
Os australianos repudiaram no sábado (3) nas urnas um clone de Trump, Peter Dutton, e reelegeram o trabalhista Anthony Albanese, resultado, segundo a CNN internacional, “surpreendente, não por causa de quem ganhou, mas pela escala da vitória”.
O resultado repete o efeito bumerangue anti-Trump, pós-tarifaço, já presenciado na semana passada no Canadá. No início do ano os trabalhistas vinham caindo nas pesquisas mas Albanese acaba de se tornar o primeiro-ministro australiano reeleito em 20 anos e seu partido obteve pelo menos 87 de 150 mandatos de deputado.
Albanese condenou as tarifas de Trump como um ato de “autossabotagem econômica” e “não condizente com o de um amigo”.
Apoiadores eufóricos do Partido Trabalhista brindaram com cervejas artesanais estampadas com o rosto de Albanese em uma festa em Sydney, entoando o apelido “Albo” enquanto os resultados eram anunciados na TV.
Ex-policial e ex-ministro da Defesa australiano em um governo de coalizão anterior, Dutton fez uma campanha do gênero “Make Australia Great Again”, permeada de apelos anti-China e a rearmar a Austrália, promessas de reduzir o número de servidores públicos, arreganhos anti-imigração e racismo explícito contra os aborígenes.
“TEMU TRUMP”
Até foi ironicamente apelidado de “Temu Trump”, em referência a um mercado chinês online de baixo custo. Sequer se reelegeu deputado, perdendo um mandato parlamentar de duas décadas.
Ele ganhou notoriedade ao encabeçar a campanha, aliás vitoriosa, contra o referendo, proposto pelo governo Albanese, para reconhecimento constitucional dos aborígenes australianos, que cinicamente acusou de “divisivo”, por “favorecer” um grupo [os “índios”] em “detrimento” de outro. Ou seja, dos colonos ingleses e seus descendentes; os aborígenes, população originária australiana, praticamente não têm direitos.
Na única vez que Dutton divergiu de Trump, foi para insistir que a Austrália deveria fornecer armas para a Ucrânia.
No debate final entre os candidatos, Dutton designou a China como “a maior ameaça à segurança nacional da Austrália” e alegou que “a única maneira de preservar a paz é se preparar para a guerra.” Note-se que a China é o principal parceiro comercial da Austrália, responsável por um terço de suas exportações.
PARA DUTTON, TRUMP É “GRANDE PENSADOR”
Em outra ocasião, Dutton se referiu a Trump como “um grande pensador” no cenário global. “Quer dizer, o Donald Trump é mais louco que uma cobra cortada, e todos sabemos disso”, comentou o eleitor Alan Whitman, de 59 anos, antes de votar no sábado. O voto é obrigatório e anda pela casa dos 90%.
Durante a campanha, a senadora que ele escolheu para se tornar ministra para a eficiência do governo – uma cópia do Doge de Elon Musk – explicitou que a ideia era “tornar a Austrália grande novamente”. Mais tarde Jacinta Nampijinpa Price alegou não ter percebido que havia dito isso. Questionada no sábado se papaguear Trump prejudicou Dutton, ela disse: “Se você jogar lama suficiente, ela vai grudar”.
CAMINHO AUSTRALIANO
No seu discurso da vitória, Albanese afirmou que “neste momento de incerteza global, os australianos escolheram otimismo e determinação”. Ele acrescentou que seu governo “escolherá o caminho australiano”. “Não precisamos implorar, pedir emprestado ou copiar de nenhum outro lugar. Não buscamos nossa inspiração no exterior.”
Nos últimos governos, a Austrália tem sido arrastada para a política norte-americana de cerco contra a China, integrando a aliança bélica AUKUS (Austrália, Reino Unido e EUA), comprando submarinos nucleares norte-americanos e ampliando as bases norte-americanas no país.
Nos últimos três anos, Albanese foi creditado por melhorar as relações com a China, levando ao levantamento das tarifas impostas durante o mandato de seu antecessor. Seu governo também reparou as relações com as nações insulares do Pacífico. Também no final do processo judicial dos EUA contra o fundador do WikiLeaks, seu governo ajudou a chegar ao acordo que evitou a deportação de Julian Assange e garantiu sua volta à Austrália
Em sua campanha, ele se comprometeu em fortalecer o sistema de saúde, construir 1,2 milhão de casas para aliviar a crise de moradia, cortar impostos e manter uma política ambiental sustentável.
“Agora que o povo australiano fez sua escolha clara, vamos refletir sobre o que temos em comum, porque não importa em quem você votou, não importa onde você mora, não importa como você adora, ou quem você ama, ou se você pertence a uma cultura que conhece e cuida deste grande continente há 65.000 anos, ou você escolheu nossa nação como seu lar e enriqueceu nossa sociedade com sua contribuição, somos todos australianos”, enfatizou Albanese.