo que a despesa pode crescer entre um ano e outro (2,5%). Essa será a despesa total da União, só que no gasto total estão os custos previdenciários. Então, para respeitar o teto da banda, os outros itens da despesa deverão crescer menos. E quais são os outros itens? Você tem dois que são fundamentais, a despesa com o funcionalismo público e os de investimento. Num processo de retomada essas rubricas não deveriam ser limitadas, muito menos conflitantes entre si para serem escolhidas entre uma ou outra.
O modelo que o povo mais anseia é o do desenvolvimento econômico com inclusão social. Para isso, os investimentos e políticas públicas deveriam estar fora dessas amarras fora do teto e o BC deveria estar com o Estado para remar na mesma direção.
Sabidamente, o Congresso Nacional eleito em 2022 é ainda mais reacionário do que anterior. É possível que a proposta do governo seja alterada para pior, ampliando os prejuízos aos trabalhadores e cidadãos contribuintes? É possível, sim! Esse mesmo Congresso ficou a favor do povo contra as loucuras do Bolsonaro/Guedes, aumentando o auxílio emergencial, derrubando a PEC 32 e aprovando o piso da enfermagem.
Portanto, há quem aposte que o governo apresentou aumento de 70% das despesas na relação com a receita para estimular esse debate e negociação no parlamento. Terão as bancadas dos bancos querendo reduzir para 60% e outras bancadas a favor do povo, querendo aumentar para 80. Nesse caso, continuo apostando na opinião pública e nos movimentos populares para garantir os avanços e desequilibrar as forças políticas que são pró sistema financeiro.
Uma auditoria cidadã da dívida pública permanece sendo negligenciada nessas discussões, mesmo com essa dívida abocanhando mais de 50% do orçamento da União anualmente. A política neoliberal preconiza sempre a redução das despesas fiscais (investimentos e políticas públicas) e tamanho do Estado, mas não está preocupada com as despesas públicas nominais que são os gastos com os juros, pois favorecem os bancos e rentistas.
Portanto, a auditagem desses gastos nunca esteve na pauta. Seria muito importante a auditoria da dívida, desde os tempos da ditadura e de outros governos, que está nesse bolo e que podem estar até quitadas, mas ainda estamos pagando. Mudaremos essa situação se realmente quisermos, como sociedade, apurar esses dados.
Em contrapartida, o presidente Lula segue fazendo frequentes críticas à taxa de juros praticada no país. Com toda a certeza, temos que apoiá-lo!
Nos últimos anos, fomos pautados pela necessidade de um teto de gastos que nunca foi imprescindível. No governo FHC não tinha teto, no de Lula também não. A despesa pública no governo Lula cresceu em torno de 5% ao ano em termos reais, o resultado do superávit primário era alto e a dívida caiu.
Não estamos com impressão desenfreada de moeda e as contas públicas não estão desequilibradas. Basta ver que a relação dívida/PIB está no patamar de 76%, sendo que países desenvolvidos estão em mais de 100% e países do mesmo patamar econômico do Brasil estão em 80% a 90%. Portanto, não são esses fatores que aumentam a inflação, nada justificando os juros pornográficos que estamos vivendo no Brasil.
Essa postura do Lula coloca o tema em pauta. E o povo acaba buscando o entendimento que o BC independente não é necessário para o Brasil. Enquanto Roberto Campos Neto estiver à frente do BC, o arcabouço do governo não causará impactos para uma forte redução da taxa de juros e os planos do Palácio do Planalto não serão implementados.
É importante que o movimento social do Brasil, principalmente o sindical, assuma a vanguarda na luta pela redução da taxa de juros, pois isso representa mais emprego e mais cidadania.
A primeira sugestão ao movimento sindical é a unidade pelo certo!
O certo agora é que o governo consiga garantir cidadania, emprego e democracia ao nosso país. Deixar as divergências de lado e buscar o engajamento no principal para que não se tenha a volta do retrocesso.
Para isso, o foco da luta tem que ser na defesa da política econômica do crescimento econômico e geração de emprego e renda. Para isso, o sistema confederativo e as centrais têm que ir as ruas unidas defendendo a queda dos juros!
Puxando a pauta para o meio da sociedade e do povo, contribuindo na defesa das empresas nacionais e dando força ao esforço do Lula. Fazendo, enfim, com que o Congresso e o BC mudem o tom da música a favor do Brasil.
As Centrais Sindicais, articulando em simultâneo com alguns setores empresariais, como ABIMAQ, ABIT, ABRINQ, ALANAC, ABIFINA…, um amplo movimento social com o lema: Menos juros, mais produção, empregos e comida na mesa!